ONG sugeriu termos de acordos bilionários da Lava Jato com Petrobras e J&F
Um documento da PGR (Procuradoria-geral da República) aponta que a ONG Transparência Internacional sugeriu termos de acordos fechados durante a operação Lava Jato.
O que aconteceu
A PGR citou indícios de que a Transparência Internacional ajudou a costurar acordos com a Petrobras e com a J&F. Ambos previam a destinação de valores bilionários das empresas para projetos de combate à corrupção que seriam geridos pelo Ministério Público.
Os indícios estão em uma representação enviada pela PGR ao ministro Dias Toffoli, do STF, em setembro do ano passado. O documento, que perdeu o sigilo nesta terça (6), é baseado em uma notícia-crime protocolada pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) contra a Transparência Internacional.
A notícia-crime de Falcão serviu de base para Toffoli mandar investigar a ONG e suspender a multa da J&F. O acordo, firmado em agosto de 2017, previa o pagamento de R$ 10,3 bilhões, mas no ano passado a empresa já havia conseguido reduzir o montante para R$ 3,5 bilhões.
Os indícios contra a Transparência Internacional são duas cartas e um conjunto de mensagens. Em relação ao acordo da J&F, há correspondências entre a ONG e o ex-procurador geral da República Rodrigo Janot. Sobre o acordo da Petrobras, há mensagens trocadas entre o diretor-executivo da entidade e o ex-procurador Deltan Dallagnol.
A Transparência Internacional nega irregularidades em sua atuação. Após a decisão de Toffoli, a entidade publicou uma nota afirmando que "jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil".
A organização tampouco teria - e jamais pleiteou - qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a Transparência Internacional - Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de "recursos compensatórios" (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção
Nota da Transparência Internacional sobre os acordos da Lava Jato
Em cartas a Janot, ONG sugeriu divisão de valores da J&F
Em junho e agosto de 2017, a Transparência Internacional enviou cartas à PGR com sugestões sobre a gestão do dinheiro dos acordos. As correspondências foram trocadas entre José Ugaz, presidente internacional da ONG, e Rodrigo Janot, que chefiava à PGR à época.
Na primeira carta, Ugaz sugeriu que 50% da multa da J&F fosse usada para "qualificação, proteção e promoção do controle social". Os outros 50%, segundo a sugestão, deveriam ser revertidos em ações para mitigar "os profundos danos que a corrupção causa ao sistema democrático".
Na segunda carta, a ONG se oferece para participar do "monitoramento do cumprimento" das obrigações firmadas no acordo. No texto, Ugaz afirma que a entidade tem "uma rede global de especialistas que poderá mobilizar para este propósito".
As sugestões da ONG foram parcialmente aceitas. Dos R$ 10,3 bilhões que a J&F aceitou pagar no acordo, fechado em agosto de 2017, R$ 2,3 bilhões seriam destinados "ao financiamento de projetos sociais". Os R$ 8 bilhões restantes seriam revertidos aos órgãos públicos lesados pela corrupção confessada pela empresa.
Em mensagens, diretor de ONG alertou Dallagnol sobre riscos de acordo
O diretor-geral da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, discutiu termos de um acordo com a Lava Jato. As mensagens foram trocadas entre ele e o ex-procurador Deltan Dallagnol, que chefiava a operação no MPF.
Brandão e Dallagnol trataram de um acordo que previa a criação de um fundo de R$ 2,5 bilhões com dinheiro recuperado pela Petrobras. O trato, que chegou a ser fechado em janeiro de 2019, acabou suspenso pela PGR em março do mesmo ano.
As mensagens, citadas pela PGR, foram reveladas em uma matéria da Agência Pública em setembro de 2020. A publicação fazia parte da série de reportagens "Vaza Jato", que expôs conversas entre Dallagnol, o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União) e outros interlocutores.
Segundo o documento da PGR, Brandão alertou Dallagnol para riscos do acordo de R$ 2,5 bilhões. Em mensagem enviada ao então procurador, em dezembro de 2018, o diretor da ONG afirmou que o texto daria margem para críticas de que o MPF "está criando sua própria fundação para ficar com o dinheiro da multa".