Renato Vieira Cruz, 39, foi morto a tiros, na cozinha da casa em que morava, em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, à luz do dia, no dia 27 de fevereiro deste ano. Quem invadiu a casa de Cruz e atirou contra ele, à queima-roupa, usava farda e ostentava o símbolo da Rota no braço.
Os policiais envolvidos afirmaram que houve uma troca de tiros e citaram "um volume na cintura" de Cruz. Eles disseram ter encontrado drogas e armas com o rapaz. A família contesta, diz que ele foi vítima de um homicídio.
Brecha na lei federal do pacote anticrime, com adendo de um decreto estadual, tem dificultado a elucidação desse e de outros casos similares, quando há morte em decorrência de intervenção policial.
Para serem investigados, esses PMs deveriam constituir um advogado de defesa, seja ele pago pelo próprio agente ou nomeado pelo estado.
Uma interpretação do pacote anticrime, que culminou em um decreto do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e em uma normativa interna da PM, no entanto, está travando as investigações dos policiais que se envolvem em mortes.
A corporação definiu que, caso os PMs envolvidos na ocorrência e a corporação não apresentem advogados em até quatro dias, a investigação deve ser suspensa.
A reportagem apurou junto a membros das cúpulas das polícias Civil e Militar, além do TJM (Tribunal de Justiça Militar), que esse impasse jurídico trava mais de 300 inquéritos. A Secretaria da Segurança Pública rebate e diz que "toda e qualquer denúncia ou ocorrência envolvendo agentes das forças de segurança pública estaduais são rigorosamente investigadas, de acordo com a legislação vigente".
Ao mesmo tempo, a letalidade policial bate recordes. Desde 2001, em nenhum ano os policiais militares mataram tanto quanto entre janeiro e maio de 2020, segundo dados tabulados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O crescimento de 26,3% das mortes provocadas por policiais, em comparação a esse mesmo período no ano anterior, vai na contramão de outras estatísticas criminais registradas em São Paulo.
Por meio de nota, a Corregedoria da PM disse que a corporação não deseja o confronto e que "não compactua com desvios de conduta de seus policiais e apura os fatos com rigor, logo não temos qualquer informação que o aumento esteja relacionado com a mudança na lei e sim pela pronta resposta" à criminalidade.