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Entenda a manobra de Braga Netto que irrigou centrão com R$ 1 bi da Defesa

Do UOL, em Brasília e no Rio

18/09/2023 04h00Atualizada em 18/09/2023 16h45

Braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o general Walter Braga Netto (PL) articulou, à época em que comandava o Ministério da Defesa, um mecanismo que driblou decisões do STF que barraram o orçamento secreto para continuar a distribuir verbas a aliados do centrão.

O que aconteceu

O governo Bolsonaro usou ao menos R$ 1 bilhão do caixa do Ministério da Defesa nos anos de 2021 e 2022 para irrigar aliados no Congresso. Os parlamentares beneficiados direcionaram as verbas a seus redutos eleitorais por meio do Calha Norte, programa que faz repasses para obras de infraestrutura no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A identidade, os partidos e o montante de recursos enviados aos municípios não são de conhecimento público, mas o UOL apurou que 23 políticos do centrão apadrinharam os repasses. Os nomes deles aparecem em uma tabela do Ministério da Defesa, que o UOL obteve via LAI (Lei de Acesso à Informação).

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5 de novembro de 2021. O mecanismo começou a ser forjado logo após a primeira proibição pelo STF do chamado orçamento secreto —usado pelo governo Bolsonaro para distribuir recursos à base aliada. Em 5 de novembro de 2021, a ministra do STF Rosa Weber suspendeu o orçamento secreto em decisão liminar.

3 de dezembro de 2021. Pouco menos de um mês após essa decisão, Braga Netto pediu recursos ao Ministério da Economia para turbinar o Calha Norte, segundo mostra ofício de 3 de dezembro de 2021 obtido pelo UOL. O então ministro Paulo Guedes concede R$ 328 milhões, e o Congresso Nacional aprova os recursos na forma de lei.

6 de dezembro de 2021. Três dias depois do pedido do general, Rosa Weber acabou liberando o orçamento secreto sob a condição de que o Congresso publicasse os nomes dos parlamentares padrinhos das emendas. Apesar de a principal forma de financiamento da base aliada pelo governo Bolsonaro ter sido liberada, o dinheiro pedido por Braga Netto também foi distribuído ao centrão pelo Ministério da Defesa.

Braga Netto deixou o comando da Defesa em março de 2022 para se candidatar a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Em seu lugar, ficou o também general Paulo Sérgio Nogueira. O mesmo mecanismo se repetiu e, mais uma vez, driblando o Supremo.

19 e 29 de dezembro de 2022. Após o STF barrar em definitivo o orçamento secreto em 19 de dezembro de 2022, o Ministério da Economia injetou —dez dias depois— outros R$ 703 milhões que foram usados no Calha Norte. Os recursos também foram distribuídos ao centrão.

Ao UOL o general de divisão Ubiratan Poty, que comanda o Calha Norte desde o início do governo Bolsonaro, admitiu o caráter político da distribuição de verbas. "Isso [os recursos com o carimbo de políticos] foi [definido] através de documentos específicos lá do Congresso", afirmou o general (veja o que mais disseram o diretor do programa e o Ministério da Defesa).

Após a publicação desta reportagem, o general Braga Netto, então ministro da Defesa, afirmou em suas redes sociais que "não houve qualquer 'manobra' com verbas do Programa Calha Norte para favorecimento político partidário". "Enquanto estive à frente do Ministério da Defesa, todos os repasses passaram por uma análise criteriosa do departamento responsável pelo programa, seguindo os princípios fundamentais de legalidade, probidade e responsabilidade pública", afirmou.

A maioria dos parlamentares admitiu a indicação das verbas para as obras em seus redutos sem detalhar como isso se deu (veja aqui o que cada um respondeu).

A decisão do STF e o Ministério da Defesa

Em 19 de dezembro, o plenário do STF decidiu que o orçamento secreto era inconstitucional por violar os "princípios da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade".

Além de barrar esse tipo de emenda para 2023, a decisão determinou que os recursos que ainda seriam usados no ano passado não teriam mais "caráter vinculante" com as indicações originais. Ou seja, essas verbas passariam para os próprios ministérios, que ficariam encarregados de orientar como o dinheiro seria usado "em conformidade com os programas e os projetos das respectivas áreas".

Em nota, o Ministério da Defesa reforçou o trecho da decisão do STF que diz que caberia à pasta a orientação da execução dos recursos. No entanto, a Defesa disse também, no mesmo comunicado, não interferir no destino das verbas, o que seria função dos parlamentares, "conforme a melhor política pública que consideram necessária para o país".

Na prática, as verbas que passaram a ser do próprio ministério continuaram a obedecer os mesmos critérios políticos adotados antes da decisão do Supremo.

Orçamento 'duplamente' secreto

Dos R$ 703 milhões injetados como verba própria do Ministério da Defesa no fim de 2022, o UOL localizou ao menos R$ 257 milhões que foram inicialmente identificados como emendas de relator, o orçamento secreto —cujos autores não eram publicamente conhecidos.

Na transição para verba própria da pasta, parte desses recursos passou a ter o nome de seu padrinho real, que consta em uma tabela obtida pelo UOL via Lei de Acesso à Informação.

No entanto, ao menos R$ 39 milhões mantiveram a essência do orçamento secreto: continuaram creditados ao deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), relator-geral do orçamento de 2022, sem que se saiba quem são os verdadeiros autores das indicações.

Leal afirmou ter sido procurado no fim do ano passado por representantes do Ministério da Defesa preocupados com a insegurança jurídica gerada após a decisão do STF que proibiu as emendas do orçamento secreto.

O deputado disse que o Ministério da Defesa perguntou se ele veria problemas em ter seu nome relacionado aos recursos que eram do orçamento secreto e foram transformados em verbas do próprio ministério.

Leal —que é do PSD do Rio de Janeiro, estado que não é atendido pelo Calha Norte— concordou por acreditar não haver ilegalidade na mudança.

A agenda do chefe do Departamento do Programa Calha Norte, general Ubiratan Poty, mostra que ele se reuniu com Leal em 28 de dezembro.

No dia seguinte, o Ministério da Economia publicou portaria abrindo mais de R$ 700 milhões para o Calha Norte como recursos do próprio ministério. Logo em seguida, no dia 31, foram assinados os convênios para as obras.

23 políticos identificados

Os R$ 257 milhões identificados pelo UOL como sendo originalmente orçamento secreto podem ser apenas uma parte do total transformado em verba da Defesa.

Para a investigação, a reportagem levou em conta somente recursos identificados como emendas de relator nos sistemas públicos de transferências federais a governos estaduais e prefeituras.

Há, por exemplo, outros R$ 43 milhões atribuídos a Hugo Leal que não tinham o código de emendas de relator nos sistemas, não ficando clara a origem das verbas.

Ao todo, entre 2021 e 2022, o ministério reservou R$ 1 bilhão em recursos próprios para ações que tinham o carimbo de parlamentares.

Além da transformação das emendas de relator, houve injeção de recursos novos no programa Calha Norte, vindos de remanejamentos do orçamento pelo governo.

No controle interno do ministério, há a identificação de 23 políticos padrinhos. O principal é o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), com R$ 264 milhões.

As LDOs (leis de diretrizes orçamentárias) de 2021 e de 2022 falavam na necessidade de se obedecer critérios socioeconômicos para a distribuição dos recursos federais. Um parecer da AGU (Advocacia Geral da União) de maio de 2022, encaminhado ao próprio Ministério da Defesa, fez recomendação semelhante, "devendo ser priorizados os entes com menores indicadores".

"Nada isenta o administrador de justificar por que razão escolheu este ou aquele ente, sobretudo quando há mais de um interessado e os recursos financeiros são escassos", afirmou a AGU.

O mesmo texto ainda cita um acórdão do TCU de 2007 que obriga a fixação de critérios "objetivamente aferíveis e transparentes" para a escolha das localidades beneficiadas.

O Ministério da Defesa alegou que as regras para distribuição de recursos do Calha Norte constam em uma portaria de 2019, mas o texto não faz nenhuma referência a critérios socioeconômicos de divisão dos recursos.

Imagem: Arte/UOL

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