Gordofobia, escravidão e capacitismo: Lula coleciona gafes em discursos
Do UOL, em São Paulo
22/06/2024 04h00
O presidente Lula (PT) coleciona gafes em discursos que repercutiram mal e foram considerados ofensivos durante seu terceiro mandato. Nesta quinta-feira (20), ele voltou a receber críticas ao pedir que uma beneficiária do Bolsa Família "pare de ter filhos".
Relembre as falas que renderam críticas a Lula
Na última quarta-feira (19), o presidente disse que cultura "não é para ensinar putaria". A declaração foi dada durante cerimônia em Brasília para homenagear o Dia do Cinema Brasileiro. No evento, o governo federal anunciou o repasse de R$ 1,6 bilhão para o setor audiovisual.
Eu sou da turma que acredita que artista, cinema e novela não são para ensinar putaria. É para ensinar cultura, contar história, contar narrativas, e não para dizer que nós queremos coisas erradas para as crianças. Nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se. Nós queremos multa cultura, muita arte e muita disposição das pessoas participarem.
Lula afirmou que mulheres são maioria dos que compram "bugigangas" em sites internacionais. O presidente fez a afirmação em maio, em entrevista a jornalistas no Palácio do Planalto, ao falar sobre a taxação de compras internacionais acima de US$ 50.
Quem é que compra essas coisas? São mulheres, a maioria, jovens. E tem muita bugiganga. Eu nem sei se essas bugigangas competem com as coisas brasileiras, mas nós temos dois tipos de gente que não paga imposto: as pessoas que viajam, que têm isenção de US$ 500 nesses shoppings, gente que é de classe média, e tem aquelas 24 milhões de pessoas que podem viajar mais de uma vez por mês ao exterior. Como você vai proibir os pobres, meninas e moças que querem comprar uma bugiganga? Mulher gosta de cabelo, esses negócios. Quando discuti com o [vice-presidente Geraldo] Alckmin, eu disse: "sua mulher compra, minha mulher compra, a filha do [presidente da Câmara, Arthur] Lira compra, a filha de todo mundo compra".
Máquinas de lavar são "importantes" para mulheres, disse Lula. O presidente disse isso em anúncio de medidas para o Rio Grande do Sul, em abril deste ano, após o estado ser atingido por chuvas.
Muita gente acha que uma televisão é uma pequena coisa, que não tem muita importância. Mas, para uma pessoa mais humilde, a televisão é um patrimônio. O fogão é um baita de um patrimônio. A geladeira, então, nem se fala. E uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres que estão sobrevivendo a um verdadeiro sofrimento e martírio com essa chuva.
Lula disse que, com emprego, meninas podem comprar batom e roupas íntimas sem pedir aos pais. A declaração foi durante evento em Brasília que marcou a abertura de 100 institutos federais de educação. O presidente defendia mais independência de mulheres.
Quando a mulher tem uma profissão, ela tem um salário, pode custear a vida dela. Ela não vai viver, comer, com um homem que não goste dela. Não vai viver por necessidade, por dependência, vai viver a vida dela e vai morar com alguém se ela gostar de alguém. Vai ter a opção dela, ela vai escolher. Ela não vai ficar dependente. Não vai ficar dizendo: "Eu preciso do meu pai para me dar R$ 5 para comprar um batom. Eu preciso do meu pai para me dar R$ 10 para comprar uma calcinha". Não. Quando a gente precisa, a gente perde a independência da gente.
Em fevereiro, o presidente afirmou que menina afrodescendente gostava de "batuque". Lula fez a afirmação em anúncio de investimentos da Volkswagen no Brasil ao tentar brincar com uma menina que acompanhava o evento, em São Bernardo do Campo (SP).
Essa menina bonita que está aqui. Eu estava perguntando o que faz essa moça sentada, que eu não ouvi ninguém falar o nome dela. Eu falei: 'Ela é cantora, vai cantar'. Aí perguntei [e disseram]: 'Não, não vai ter música'. Então, ela vai batucar alguma coisa. Porque uma afrodescendente assim gosta de um batuque, de um tambor.
Lula disse que não seria visto de andador após cirurgia no quadril. Ele comentou sobre o procedimento durante uma das lives da Conversa Com o Presidente, em setembro do ano passado. Críticos consideraram que a fala foi capacitista, preconceituosa contra pessoas com deficiência física.
O Ricardo Stuckert [fotógrafo oficial da Presidência] não quer que eu ande de andador. Ele já falou: 'Não vou filmar você de andador'. Então significa que vocês não vão me ver de andador, de muleta. Vão me ver sempre bonito, como se eu não tivesse sequer operado.
O presidente manifestou "gratidão" pelo que foi "produzido" durante escravidão no Brasil. A declaração foi dada por Lula em julho de 2023, em pronunciamento ao lado do presidente de Cabo Verde, José Maria Neves. O petista estava em viagem oficial ao país.
Nós brasileiros somos formados pelo povo africano. A nossa cultura, a nossa cor, o nosso tamanho, é resultado da miscigenação de índios, negros e europeus. E nós temos profunda gratidão ao continente africano por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país.
Pessoas com deficiência mental têm "desequilíbrio" de parafuso, disse Lula. O presidente fez a afirmação ao comentar dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre o percentual de pessoas com deficiência mental no mundo. Na ocasião, ele participava de uma reunião com ministros e governadores sobre medidas contra violência em escolas.
A OMS sempre afirmou que, na humanidade, deve haver mais ou menos 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil, com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode, uma hora, acontecer uma desgraça.
Lula fez comentários sobre Flávio Dino estar acima do peso. Ele brincou com seu ex-ministro da Justiça e atual ministro do STF durante anúncio do governo federal do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, em março de 2023.
A obesidade também é uma doença que precisamos cuidar. Nossa médica, a ministra da Saúde [Nísia Trindade], sabe perfeitamente bem que a obesidade causa tanto mal quanto a fome. É por isso que o Flávio Dino está andando de bicicleta. Porque ele sabe que o Estado precisa cuidar com muito carinho desse mal.
"Coisa boa" da escravidão foi miscigenação, afirmou o presidente. Em março de 2023, Lula fez um discurso na 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima. Durante o evento, o petista minimizou a "desgraça" que ocorreu no período em que havia escravidão no Brasil.
Há 500 anos, aqueles que invadiram nosso país e depois disseram que o descobriram, depois de exterminarem milhões de índios, resolveram vender a ideia de que era preciso fazer a escravidão vir para o Brasil, porque os indígenas eram preguiçosos, não gostavam de trabalhar. E se eles não gostavam de trabalhar e não tinha brancos para trabalhar, porque os que vinham da Europa não queriam trabalhar, então resolveram contar história de que os índios eram preguiçosos e, portanto, era preciso trazer o povo negro da África, para produzir nesse país. Ora, toda a desgraça que isso causou ao país... causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação entre indígenas, negros e europeus que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, de dança, de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para sustentar a sua família e não viver de favor, de quem quer que seja.