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O drible no STF que deu R$ 264 milhões para Alcolumbre distribuir

Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) foi o maior beneficiado de uma manobra que distribuiu R$ 1 bilhão do caixa do governo Bolsonaro para redutos eleitorais do centrão.

O senador é o parlamentar que mais indicou verbas para obras de infraestrutura bancadas pelo Ministério da Defesa, segundo levantamento com base em uma tabela da pasta à qual o UOL teve acesso via LAI (Lei de Acesso à Informação). Foram R$ 264 milhões em seu nome (26% do total).

A lista inclui outros 23 senadores e deputados do centrão, totalizando R$ 1,031 bilhão.

A manobra foi gestada no núcleo duro do governo em 2021 e driblou decisão do STF que barrou o "orçamento secreto", do qual Alcolumbre era um dos principais articuladores.

Para não interromper o fluxo de verbas a aliados, o governo usou recursos do caixa do Ministério da Defesa. De lá, o dinheiro foi redirecionado a municípios por meio de indicações de deputados e senadores do centrão. A negociação relativa a essas indicações se deu sem transparência.

Alcolumbre afirmou ao UOL, em nota, que "desconhece qualquer sistema paralelo de distribuição de recursos no âmbito do Ministério da Defesa" e que apoia os investimentos da pasta "seguindo os critérios legais e transparentes" (veja abaixo a íntegra da nota).

A maioria dos parlamentares admitiu a indicação das verbas para as obras em seus redutos sem detalhar como isso se deu (veja aqui o que cada um respondeu). Os nomes deles e os valores dos respectivos repasses também constam da tabela que o UOL obteve via LAI.

Catapultado da condição de parlamentar quase anônimo para a presidência do Senado em 2019, Alcolumbre foi reeleito em 2022 com o apoio de 14 dos 16 prefeitos do Amapá --quase todos receberam recursos da Defesa para obras em suas cidades.

Em 16 de dezembro, a Prefeitura de Santana (AP) pediu à pasta R$ 20 milhões para a construção de uma passarela de concreto. Portaria do Ministério da Defesa de 2019 estabelece teto de R$ 7,5 milhões por obra --o que passasse disso teria de ser avaliado pela pasta.

Bastaram um orçamento de uma página e um relatório com meia dúzia de fotos assinados por uma arquiteta com menos de um ano de profissão para que o dinheiro fosse reservado em apenas duas semanas depois, em 31 de dezembro.

O segredo para a análise a jato? O padrinho da obra: Davi Alcolumbre.

Em nota ao UOL, o senador nega que tenha direcionado recursos às obras em seus redutos eleitorais, mas em visita aos locais e nas redes sociais faz questão de deixar claro quem apadrinhou.

Um exemplo é a construção de passarelas no distrito de Bailique, em Macapá, que recebeu R$ 3 milhões via Defesa. O nome "senador Davi" aparece em uma descrição secundária do convênio, no site do governo federal onde consta a obra.

Assim que o ministério liberou a primeira parcela da verba destinada à obra (R$ 600 mil), em julho, Alcolumbre anunciou em suas redes sociais.

Calha Norte: Davi Alcolumbre faz propaganda de repasse de verbas em rede social
Calha Norte: Davi Alcolumbre faz propaganda de repasse de verbas em rede social Imagem: Reprodução/Facebook

O senador também propagandeou nas redes pagamentos de parcelas das obras de uma praça e de um complexo esportivo na capital do Amapá e mandou um representante de seu partido, o União Brasil, para a cerimônia de assinatura do início das obras. A estratégia era marcar terreno, mostrando ser o responsável pelo envio de recursos à cidade, mesmo em território da oposição.

Das dez prefeituras que mais receberam verbas para obras da Defesa, cinco estão no Amapá. Uma delas é Pedra Branca do Amapari, que ficou com R$ 31,5 milhões.

Na campanha do ano passado, a prefeita Beth Pelaes (União Brasil) gravou um vídeo de apoio ao senador. "Eu vi, eu vivi, eu sou Davi", disse ela.

Calha Norte: obra de estrada na cidade de Itaubal (AP)
Calha Norte: obra de estrada na cidade de Itaubal (AP) Imagem: Paulo Ronaldo Almeida/UOL

Obras de pavimentação de uma mesma estrada em Itaubal, cidade de pouco mais de 5.000 habitantes a 100 km de Macapá, foram contempladas com três convênios apadrinhados por Alcolumbre. Conhecida como Ramal do Hilário, a estrada tem cerca de 20 km de extensão.

O UOL visitou o local no mês passado e encontrou máquinas paradas por falta de combustível. Com recursos repassados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, a obra, de R$ 9,7 milhões, deveria ter ficado pronta em fevereiro.

Esmeraldo Caires, engenheiro da empresa Bara Construções, confirmou o problema de fornecimento nas últimas semanas na região e disse que parte da pavimentação será concluída em outubro. Faltará a conclusão das obras dos outros dois convênios ainda não licitados, um deles do Ministério da Defesa com recursos indicados por Alcolumbre.

Ano passado, o senador Davi esteve aqui, anunciando a obra e pedindo votos, mas depois da campanha todos somem, ninguém fiscaliza e a gente nem sabe para onde vai todo esse dinheiro.
Judite Tavares, 63, agricultora moradora de Itaubal

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Imagem: Arte/UOL

O envio de verbas do caixa do Ministério da Defesa foi essencial para Alcolumbre consolidar seu domínio na política do Amapá.

O poder de Alcolumbre sobre esses recursos está ligado ao fato de ele ter sido o articulador do "orçamento secreto" no Senado e um dos principais interlocutores no Congresso durante a gestão Bolsonaro, garantindo apoio político ao governo.

O senador articulou a eleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como seu sucessor na presidência do Senado, mas continuou como o operador do orçamento secreto.

Hoje, ele acumula o comando da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a mais importante da Casa, por dois mandatos consecutivos, e já se encontra em campanha pela Presidência do Senado em 2025.

Alcolumbre manteve influência mesmo no governo Lula, com a indicação de dois ministros.

O projeto Calha Norte e a criação das "emendas fantasmas"

O envio de recursos do caixa da Defesa para a realização de obras que interessem ao centrão se deu por meio do Calha Norte, programa do ministério que foi amplamente usado pelo governo Bolsonaro para compra de apoio político no Congresso.

Criado em 1985 para repassar dinheiro a governos estaduais e prefeituras da Amazônia Legal, o programa foi ampliado sob Bolsonaro e hoje atende a estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A manobra que ajudou a pavimentar a influência de Alcolumbre começou a ganhar forma em 3 dezembro de 2021, quase um mês após a ministra Rosa Weber, do STF, suspender o orçamento secreto em decisão liminar.

Naquele dia, o Ministério da Defesa pediu R$ 350 milhões em recursos extras para o Calha Norte. Paulo Guedes, então ministro da Economia, concedeu R$ 328 milhões.

Em 2022, o mecanismo se repetiu. Em 29 de dezembro, o Ministério da Economia injetou outros R$ 703 milhões nos cofres do Calha Norte —R$ 446 milhões foram remanejados de outras áreas e R$ 257 milhões, convertidos do orçamento secreto para o caixa da Defesa após o STF barrá-lo definitivamente no dia 19 daquele mês.

São esses recursos que totalizaram R$ 1,031 bilhão e financiaram as obras nos redutos eleitorais de políticos do centrão.

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Assim como já acontecia no "orçamento secreto", a população não tem como saber quem são os políticos responsáveis pela indicação dos recursos. E ainda há um agravante: não se sabe quanto o governo distribuiu a parlamentares.

Diante do bloqueio do "orçamento secreto" para bancar emendas parlamentares, criou-se uma espécie de "emenda fantasma" para bancar emendas parlamentares —fantasma porque nessa nova manobra sequer existe a criação de emendas, apenas a indicação direta do destino da verba por alguns dos senadores e deputados que tiveram acesso ao caixa vitaminado da Defesa.

O general de divisão Ubiratan Poty, que comanda o Calha Norte desde o início do governo Bolsonaro, admitiu o caráter político da distribuição de verbas.

Isso [os recursos com o carimbo de políticos] foi [definido] através de documentos específicos lá do Congresso.
Ubiratan Poty, diretor do Calha Norte

O Ministério da Defesa confirmou à reportagem que os nomes dos padrinhos políticos não são divulgados. Segundo a pasta, não há obrigação legal.

Poty disse que é "do momento político" a forma como as verbas são distribuídas já que, segundo ele, o ministério não controla o destino dos recursos. "O programa Calha Norte não forma políticas públicas. Ele executa políticas."

Após a publicação desta reportagem, o general Braga Netto, então ministro da Defesa, afirmou em suas redes sociais que "não houve qualquer 'manobra' com verbas do Programa Calha Norte para favorecimento político partidário".

"Enquanto estive à frente do Ministério da Defesa, todos os repasses passaram por uma análise criteriosa do departamento responsável pelo programa, seguindo os princípios fundamentais de legalidade, probidade e responsabilidade pública", afirmou ele.

Leia a nota de Davi Alcolumbre:

"O senador Davi Alcolumbre esclarece que desconhece qualquer sistema paralelo de distribuição de recursos no âmbito do Ministério da Defesa. Ressalta ainda que os recursos investidos pelo Ministério em obras e projetos desenvolvidos tanto nos municípios quanto no Governo do Estado do Amapá sempre contaram com seu legítimo apoio na qualidade de senador, seguindo os critérios legais e transparentes estabelecidos pelas normas que tratam dessa matéria, com execução disponibilizada no portal "transferegov", ferramenta integrada e centralizada, com dados abertos, destinada à informatização e à operacionalização das transferências de recursos oriundos do orçamento fiscal e da seguridade social da União.

Mais uma vez o senador reafirma que seguirá trabalhando incansavelmente a fim de garantir o máximo de investimentos possíveis ao Amapá."

*Com reportagem de Paulo Ronaldo Almeida, colaboração para o UOL de Itaubal (AP)

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