Em um desses túmulos recentemente abertos está a mãe de José Moura.
Com camisa preta em sinal de luto, o operador de máquinas era a cara da resignação: expressão séria de quem não pode fazer mais nada e olhar tranquilo de quem fez tudo que podia pela mãe em vida. Ambos moravam na mesma casa — ele no segundo andar, e Adenivalda embaixo.
José diz que a mãe chegou ao hospital no dia 23 de março e foi direto para UTI. Aplicaram hidroxicloriquina, mas terça-feira o telefone tocou no meio da madrugada.
O decreto do governador João Doria estabelece que o corpo siga direto do hospital para o cemitério. A família do operador de máquinas não pôde bancar um caixão luxuoso. Não havia nem vidro que permitisse ver a mãe.
Dá uma tristeza. Não quero ser dramático, mas você não sabe nem se é mesmo sua mãe ali dentro."
A fala baixa de José combina com o cemitério, lugar de silêncio por natureza. Um funcionário usa o mesmo tom, mas porque revela algo quase confidencial, o impacto do coronavírus no Cemitério São Luís: "Foram 10 covid".
Um colega se encarrega de completar que os enterros começaram pouco antes da quarentena [iniciada em 24 de março no estado]. Finaliza contando o número de vezes em que a morte chegou antes do resultado do exame: "Tivemos cinco enterros de suspeitos [de covid-19]. Está dois confirmados para cada um suspeito".
As contas improvisadas pelos coveiros não são confirmadas nem rejeitadas pela Secretaria Estadual de Saúde, que se atém aos dados oficialmente divulgados, mas não os esmiúça.
No Cemitério Campo Grande, na zona sul da capital, também não há detalhes disponíveis. Ninguém dá informação dentro dos muros do cemitério, mas na calçada uma pessoa diz que houve um enterro de paciente confirmado com coronavírus. O funcionário revela até a data, 20 de março. Desde então, mais 14 sepultamentos. Todos de pessoas cujo exame não ficou pronto.
Os casos da zona sul se repetem na zona leste. O cemitério São Pedro tem funcionários ressabiados que comentam ocorrer, a cada dia, pelo menos um enterro de vítima com "insuficiência respiratória a esclarecer". De novo, começando pouco antes da quarentena.
Vizinho ao cemitério, o crematório teve, somente na segunda-feira (30), oito famílias saindo do local carregando uma urna. Todos os dias há pessoas com causa de morte suspeita de covid-19 dando entrada nos livros de registro, afirma uma funcionária.
Ela diz que não dá para confiar nos dados oficiais e reclama que a demora nos resultados dos exames priva as famílias de uma despedida digna.
A falta de dados não muda o resultado final, a morte está dada. Mas José Moura quer saber o que levou sua mãe.