Eleições 2018: Como a disputa presidencial está afetando a saúde mental dos brasileiros
Angústia, medo, tristeza, raiva, insegurança... esses são alguns dos sentimentos que têm atormentado muitos brasileiros nos últimos meses, motivados pelas eleições. Marcada por agressões e ofensas, a disputa presidencial, principalmente no segundo turno, tem ampliado e até estimulado o confronto entre as pessoas.
Situação semelhante aconteceu nos Estados Unidos em 2016, quando Hillary Clinton e Donald Trump brigavam pela Casa Branca. Naquela época, a Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês) tratou da questão na pesquisa Estresse na América, que realiza anualmente desde 2007.
Pelos dados do estudo, três meses antes da votação, mais da metade (52%) dos americanos acima de 18 anos relataram que a eleição presidencial era uma fonte significativa de estresse. Alguns meses depois, em um levantamento complementar, 57% disseram que o clima político da época continuava sendo fonte de estresse e 66% descreveram o mesmo sobre o futuro do país.
"Quando as pessoas não têm recursos financeiros, emocionais e psicológicos para lidar com os fatores estressantes, elas correm o risco de ficar sobrecarregadas, sentirem-se irritadas, apresentar problemas para dormir e se concentrar, além de dificuldade para se relacionar com os outros", diz Lynn Bufka, diretor-executivo associado de Pesquisa e Política Prática da APA.
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Segundo ele, não é possível dizer explicitamente que a política leva os indivíduos a vivenciarem estresse ou outras questões relacionadas à saúde mental. No entanto, os sentimentos de incerteza sobre os resultados eleitorais, a exposição contínua ao noticiário e às redes sociais, a divisão entre os grupos com opiniões contrárias, a presunção de que ações negativas ocorrerão com um resultado ou outro, prevendo possibilidades que nem sempre serão confirmadas, podem, sim, ser estressantes.
"Embora não tenhamos dados sobre outros países, entendemos que os brasileiros estão enfrentando eleições controversas e, da mesma forma, podem se sentir mal em relação ao resultado das urnas e ao futuro", comenta Bufka.
Aqui, por enquanto, nenhum estudo mais profundo sobre o tema foi realizado. Porém, em uma de suas pesquisas eleitorais feitas em outubro, o Datafolha incluiu uma pergunta sobre os sentimentos dos eleitores: Quando pensa no Brasil de hoje, você sente...?.
O levantamento mostrou que 88% dos participantes se sentem inseguros; 79%, tristes; 78%, desanimados; 68%, com raiva; 62% manifestaram medo do futuro e 59%, mais medo que esperança.
Eleição no divã
A polarização provocada pelas eleições, resultando em brigas entre familiares, amigos e até desconhecidos, e a insegurança no trabalho, por conta das posições políticas dos chefes, têm levado muita gente para os consultórios e se tornado o ponto central das conversas com médicos e terapeutas.
De acordo com o psiquiatra paulista Luiz Scocca, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da APA, cerca de 80% dos pacientes que entram na sua sala falam sobre política.
"Nos meus 25 anos de atendimento nunca vi algo parecido, nem em momentos de grande comoção, como Copa do Mundo ou morte de algum ídolo nacional. É um cenário sem precedentes, mas que realmente lembra muito o dos Estados Unidos em 2016. As pessoas têm chegado aqui bem ansiosas, e isso tem a ver o com medo do desconhecido. Ninguém sabe o que vai acontecer, independentemente de quem seja eleito, e é justamente o que tem gerado temor e insegurança", comenta.
No dia a dia do especialista, são os jovens quem mais chamam sua atenção. "Eles estão tensos, inconformados e até frustrados. Os mais novos, em geral, têm dificuldade de lidar com frustrações. Não à toa, os diagnósticos de depressão têm aumentado em cerca de 30% na faixa de 17 a 25 anos", complementa.
O psiquiatra destaca ainda que este é o grupo etário que está mais exposto às redes sociais e aos aplicativos de conversa, locais onde imperam as informações negativas, os discursos de ódio e as fake news.
Ana Maria Rossi, PhD em psicologia e presidente da International Stress Management Association (Isma-BR), afirma que os mais velhos também estão sendo afetados com intensidade pelo agressivo clima político.
"Os eleitores de 25 a 30 anos e os acima de 50, na minha experiência clínica e nas consultorias que realizo, são os que se mostram mais preocupados. E isso faz sentido. Os primeiros estão se graduando ou se formaram há pouco tempo, e ainda precisam se firmar no mercado de trabalho, enquanto os demais estão se aproximando da aposentadoria. Só que toda essa incerteza e insegurança em relação ao futuro tem provocado neles ansiedade, medo e angústia", analisa.
Assim como Scocca, Rossi foi pega de surpresa. "Foi um fenômeno que de repente se tornou avassalador, provocando sintomas físicos e emocionais em grande parte da população."
Seus clientes têm verbalizado dores musculares e de cabeça, desconforto gastrointestinal, cansaço excessivo, ansiedade, angústia, incapacitação, raiva e problemas de sono, como dificuldade para dormir, sono agitado, pesadelos, vários despertares durante a madrugada e insônia.
"As pessoas estão somatizando e precisando de ajuda para enfrentar a situação. Só que, junto com o aumento na procura por terapia, o que vejo são muitas delas lidando com a questão consumindo uma quantidade maior de bebidas alcoólicas", afirma. O que ela também tem notado é a automedicação com antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor, e o aumento na dosagem desses fármacos sem prescrição.
Helio Roberto Deliberador, professor do Departamento de Psicologia social da PUC-SP, corrobora que a permanente instabilidade, a escalada da violência na cena urbana brasileira e as rupturas na sociedade estão gerando um processo de sofrimento psíquico sem precedentes recentes.
"Na nossa clínica, os pacientes têm apresentado quadros de fobia social, medo, depressão e ansiedade. Tem havido aumento do desassossego humano, até com tentativas de suicídio. É uma reação doentia que está se instalando de forma geral, marcada por discurso de ódio, ressentimentos e graves enfrentamentos", analisa, lembrando que muitos cidadãos passaram a ver quem tem opinião divergente como um "inimigo a ser destruído", em vez de um adversário a ser vencido.
No consultório da psicóloga Flavia Roberta Eugênio, em Santo André (SP), os pacientes começaram a relatar todos estes efeitos ainda antes do primeiro turno. "Naquele período, a questão principal eram os conflitos familiares e no ambiente de trabalho. Agora é mais o medo, especialmente para alguns grupos, como negros e LGBTs. Eles estão se sentindo ameaçados e sendo vítimas de violência, hostilidade e preconceito nas ruas."
Percebendo que a disputa política havia se tornado uma constante nas sessões, ela e a colega de profissão Ivani Francisco de Oliveira decidiram promover uma roda de conversa, batizada de Roda de Acolhimento: Sofrimento Psíquico Gerado Pelas Eleições.
A ideia inicial das profissionais era oferecer essa ajuda extra e gratuita apenas para quem já se tratava com elas. Porém, após a divulgação do evento nas redes sociais, a procura acabou sendo maior do que a esperada - em menos três dias as inscrições foram encerradas, e o que era para acontecer em uma única data precisou de duas.
"O temor está instaurado socialmente e, por isso, a demanda por acolhimento cresceu. Entendemos que essa é uma ferramenta importante de compartilhamento, fortalecimento e reconhecimento de pares, para que as pessoas vejam que não estão sozinhas. Acima de tudo, é uma oportunidade de promover a empatia e construir estratégias de superação, autocuidado e autopreservação", acrescenta Eugênio.
Como lidar
De certo modo, todo mundo experimenta ansiedade e estresse em algum momento da vida, mas quando isso se torna crônico e não recebe o tratamento adequado, as consequências podem ser graves para a saúde - com o surgimento de hipertensão arterial, doenças cardíacas, depressão e obesidade e o enfraquecimento do sistema imunológico.
O diretor-executivo associado de Pesquisa e Política Prática da APA explica que é importante cuidar do físico e do emocional, o que se consegue com bom sono, prática regular de exercícios, alimentação saudável, cultivo dos relacionamentos - de modo que possa haver apoio mútuo - e envolvimento em atividades agradáveis.
Ele indica ainda fazer um "detox digital" e limitar as discussões relacionadas à política.
E para quem não consegue ver uma saída, o especialista dá uma esperança: "No geral, a eleição presidencial de 2016 foi uma fonte de estresse para muitos americanos e as preocupações sobre a nação continuam a ser. No entanto, já no ano seguinte, 51% dos indivíduos contaram que isso os inspirou a se voluntariar ou apoiar causas que valorizam, o que sugere que eles estão canalizando suas preocupações para ações que possam ter benefícios para as comunidades locais. Essa é uma maneira positiva de lidar com o estresse e as preocupações e ainda colaborar para a construção de uma sociedade melhor".
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