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Lafer critica diplomacia do Brasil: "Não sentaremos à mesa com ninguém"

Do UOL, em São Paulo

25/05/2020 22h34

O jurista e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer afirmou na noite de hoje que a política externa comandada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não está afinada com tudo o que o país construiu ao longo de décadas, durante entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura.

"Há uma preocupação grande sobre como vai se organizar o mundo depois da pandemia. Uns acreditam que termos mais pontes, outros que teremos mais muros. O Brasil é um país de escala continental, sempre teve interesse no funcionamento do mundo, não é uma grande potência, mas tem certos recursos diplomáticos significativos. Um desses recursos é sua credibilidade, sua capacidade de construir pontes, a vocação de procurar consensos", afirmou ele.

"Mas não creio que a política externa do governo Bolsonaro esteja afinada com esse potencial construtivo que sempre caracterizou a diplomacia brasileira. Na minha avaliação nós não sentaremos à mesa com ninguém que vá definir para o bem ou para o mal o destino da ordem mundial", completou.

Lafer prevê que a perda de credibilidade do Brasil lá fora irá comprometer a recuperação econômica do país.

"Nós vamos ter uma situação econômica muito séria [em decorrência da pandemia do novo coronavírus]. Sem dúvida nenhuma, para lidar com essa situação, recursos externos serão muito importantes. Para termos esses recursos, o componente de credibilidade é indispensável. Ninguém imagina recursos importantes de longo prazo sem a noção de credibilidade e de previsibilidade."

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo, Lafer tem mestrado e doutorado pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Na USP, foi professor e chefe do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito.

Em duas ocasiões, Lafer ocupou o cargo de Ministro das Relações Exteriores: em 1992, no governo de Fernando Collor —quando foi responsável pela organização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92—, e entre 2001 e 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Celso Lafer - Reprodução/TV Cultura - Reprodução/TV Cultura
Celso Lafer participa do programa "Roda Viva", da TV Cultura
Imagem: Reprodução/TV Cultura

Itamaraty contraria Constituição

Lafer também criticou a atuação do Itamaraty durante o período da crise da pandemia do novo coronavírus. Em sua avaliação, o órgão não está tendo o papel que em condições normais teria.

"E mais, os próprios estados integrantes da federação estão atuando para obter apoios, recursos de toda natureza, porque não encontram no plano federal um apoio desejável. E é claro que o tema da China é importante, primeiro como um grande parceiro comercial do Brasil, e também muito importante naquilo que vem fazendo nesta área de saúde pública. Estive na China e o que me impressionou muito foi verificar qual era o patamar de conhecimento que a China tinha alcançado, estava desenvolvendo, gerando conhecimento e aplicando recursos. Ora, não creio que o Itamaraty está olhando para isso como deveria estar."

Em artigo publicado pelo jornal "Folha de S. Paulo", no início de maio, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além de diplomatas e chanceleres de outros governos anteriores (dentre eles, Celso Lafer), já haviam afirmado que atual condução do Itamaraty contraria a Constituição.

"Nunca vi nada parecido"

Questionado sobre a reunião ministerial do dia 22 de abril —o vídeo desta reunião teve o sigilo retirado na semana passada pelo ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), relator de inquérito que apura a suposta interferência de Bolsonaro—, Lafer relembrou a época de reuniões em governos anteriores.

"Eu já participei dos governos de Collor e Fernando Henrique participei de reuniões ministeriais, e creio que nunca vi nada parecido na forma de conduzir uma reunião", disse.

"O presidente Collor, nas reuniões ministeriais e nas reuniões que tive com ele, sempre teve uma conduta apropriada ao decoro presidencial. Não estou querendo insistir no tema da liturgia do cargo, que o o presidente Sarney insistia. Mas a ideia da liturgia do cargo, com a ideia do decoro significa também uma ideia de responsabilidade a luz da função que você está exercendo. Justamente esta reunião ministerial é uma reunião onde o tema do decoro, ou da falta de decoro, aparece de uma maneira muito preocupante", acrescentou.