Barroso e Mendonça batem boca no STF em julgamento sobre porte de drogas
Do UOL, em Brasília, e colaboração para o UOL, em São Paulo
20/06/2024 16h15Atualizada em 20/06/2024 19h29
Os ministros Luis Roberto Barroso e André Mendonça bateram boca no início da sessão desta quinta-feira (20) do STF (Supremo Tribunal Federal), em que os ministros julgaram a descriminalização do porte de maconha.
O que aconteceu
O STF voltou a julgar hoje se o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Ele considera crime o porte de drogas para uso pessoal e prevê medidas alternativas de punição, como prestação de serviços à comunidade. Após o voto de Dias Toffoli, a sessão foi suspensa, e o julgamentos será retomado na terça (25).
Barroso, que é presidente do STF, abriu a sessão trazendo uma explicação sobre o caso. Ele quis destacar que o Supremo não está legislando nem legalizando o consumo de drogas.
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O ministro disse que recebeu uma ligação do presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Jaime Spengler, questionando se o STF liberaria as drogas. Barroso, então, respondeu que não e disse que havia uma certa "desinformação" da sociedade sobre o tema.
Gostaria de reiterar um esclarecimento muito importante. O STF considera, tal como a legislação em vigor, que o consumo, o porte de drogas mesmo pra consumo pessoal, é um ato ilícito. Portanto, o STF não está legalizando a droga. O Supremo mantém o consumo como um comportamento ilícito. E todos nós aqui educamos nossas famílias numa cultura para o não consumo de drogas. O consumo de maconha continua a ser considerado um ato ilícito, porque esta é a vontade do legislador. O que nós estamos discutindo são duas questões: primeira é se deve ser tratado como ato ilícito de natureza penal ou ato ilícito de natureza administrativa.
ministro Luis Roberto Barroso, presidente do STF
Barroso ainda citou que a falta de uma legislação mais clara causa desigualdade na abordagem de quem porta drogas.
Segunda questão é qual a quantidade que diferencia porte para consumo pessoal de tráfico. E a razão para fazermos isso é a necessidade de criarmos um critério objetivo, porque na falta de critério, a mesma quantidade de drogas nos bairros mais elegantes das cidades brasileiras é tratada como consumo e na periferia é tratada como tráfico. O que nos queremos é acabar com essa discriminação entre ricos e pobres, basicamente entre brancos e negros
ministro Luis Roberto Barroso, presidente do STF
O ministro André Mendonça, que participou da sessão de maneira virtual, pediu a palavra e rebateu o colega, dizendo que o STF estava passando por cima do poder Legislativo. Disse ainda que, em se tratando de um ato administrativo, precisariam definir quem faria a fiscalização. E falou que o presidente da CNBB não estava errado.
Acho que ele não tem a informação incorreta, não. A informação é essa mesma. A grande verdade é que nós estamos passando por cima do legislador. O legislador definiu que portar drogas é crime. Decidir que é ato administrativo é passar por cima do legislador. Nenhum país do mundo fez isso por decisão judicial. E a grande pergunta que fica sobre o ato administrativo é: quem vai processar? Quem vai condenar? Essa determinação tem que ser tomada pelo legislador.
ministro André Mendonça
Em tom mais alto, Barroso cortou o colega, dizendo que a explicação dada anteriormente estava correta. "Vossa Excelência acabou de dizer o que eu disse, mas em tom mais panfletário", afirmou o presidente. "Minha explicação foi absolutamente corretíssima sobre o que está sendo decidido aqui". Depois, passou a palavra a outros ministros.
Alexandre de Moraes reiterou as palavras de Barroso. O ministro citou números sobre abordagens de porte de drogas em São Paulo e disse que, diferentemente do que dizem os críticos do projeto, a quantidade de maconha apreendida não deve ser a única baliza para determinar se o cidadão é usuário ou traficante.
Todo mundo palpita, e pouca gente conhece essas questões. Eu quero que alguém me indique quantos usuários são levados à delegacia e tem aplicada alguma sanção. Não é isso que ocorre. Essa questão de quem vai fiscalizar, se vai ser a Anvisa, no mundo real não é isso que ocorre. (...) Houve uma reação a partir dessa lei, uma reação difusa, mas extremamente coordenada, de polícia, Judiciário e MP. Como usuário não pode ser punido, o que antes polícia, Ministério Público e Judiciário entendiam como uso passou a ser tipificado como crime.
ministro Alexandre de Moraes
Os ministros Kassio Nunes Marques e Luiz Fux também se manifestaram. No total, o debate entre os magistrados levou mais de 40 minutos, até que Dias Toffoli foi chamado a dar o primeiro voto do dia.
O julgamento
O julgamento começou em 2015 e já foi suspenso quatro vezes por pedidos de vista. Até agora, cinco ministros votaram a favor da descriminalização do porte de drogas, três votaram contra a descriminalização e Dias Toffoli abriu uma nova interpretação.
Votaram a favor da descriminalização do porte de maconha:
- Gilmar Mendes
- Luis Roberto Barroso
- Edson Fachin
- Rosa Weber (quando ainda era ministra. Por causa disso, seu sucessor, Flávio Dino, não votou neste processo)
- Alexandre de Moraes
Votaram contra a descriminalização do porte de maconha:
- Cristiano Zanin
- André Mendonça
- Kassio Nunes Marques
Votou para que o porte não seja crime, mas seja passível de medidas alternativas:
- Dias Toffoli
Ainda não votaram:
- Luiz Fux
- Cármen Lúcia
Os ministros ainda devem definir qual é a quantidade permitida para o usuário. Eles vão deliberar sobre a quantidade de maconha que uma pessoa pode portar para uso próprio sem que isso seja considerado tráfico de drogas, que continua sendo ilegal.
A Lei de Drogas não deixa claros quais são os critérios para definir usuário e traficante. Com isso, na prática, acabava ficando a cargo das autoridades locais, como polícia, Ministério Público e o juiz, definirem se a pessoa que estava com drogas era usuário ou traficante. O STF agora estabelece critérios para padronizar as abordagens policiais no país.
Os ministros definiram que a descriminalização se restringe apenas ao porte de maconha. A sugestão foi do ministro GIlmar Mendes, relator do caso, sendo seguido pelos outros magistrados.
Judiciário x Legislativo
O julgamento pode aumentar a tensão do STF com o Congresso. Isso porque o Senado estava discutindo uma PEC de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que criminaliza o porte e a posse de drogas, em entendimento oposto ao definido hoje pelo Supremo.
A proposta teve tramitação paralisada no Senado em março. Na ocasião, os parlamentares decidiram que iriam esperar o julgamento no Supremo para depois retomar os debates sobre o assunto.