Congresso e STF disputam poder: afinal, quem decidirá futuro da maconha?
Do UOL*, em São Paulo
16/03/2024 04h00
O Senado avançou nesta semana com a proposta de criminalizar a posse e o porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade. A PEC foi aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça do Senado) e o texto deve ir a plenário. No entanto, o mesmo tema tem sido discutido no STF, onde os ministros buscam definir se é crime o porte pessoal de maconha e outras substâncias. Na Corte, o placar é favorável a descriminalização, o que diverge com a proposta do Senado.
Atualmente, a legislação criminaliza a compra, a posse, o transporte e o cultivo de drogas para uso pessoal, mas não prevê pena de prisão. Infratores podem ser punidos com advertência, serviços comunitários ou medidas educativas. A norma foi aprovada pelo Congresso em 2006. Especialistas afirmam que o sistema judicial passou a enquadrar como traficantes pessoas que portavam pequenas quantidades de droga, o que contribuiu para uma explosão da população carcerária no país.
O que está sendo discutido no STF?
O STF discute se é crime o porte de maconha e outras substâncias para uso pessoal. O objetivo é diferenciar usuário e traficante. A ação chegou ao STF em 2011, começou a ser analisada em plenário em 2015 e até hoje o julgamento não terminou. Por enquanto, há cinco votos a favor da descriminalização e dois contra.
Não há definição sobre a quantidade de droga que é considerada para uso pessoal. Isso é o que vem sendo discutido pelo STF. Até agora, os ministros divergem se a quantidade seria de 25 gramas ou 60 gramas.
Objetivo é criar uma regra 'que não seja definida pelo policial no ato da prisão'. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, disse ser necessário criar uma regra "que valha para todo mundo". Atualmente, a definição da quantidade do que seria o porte pessoal ocorre de maneira subjetiva — dependendo da interpretação do policial e posteriormente dos magistrados.
O julgamento que trata do mesmo assunto no STF (Supremo Tribunal Federal) está pausado. Isso ocorreu devido a um pedido de vista. Segundo o placar, falta apenas um voto para o Supremo formar maioria pela liberação do porte de maconha para uso pessoal.
O que está sendo discutido no Senado?
A criminalização do porte de qualquer volume de droga. A proposta insere no artigo 5º da Constituição — que trata dos direitos fundamentais da sociedade — que a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
A PEC é uma resposta à movimentação do STF. Ela foi apresentada em setembro do ano passado, após cinco ministros do STF votarem pela liberação do porte da maconha para uso pessoal. Primeiro signatário da proposta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que é "invasão de competência" se a Corte julgar a descriminalização das drogas.
Inicialmente, o acordo entre os líderes era aguardar a conclusão do caso no STF. Mas a oposição pressionou e houve acordo para a proposta ir a votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
A PEC não traz critérios claros para diferenciar um usuário de um traficante — alvo central da discussão no Supremo. Mesmo assim, senadores criticam a discussão feita pelo STF, sob o argumento de que não é da alçada do Judiciário fazer essa definição, e sim do Congresso.
O que acontece agora?
A PEC deve passar pelo plenário da Casa e depois deverá ser aprovada pela Câmara. Apesar da aprovação da PEC no CCJ ela ainda deve ser aprovada por ao menos 49 dos 81 senadores em dois turnos. Se for aprovada, será enviada à Câmara dos Deputados para votação, que ainda não tem data.
PECs não podem alterar cláusulas pétreas da Constituição. São elas: forma federativa de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais dos cidadãos.
Assim, se aprovada, a proposta pode parar no STF. Como a emenda propõe uma modificação na cláusula pétrea, o STF julgaria se ela é constitucional ou não.
O STF considera que as cláusulas pétreas podem até ser modificadas, mas não podem ter a sua essência alterada. Se essa PEC vire uma emenda constitucional, ela pode ser contestada na Justiça e caberá ao STF dizer se é constitucional ou não, já que ela modifica o artigo 5 da constituição.
Tânia Oliveira, membro da ABJD (Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).
*Com informações da Agência Estado