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RS: Tragédia põe Leite em saia justa entre apoio de Lula e aceno à direita

O presidente Lula é desafeto da base eleitoral do governador Eduardo Leite Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Do UOL, em São Paulo

18/05/2024 04h00Atualizada em 19/05/2024 07h14

A tragédia que atinge o Rio Grande do Sul tem colocado o governador Eduardo Leite (PSDB) entre a necessidade de um Estado forte para assegurar a reconstrução gaúcha e os acenos à direita que garantiu sua reeleição. No caso, é o presidente Lula, desafeto da sua base eleitoral, quem tem a chave do cofre para garantir o Estado fortalecido.

O que aconteceu

Leite tem vivido uma saia justa na condução da crise provocada pela inundação no Rio Grande do Sul. No início do mês, ele veio a público para reforçar a reivindicação de um "Plano Marshall" para o estado após o desastre. Na ocasião, ele havia dito que precisaria de "medidas absolutamente excepcionais". O plano foi um projeto de ajuda econômica organizado pelo governo dos EUA para recuperar países da Europa após a Segunda Guerra Mundial.

"Excepcional", na fala de Leite, se referia a uma ajuda financeira à altura do desastre vivido em seu estado. Numa contradição apontada por adversários, Leite, que tem sua base eleitoral formada por eleitores de direita que entendem que o Estado tem de ser enxuto, estaria admitindo a necessidade de um governo mais robusto para financiar a recuperação.

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Menos de duas semanas depois, ele disse em coletiva de imprensa que o plano de reconstrução não deve se restringir à participação do Estado. "Plano Marshall não é o nome para a realidade que nós temos. Por isso que estamos trabalhando no Plano Rio Grande", disse ele, mencionando o papel da iniciativa privada.

Empresários na reconstrução. Para o governador gaúcho, o plano Rio Grande não seria apenas do governo do estado. "Nós queremos que engaje o setor privado, a sociedade civil, o governo do estado, as prefeituras, o governo federal em torno de um grande plano de reconstrução", disse.

Uma crise como essa é uma oportunidade para reconhecer a necessidade de união de um povo. Vou cumprir meu papel e minha missão nos dois próximos anos de reerguer o Rio Grande do Sul a partir do maior desastre ocorrido no Brasil.
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul

O Estado mínimo defendido por ele [Eduardo Leite] sucateia as estruturas. Se ele tivesse promovido mudanças como a atualização do plano de enchentes e outras, o Estado teria condições diferentes para enfrentar a tragédia.
Fernanda Melchionna, deputada federal (PSOL-RS)

Leite, Lula e guerra de egos

O desastre climático no estado gaúcho tem feito Leite trabalhar lado a lado com o governo federal. Na quarta-feira (15), Leite esteve ao lado de Lula durante o anúncio de uma transferência de R$ 5.100 para as famílias afetadas pelas enchentes. Durante o evento, o presidente chegou a dizer que "disputaria umas dez eleições", dando um tom político que Leite parece ter ignorado.

Adversário político de Lula, o governador gaúcho preferiu não entrar em rota de colisão com o governo federal. Ele decidiu, por exemplo, não fazer comentários sobre a indicação do ministro Paulo Pimenta, que é gaúcho, para a Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul —com status de ministério.

"Não contem comigo para disputa política, disputa de vaidade, de egos", disse Leite em coletiva de imprensa. "Temos uma população sofrendo, não temos o direito de permitir que qualquer diferença ideológica, programática, divisão política ou de aspiração pessoal possa interferir na nossa missão, que é atender essas pessoas", afirmou.

A oposição ressalta que a crise exacerba as "incoerências" das afirmações de Leite. "É uma incoerência defender o Estado mínimo, mas na hora da crise recorrer ao Estado, precisar dos auxílios, dos vouchers para a reconstrução da sociedade e da economia gaúcha", diz Melchionna, do PSOL-RS.

Desmonte ambiental e privatizações

Leite tem sido amplamente criticado pela flexibilização de normas ambientais. Em 2020, a Assembleia do Rio Grande do Sul aprovou um código ambiental que alterou 480 normas ambientais. Em janeiro deste ano, os deputados aprovaram uma lei que permite a construção de barragens e obras de impacto em áreas protegidas. "Há um negacionismo climático da extrema direita e da direita neoliberal, grupo ao qual Eduardo Leite faz parte", diz a deputada do PSOL-RS.

Leite deixou de investir recursos orçamentários em meio ambiente. "Não se pode separar o passado do presente. A falta de proteção ambiental também fez com que essa tragédia alcançasse essa dimensão", diz Melchionna.

Apostas em privatizações são colocadas em xeque. Leite foi reeleito com a aposta nas concessões como uma forma de tentar abastecer o caixa do estado. A administração estadual contava, inclusive, com uma Secretaria de Parcerias e Concessões —que agora, com o desastre, se transformou na Secretaria de Reconstrução gaúcha.

Não tem como reconstruir o Rio Grande do Sul sem uma política econômica que envolva todos os governos. Nessas horas, se demonstra que o discurso da austeridade e do neoliberalismo não ajuda. Leite reconhece isso sem reconhecer.
Fernanda Melchionna, deputada federal pelo PSOL-RS

Idas e vindas na comunicação

Fala sobre doações e comércio expõe visão que prioriza o mercado. Fortemente criticado após se dizer preocupado com o "impacto" que as doações podem causar no comércio local, Eduardo Leite se viu obrigado a gravar um vídeo para se desculpar.

Apesar do pedido de desculpas, ele foi criticado por políticos do seu campo político. "Foi inoportuno, de imediato, temos que pensar em ações para dar suporte às pessoas. Posteriormente se pensa nas atividades comerciais", disse o prefeito de Muçum, Mateus Giovanoni Trojan (MDB). O prefeito de Aceguá também classificou como "erro" a fala de Leite. "O governador é acessível, de diálogo, não é de frescura, não é um enrolador, mas, às vezes peca um pouco no que fala", diz Marcos Vinícius de Aguiar (PSDB).

"Ele tem serenidade para lidar com esse momento", diz prefeita de Pelotas. Paula Mascarenhas (PSDB), que já foi vice-prefeita de Leite em 2012, elogiou a atuação do governador. "Só sabe o que é estar numa posição como a do governador quem está num estado destruído", disse. "O que eu entendi é que ele queria dizer que as doações são bem-vindas, mas as doações que puderem ser feitas dos comércios locais ajudariam ainda mais."

Pressão de prefeitos gaúchos

Leite também tem sido cobrado por prefeitos das cidades mais atingidas pelas chuvas por uma política de Estado forte. O prefeito de Muçum defende que os municípios atingidos pelas chuvas em 2023 não podem receber os mesmos recursos que as cidades afetadas pela primeira vez. "Não podemos ser colocados no mesmo bolo" diz.

O perdão à dívida do estado gaúcho à União também colocou Leite no centro das críticas de aliados e adversários políticos. "Para quem não tem nada, prorrogar a dívida não adianta. O perdão deveria ser de toda a dívida", afirma o prefeito de Aceguá. "Eduardo Leite precisa ser mais duro na cobrança da liberação de dinheiro para a reconstrução de tudo".

Aliados dizem que "não é o momento de politizar" a atuação do governador. "Nessa hora, colocar a política acima da população não é adequado. Ele dialoga abertamente com o governo federal. Essa é uma característica dele. A política é menos importante", disse Mascarenhas.

'Crise como oportunidade' e perfil de gestor

Ao UOL, Leite disse que vai trabalhar na "crise como uma oportunidade". "Vai ser da mesma forma como me apresentei na minha eleição, aqui não é o quintal do governo federal de nenhum dos lados, vamos trabalhar levando a crise como oportunidade de reunir esforços de todos os campos políticos", disse.

Governador "tem características de CEO", diz vice-governador. "Ele segue método de trabalho, fluxos, decisões e é muito estudioso", afirma Gabriel Souza (MDB). Segundo ele, Leite tem um "estilo gerencial de governar. "Ele é um gestor, que trabalha com dados, evidências. Ele nunca vai tomar uma decisão no 'achômetro', ele valoriza muito a parte técnica de cada área".

Leite mora e despacha do Palácio do Piratini, no centro histórico de Porto Alegre. "O palácio virou uma base de operações, há uma ala residencial onde o governador mora e uma sala de situação da Defesa Civil, com starlinks", diz Souza.

O governador é o único a ter enfrentado um desastre ambiental nessas proporções. Para o professor do programa de pós-graduação em sociologia e ciência política da Escola de Humanidades da PUC-RS, Augusto Neftali de Oliveira, os gaúchos ainda não conseguem dimensionar efeitos políticos da tragédia. "As pessoas não estão preocupadas com isso nesse momento. A dimensão propriamente política não está na ordem do dia", diz.

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