Gestão Nunes será julgada por gastar R$ 34 mi em planetários sem licitação
O Tribunal de Contas do Município vai julgar a Prefeitura de São Paulo por ter comprado sem licitação dois planetários que, somados, custaram R$ 34 milhões aos cofres públicos, valor considerado alto por auditores do órgão.
O que aconteceu
Planetário é o equipamento que projeta e reproduz os movimentos de corpos celestes em uma cúpula. O conjunto comprado pela prefeitura é composto por um projetor óptico-mecânico e outro digital que geram feixes de luz que formam imagens tridimensionais.
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A SP Obras (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras) contratou sem licitação uma empresa alemã para fornecer dois planetários. A Carl Zeiss foi contratada em 2022 para fornecer exemplares de seu modelo Asterion Premium Velvet Led VIII. O planetário do CEU Parelheiros, na zona sul, foi inaugurado em 12 de agosto, enquanto o do CEU Jardim Paulistano, na zona norte, deve começar a funcionar até o fim do ano.
Em Parelheiros, as sessões de 40 minutos atendem até cem pessoas. Estão abertas ao público às quartas-feiras, finais de semana e feriados. Às quintas e sextas, o espaço é reservado para escolas.
A prefeitura considerou desnecessário chamar outras empresas para disputar a licitação. Como a Zeiss detém uma patente exclusiva para o modelo desejado pela prefeitura, a SP Obras firmou um contrato de "inexigibilidade licitatória", apesar do valor dos equipamentos.
As licitações promovem concorrência de preço entre fornecedores para garantir o melhor custo-benefício possível. "A inexigibilidade está prevista na lei quando não é possível concorrência: se só uma empresa faz o produto, não tem como fazer licitação", explica a advogada Vivian Ferreira, especialista em direito público. "Não me parece que seja o caso porque existem vários produtores de planetários."
A peso de euro
Os projetores foram cotados em euro. Cada um custou 3,4 milhões de euros, ou R$ 17,2 milhões pela cotação de novembro de 2022. Somados, custaram R$ 34,4 milhões, o equivalente a R$ 42 milhões pela atual cotação da moeda.
Diante dos valores e da falta de concorrência, o vereador Helio Rodrigues (PT) pediu ao TCM que avaliasse a compra. O tribunal pediu explicações à SP Obras, mas não ficou satisfeito com a resposta.
A prefeitura não provou que a empresa alemã era a única a produzir o equipamento, segundo o tribunal. "A mera declaração de exclusividade de fabricação pela empresa interessada é insuficiente para sua comprovação", afirmaram em relatório os técnicos do tribunal. A prefeitura "tão somente atestou a eficiência e qualidade do equipamento, e não a exclusividade mercantil".
O Relatório Conclusivo de Representação feito pelos auditores do TCM foi entregue ao relator do caso. Após analisar o documento, o conselheiro Domingos Dissei produzirá um relatório próprio que será julgado pelos cinco conselheiros do tribunal. Não há data prevista para o documento.
Segundo a prefeitura, a tecnologia True Black é exclusiva da Zeiss. O dispositivo permitira um fundo tão preto que a experiência dos espectadores seria muito superior à média. Para o TCM, porém, "não se pode atestar a exclusividade da fabricação de todo o conjunto". É que a outra patente "exclusiva" da Zeiss, a da tecnologia de fibras óticas, expirou em 2006.
Além disso, a prefeitura não mencionou outros modelos e fabricantes em sua justificativa ao tribunal. "Não houve uma comparação que permitisse uma análise real e objetiva de especificações técnicas dos produtos da Zeiss com quaisquer outros equipamentos", diz o relatório. Para a prefeitura, "não é possível" comparar "equipamentos ditos similares e de tecnologias díspares".
A justificativa da prefeitura também desconsiderou o preço pago pelos planetários. "Ao comparar a especificação técnica de diversos produtos, de diversos fabricantes, incluindo os valores, é possível fazer uma análise do custo-benefício da aquisição de cada produto disponível no mercado, bem como dos custos futuros de manutenção", afirma o relatório.
A falta de comparação (...) prejudica a análise e não traz elementos suficientes para caracterizar uma inexigibilidade de licitação.
Relatório do TCM
Em nota, a SP Obras diz que "a assinatura de contrato foi fundamentada em parecer técnico da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente". O laudo, diz, "atesta a qualidade da tecnologia detida pela empresa especializada e que representa com exclusividade o fabricante dos equipamentos, conforme previsto em lei".
Como a empresa também forneceu planetários aos parques Ibirapuera e do Carmo, a escolha facilitaria "necessidade de manutenção". "A prefeitura respondeu, em maio de 2024, a todos os questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas e não há decisão final sobre o caso, que ainda passará por outras etapas de apreciação do órgão", diz.
Prefeituras escolheram outros modelos
Uma das justificativas para a compra é que o aparelho alemão é híbrido: mecânico e digital. O TCM afirma, porém, que "há outras entidades gestoras de planetários que recomendam projetor digital". O Planetário do Rio de Janeiro, por exemplo, diz em seu site que "um novo paradigma vem se fortalecendo". "Os projetores deixam de ser óptico-mecânico e passam a ser digitais."
Já o Planetário de Vitória trocou um modelo óptico-mecânico por um digital em razão do custo de manutenção. "Com o passar do tempo, seu processo de manutenção, além de oneroso, se tornou difícil, uma vez que as peças para reposição não são facilmente encontradas no Brasil, ou já não existem", informa o Planetário em sua página na internet.
O TCM cita a contratação de equipamento mais barato na cidade de Criciúma (SC). Em 2022, a prefeitura pagou R$ 1,2 milhão para instalar um projetor digital, 14 vezes menos que a versão paulistana. Com os R$ 34,4 milhões pagos pelos dois modelos da Zeiss, a SP Obras poderia comprar 28 planetários digitais como o de Criciúma.
A significativa diferença de preço e alternativas disponíveis no mercado deveriam ter sido consideradas na justificativa da inexigibilidade.
TCM, em relatório
Em 2014, o Planetário do Porto, em Portugal, foi trocado. O modelo óptico-mecânico da Carl Zeiss foi substituído "em linha com a evolução tecnológica" pra "tornar a experiência dos visitantes mais envolvente", informa sua página na internet. "O sistema óptico-mecânico foi desmantelado e instalado um sistema digital de um dos fornecedores europeus com maior experiência e cujo sistema privilegia o rigor e exatidão científica", conclui.
Não há um consenso das entidades que administram planetários que defina o projetor óptico-mecânico como de melhor desempenho, especificações ou custo-benefício que justifique a inexigibilidade de licitação.
TCM em relatório
O tribunal disse ainda que a SP Obras não abordou "o item mais importante da representação": Por que a prefeitura precisava comprar o planetário da Zeiss? "A prefeitura não explicou ao TCM por que fez tanta questão de comprar esse modelo", diz a advogada, que analisou o relatório. "Se fosse para uma faculdade de astronomia, poderia se justificar. Talvez precisasse da maior precisão possível, mas será que é necessário para crianças da educação básica entenderem conceitos como constelações?", questiona.
Vou contratar um aparelho para atender a uma escola, ou vale espalhar mais planetários pelas escolas da cidade? Por isso a necessidade de consulta de preço: o poder púbico está contratando com dinheiro de impostos.
Vivian Ferreira, advogada
Ao autorizar a contratação por inexigibilidade, sem a devida comprovação de inviabilidade de competição, a SP Obras deixou de realizar um procedimento licitatório que avaliasse a melhor proposta para a administração pública.
TCM, em relatório