OAB-SP adia julgamento de Ives Gandra por suposta incitação a golpe
A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - seccional São Paulo) tirou de pauta a análise de um recurso contra o jurista Ives Gandra Martins por suposta incitação golpista às Forças Armadas. O julgamento estava marcado para esta sexta-feira (8), mas foi adiado após pressões em meio às eleições para o comando da entidade.
O que aconteceu
A OAB-SP informou que o recurso contra Ives Gandra não será julgado hoje. O jurista de 89 anos é alvo de uma representação disciplinar por ter respondido ao questionário de um major do Exército sobre as possibilidades constitucionais de intervenção militar. Em dezembro de 2023, a entidade avaliou que Gandra não cometeu infração, mas a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e o MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos), autores da queixa, recorreram da decisão.
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O julgamento foi tirado de pauta na última segunda (4). A decisão foi publicada hoje em despacho no Diário Eletrônico da OAB. Segundo o documento, a decisão foi tomada pelo Presidente da 8ª Câmara Recursal da OAB-SP, João Vinicius Manssur, a pedido do relator do caso. Não há explicação sobre o motivo.
O adiamento ocorre em meio à campanha eleitoral na OAB-SP. A votação para o comando da entidade no triênio 2025-27 está marcada para o dia 21 de novembro. A advogada Ângela Gandra, filha de Ives e secretária da Família no governo Jair Bolsonaro, concorre a vice-presidente em uma das chapas de oposição à atual gestão. Ela e o candidato a presidente, Caio Augusto Santos, fizeram pressão publicamente contra o julgamento.
Caio Augusto e Ângela Gandra sugeriram que a OAB-SP fez uso político do caso. Em publicação no Instagram, o advogado disse ver "uma perseguição velada", e pediu à OAB-SP que adiasse o julgamento de Ives Gandra para depois das eleições da entidade. A filha do jurista, por sua vez, afirmou também no Instagram que o caso foi agendado "estrategicamente pela OAB nesta semana".
OAB-SP nega ter tirado o recurso da pauta por pressão externa. Em nota enviada ao UOL, a instituição afirma que o Tribunal de Ética e Disciplina, que julgará o recurso, é uma entidade "imune a qualquer intervenção de ordem política", mas que não comenta assuntos da disputa eleitoral e nem o conteúdo do recurso contra Ives Gandra, que corre em sigilo.
O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP, entidade autônoma, independente e absolutamente imune a qualquer intervenção de ordem política, inclusive aquelas de caráter eleitoral dentro da própria Ordem, informa que a referida sessão de julgamento não consta da pauta desta sexta-feira, 8 de novembro de 2024, que é pública
Trecho de nota da OAB-SP
ABI e MNDH criticam adiamento. Ao UOL, o advogado Carlos Nicodemos, que representa as entidades, disse que a decisão "retarda a necessária resposta da OAB-SP para representação ética disciplinar formulada, que tem não só o objetivo de responsabilização do advogado denunciado, mas a reafirmação de compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil com os preceitos de respeito a democracia".
Reclamação se baseia em material apreendido com Mauro Cid
A queixa contra Ives Gandra se baseia em documentos encontrados com o coronel Mauro Cid. O militar, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tinha em seu aparelho um questionário respondido pelo jurista via e-mail, em maio de 2017, a pedido de Fabiano da Silva Carvalho, um major do Exército. O material foi apreendido pela Polícia Federal (leia a íntegra).
No documento, Gandra diz que é possível o emprego das Forças Armadas na garantia dos poderes constitucionais. Em resposta a uma das perguntas do major Fabiano, ele afirma que a intervenção militar "pode ocorrer em situação de normalidade se, no conflito entre Poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução".
Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP concluiu que Ives Gandra não cometeu infração. O colegiado avaliou que o jurista fez apenas uma "análise particular e a elaboração de um entendimento teórico", e que isso não serve para "configurar uma incitação a qualquer prática criminosa, tal como um ''golpe de Estado". A ABI e o MNDH recorreram da decisão.
Ives Gandra afirma que nunca defendeu qualquer ação golpista. Em entrevista ao UOL, em junho do ano passado, o jurista disse não ver nenhum elemento que enquadre as respostas dadas por ele ao militar como favoráveis a um golpe de Estado. Ele afirmou, também, que não vê validade jurídica na minuta golpista encontrada pela PF na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em janeiro de 2023.
Não é documento, é um papel que não tem nenhuma validade jurídica. Até porque é um papel que cuida de uma situação absurdamente impossível
Ives Gandra Martins, em entrevista ao UOL
Gandra já defendeu a tese de que as Forças Armadas podem ser "Poder Moderador". Em maio de 2020, quando estava na Presidência, Bolsonaro divulgou uma entrevista do jurista para o jornalista Oswaldo Eustáquio, sobre "a aplicação pontual do artigo 142" da Constituição. Em artigo para o site Conjur, naquele mesmo dia, Gandra escreveu que "se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, naquele ponto, a lei e a ordem".
O STF rejeitou a tese de Poder Moderador das Forças Armadas. Em abril deste ano, o tribunal afirmou por unanimidade que a Constituição não dá margem a essa intervenção e que o emprego de militares para garantia da lei e da ordem só pode ocorrer em último caso, "quando houver grave e concreta violação à segurança pública interna". O Supremo decidiu sobre o tema a partir de uma ação do PDT que cita, entre outros pontos, o posicionamento de Ives Gandra.