Topo

PGR tentou isentar Bolsonaro e culpar ajudante, mas tese não convenceu

Lindôra Araújo, vice-procuradora-geral da República - Nelson Jr./SCO/STF
Lindôra Araújo, vice-procuradora-geral da República Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Pedro Canário, Amanda Rossi e Aguirre Talento

Do UOL, em São Paulo, e colunista do UOL, em Brasília

03/05/2023 17h07Atualizada em 03/05/2023 18h04

Nas 61 páginas de seu parecer, a PGR (Procuradoria-Geral da República) tentou isentar o ex-presidente Jair Bolsonaro, opôs-se à busca e apreensão em endereços do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e imputou a culpa pela fraude nos cartões de vacinação ao ex-ajudante de ordens Mauro Cesar Barbosa Cid. A tese não convenceu o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, disse que "os elementos de informação" apresentados pela PF (Polícia Federal) "não servem como indícios minimamente consistentes para vincular o ex-presidente e a sua esposa aos supostos fatos ilícitos descritos" pela PF.

Na interpretação de Lindôra, o esquema para fraudar cartões de vacinação foi "arquitetado e capitaneado" pelo coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, "sem o conhecimento e sem a anuência do ex-presidente".

Mauro Cesar Barbosa Cid teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência do ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro"
Lindôra Maria Araújo, vice-procuradora-geral da República

Segundo a procuradora, "não há lastro indiciário mínimo para sustentar o envolvimento do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro com os atos executórios de inserção de dados falsos referentes à vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde e com o possível uso de documentos ideologicamente falsos".

Os argumentos, entretanto, não convenceram o ministro Alexandre de Moraes. Na decisão desta quarta-feira (3), ele disse que o major Mauro Cid executava "determinações pessoais de Bolsonaro" e que a tese da PGR "não se demonstra crível".

Não há qualquer indicação nos autos que conceda credibilidade à versão de que o ajudante de ordens do ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro pudesse ter comandado relevante operação criminosa, destinada diretamente ao então mandatário e sua filha, sem, no mínimo, conhecimento e aquiescência daquele, circunstância que somente poderá ser apurada mediante a realização da medida de busca e apreensão requerida pela autoridade policial"
Alexandre de Moraes, ministro do STF, na decisão

PGR contesta necessidade de cartão de vacina nos EUA

Lindôra contestou a tese de que o cartão de vacinação de Bolsonaro e Laura teria sido emitido para permitir que ingressassem nos Estados Unidos.

Segundo a vice-procuradora, como membros de viagem diplomática ou oficiais de governos estrangeiros, a família Bolsonaro não precisaria sequer apresentar o documento ao chegar ao país.

Em tese, o ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro e sua filha Laura Firmo Bolsonaro sequer teriam sido demandados a apresentar comprovantes de vacinação em viagens aos Estados Unidos da América"
Lindôra Maria Araújo, vice-procuradora-geral da República

A vice-procuradora também se valeu das posições públicas de Bolsonaro contra a vacina para defender que o ex-presidente é inocente.

Chegou até a cogitar que a participação de Bolsonaro na fraude seria "paradoxal", já que poderia "acarretar-lhe-ia prejuízo político irreparável, justamente no ano em que concorreria a um novo mandato como Presidente da República". Porém, todas as datas trazidas pela investigação da PF são posteriores ao resultado eleitoral, em que Bolsonaro foi derrotado.

A aquiescência de Jair Messias Bolsonaro à inserção de dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde, além de desnecessária -- como acima demonstrado --, seria absolutamente paradoxal e, caso desvelada, acarretar-lhe-ia prejuízo político irreparável, justamente no ano em que concorreria a um novo mandato como Presidente da República".
Lindôra Maria Araújo, vice-procuradora-geral da República

Gabinete do ódio

Na representação enviada ao ministro Alexandre, a Polícia Federal relacionou o esquema da fraude nos cartões de vacina ao gabinete do ódio.

Para os investigadores, Bolsonaro e seus assessores se organizaram para falsificar os dados de vacinação e manter as informações em sigilo para poder, em público, continuar com o discurso antivacina.

De acordo com a PF, "o mecanismo idealizado pelo autointitulado GDO ("gabinete do ódio") reverberou e amplificou por multicanais a difusão de notícias falsas envolvendo a pandemia e ataques à vacinação contra covid-19".

Seguem os policiais, na representação entregue a Alexandre: "A estrutura criminosa criada no município de Duque de Caxias foi utilizada para propiciar que pessoas do círculo próximo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro pudessem burlar as regras sanitárias impostas na Pandemia da covid-19 e, por outro lado, manter coeso o elemento identitário do grupo em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19".

Segundo a PF, o fato de Bolsonaro e seus assessores terem criado o esquema indica que eles não queriam "suportar o ônus do posicionamento contrário à vacinação" enquanto mantinham "hígida perante seus seguidores a ideologia professada". De acordo com os investigadores, essa foi a motivação para a "série de condutas criminosas" descobertas nessa fase do inquérito.