UOL - Como que o Brasil poderia manter a parceria com a China e com os EUA enquanto as maiores economias do mundo estão nessa disputa comercial. Existe uma forma de a gente não sair prejudicado, ou até mesmo a gente tirar vantagem dessa disputa comercial?
Sérgio Amaral - Nós não temos como influir na dinâmica da disputa comercial. Mas o momento poderá nos favorecer ou poderá nos prejudicar. Quando é que a disputa comercial entre EUA e a China nos favorece? Quando os EUA impõem sanções sobre as exportações norte-americanas para a China, e a China, em represália, impõe sanções, sobretudo no setor agrícola norte-americano, que está pagando uma boa parte do custo dessa guerra comercial. Não podendo comprar, como comprava antes, um volume grande de produtos do agronegócio americano, a China passou a comprar do Brasil.
O caso mais notório é o da soja. No ano passado, 86% da soja exportada pelo Brasil foi para a China. Se essa disputa comercial prosseguir, nós continuaremos a ser beneficiados. Se houver um acordo que leve a um desvio do comércio chinês do Brasil de volta para os EUA, nós poderemos ser prejudicados. No caso da carne, por exemplo, não temos como interferir neste processo. Mas, sim, nós temos que manter as boas relações que nós temos e que se ampliaram com os EUA. Mas não precisa ser em detrimento de outros países. Nós podemos também manter relações econômicas e comerciais muito positivas com a China, porque nós temos uma grande complementaridade econômica. E o próprio presidente Bolsonaro diz que o Brasil não vai tomar partido nessa guerra comercial, o que eu achei uma posição muito oportuna. E Bolsonaro vai para a China em outubro.
O Brasil tem o que a China não tem, que é terra e água. Nós teremos sempre uma agricultura muito competente, o que os chineses precisam.
Não só o presidente Bolsonaro vai para a China, como o presidente chinês, Xi Jinping, também vem agora para o Brasil para a cúpula dos Brics, quando deve ser apresentado o projeto da nova Rota da Seda, para atrair investimento para cá. Como o senhor vê isso?
A Rota da Seda não é tratado do qual a gente faz parte, pede a adesão, tem que ratificar. Não é nada disso. Os chineses começaram com a Rota da Seda há mais tempo, quando perceberam que o percurso que eles tentavam fazer como desdobramento dos seus planos nacionais sobre os transportes, ferrovias e navegação tomavam mais ou menos o caminho na rota da seda de muitos séculos atrás. A seguir, a Rota da Seda passou a chamar One Belt One Road [Iniciativa do Cinturão e Rota], porque eles ampliaram o espaço, e o que aconteceu é o que eu chamo de geopolítica da infraestrutura.
A construção de estradas trouxe investimentos para as novas regiões beneficiadas e trouxe evidentemente, por decorrência, aumento da influência chinesa. A partir daí, o projeto passou a ser visto como uma ofensiva, um expansionismo chinês. Eu acho que nós podemos participar de alguns projetos. Nós podemos dizer que não pensamos em participar. Agora, esta questão está perdendo um pouco de sentido no momento em que um país como a Itália anuncia a sua intenção de aderir à One Belt One Road. O fato é que a China, depois de se transformar em um importante investidor em vários países, está se expandindo além das suas fronteiras. E isso, evidentemente, provoca uma preocupação em alguns dos seus parceiros, notadamente os EUA, na região latino-americana.
Trump não poderia se incomodar com essa participação brasileira e dos países da região?
Veja bem, quase todos os países latino-americanos têm na China o seu principal parceiro comercial, e vários desses países tiveram investimentos chineses. Nosso caso é um pouco diferente. Primeiro, por causa do tamanho da nossa economia, da importância dos nossos projetos.
Nós temos perfeitas condições de negociar com a China uma parceria equilibrada e em alguns casos nós podemos não ter interesse.
O que acontece é que os países estão necessitando de investimentos. Nós estamos vivendo um momento de retração dos investimentos em escala mundial, em que os investidores preferem aplicar recursos em títulos do governo americano do que investir em situações que, dada a instabilidade da economia mundial, podem ser de risco.
Então, não vejo problema que o Brasil receba investimentos aqui, desde que esses investimentos se comportem dentro das regras brasileiras. Se há interesse dos dois lados, não vejo por que não se possa fazer negócios, como quer que você chame isso. Os chineses podem chamar One Belt One Road, nós podemos chamar de Projeto Nordeste. Pode chamar como quiser. O fato é que os investimentos, se contribuem para o nosso desenvolvimento e se comportam dentro das regras que nós determinamos, não tem razão para impedirmos.
Para encerrar, aproveitando para amarrar toda a sua experiência de Estados Unidos com o que vai ter de mais importante que no ano que vem: a eleição americana. Os últimos índices econômicos americanos têm mostrado uma recuperação, geração de emprego, números estáveis. Isso favorece Trump? Qual é a expectativa do senhor para o ano que vem? Arrisca um palpite?
É muito difícil fazer uma previsão porque ainda tem muito tempo pela frente. Acho que uma parte da força política do presidente Trump vem da reforma tributária, que atendeu às preocupações e às posições do establishment da liderança republicana e de parte da sociedade que queria uma economia mais desimpedida de uma série de regulamentos e licenças. A outra parte vem do seu eleitorado, que ele soube cultivar e que se manteve estável com uma aprovação dele de 37% a 42%. Mantidas essas circunstâncias atuais, a probabilidade de Trump ganhar é maior do que a probabilidade de ele perder.
Além dos seus ativos, que seriam a economia e a fidelidade do seu eleitorado, ele tem também o fato de que os democratas até agora não definiram que história vão contar para a população e quem é que vai contar essa história. E estes são dois pontos absolutamente definitórios do resultado do processo eleitoral. Portanto, mantidas as circunstâncias atuais, eu acredito que Trump teria mais chance de ganhar. É preciso ver também, e esse é o segundo ponto importante, se a economia vai continuar a render os dividendos em termos de crescimento e de emprego que trouxe até agora em favor de Trump.