Piratas nos rios e violência nas ruas

Criminosos aterrorizam população de Coari (AM), que tem apenas uma viatura da PM

André Borges
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Ruy Baron
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Enviados especiais a Coari (AM)

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Deborah Faleiros
Arte

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Na maior província petrolífera da Amazônia, o controle dos rios tem sido disputado por piratas e membros do narcotráfico. Enquanto os crimes de violência doméstica e furtos proliferam nas ruas de Coari, bandidos fortemente armados, os "piratas", tocam o terror nas águas do Solimões e seus afluentes, roubando tudo e todos que encontram pela frente. O principal alvo dos piratas, no entanto, são as drogas transportadas por facções.

Em seus botes e pequenas embarcações a motor, os piratas abordam quem passa pelo caminho. A atuação, conforme registros feitos pela Polícia Militar nos últimos anos, é conhecida pela violência e crueldade destes criminosos, que muitas vezes espancam e estupram as vítimas dos assaltos.

Não são casos pontuais. Nos dias de outubro em que a reportagem esteve em Coari, dois homens que integravam um grupo de piratas trocaram tiros com PMs do 5º Batalhão, numa região conhecida como Comunidade Nossa Senhora de Fátima. No tiroteio, os dois criminosos morreram. Foram apreendidas armas e munições, além de um barco de alumínio.

O descontrole generalizado da criminalidade nas águas do Solimões levou o governo estadual a instalar, em agosto de 2020, uma base fluvial de policiamento na região de Coari. A chamada Base Fluvial Arpão, que também reúne membros da Força Nacional, tem apoiado o trabalho extremamente limitado da PM.

A reportagem parou na Base Arpão durante a descida pelo rio. Agentes fortemente armados questionaram o motivo da viagem e deram autorização para seguir adiante, recomendando cuidado no trajeto. Os números da Base Fluvial Arpão explicam a cautela.

Só no primeiro semestre deste ano, a unidade prendeu 80 pessoas, conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas. No mesmo período, foram apreendidas 36 armas, mais de 150 mil litros de combustível e 1.640 munições de diversos calibres.

A este arsenal soma-se mais de 1,5 tonelada de drogas, incluindo cocaína, skank e pasta-base de cocaína. As operações recolheram sete barcos e 14 veículos que eram utilizados pelos criminosos. Sem o apoio da base, a situação de Coari ficaria insustentável.

UMA VIATURA PARA 70 MIL HABITANTES

À reportagem, o tenente e subcomandante do 5º Batalhão da Polícia Militar em Coari, Fabiano Alves da Silva, disse que há 25 policiais em todo o município, onde hoje vivem 70,5 mil pessoas, segundo o Censo do IBGE de 2022.

Com a necessidade de deslocar alguns policiais para posições administrativas e outros para vigilância de prédios públicos e órgãos como a penitenciária da cidade, sobram 17 agentes para se revezar em diversos turnos de trabalho e tentar manter uma estrutura mínima de funcionamento diário. Feitas as escalas, afirma o subcomandante Silva, é possível contar com apenas uma viatura para monitorar as ruas da cidade.

O subcomandante reconhece o desafio de encarar os piratas e o narcotráfico na região. "O nosso maior problema hoje está nos rios, nas comunidades, onde estão os chamados piratas, assaltantes que atuam nos rios. O grande alvo deles é a droga, que desce dos países vizinhos. Passa muito por aqui e eles ficam esperando."

Grandes facções que controlam o tráfico na região Sudeste também entraram para o cotidiano de Coari. "Nós temos aqui o PCC e o CV. Temos combatido ambos, já tivemos diversos confrontos, mas, com apoio da Base Arpão, a gente tem obtido êxito nas missões, graças a Deus", diz o subcomandante da PM.

PORTAS FECHADAS E NADA DE CERVEJA


Em Coari, o clima de cidade pequena do interior do Amazonas não existe. São poucos os que ainda se arriscam a colocar cadeiras na calçada em frente de casa nos fins de tarde. Nas ruas e comércio, o clima é de insegurança entre muitos moradores.

Em mais de uma ocasião, a equipe foi alertada por comerciantes do risco de circular com equipamentos de trabalho, ainda que em plena luz do dia e em locais de grande movimentação de pessoas.

Na praça da igreja, a cerca de 100 metros da Prefeitura de Coari, um restaurante mantém as portas com grades na hora do almoço por medo de assaltantes. O cliente tem de pedir que abram a porta, para então almoçar. A maior parte dos estabelecimentos também evita servir cerveja, para não atrair pessoas que bebam e ofereçam risco de confusão.

"Aqui na cidade, nos últimos cinco meses, apreendemos mais de 1.200 kg de drogas como skank, cloridrato de cocaína e pasta-base de cocaína. Foram mais oito fuzis e 20 espingardas, calibre 12 e semiautomáticas. Geralmente, eles andam muito bem armados", afirma o subcomandante Fabiano Alves da Silva.

Como ocorre em São Paulo e Rio de Janeiro, o tráfico em Coari também procura estabelecer laços com o mundo político. Em julho, um vereador conhecido como Nelson do Caminhão foi preso com 89 tabletes de cocaína, somando 95 quilos da droga. O material estava enterrado em um sítio. O vereador, que é investigado por suposta participação em uma organização criminosa, conseguiu uma prisão domiciliar.

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Publicado em 6 de dezembro de 2023.

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