Especialistas criticam uso de altas doses de hormônio em tratamentos para engravidar
Dois dias depois de Debra Demidon ser submetida à fertilização in vitro, ela ganhou mais de 13 quilos em líquidos e repentinamente estava lutando para respirar.
Os médicos diagnosticaram uma grave Síndrome de Hiperestimulação Ovariana (SHO), uma complicação observada em algumas mulheres que se submetem a tratamentos de fertilidade. A situação fez com que Demidon permanecesse no hospital por cinco dias; os médicos conseguiram drenar 6,5 litros de líquido de seu corpo. Ela perdeu três semanas de trabalho e, até a situação se resolver, ela e seu marido gastaram todas as suas economias.
"Foi a primeira vez que fiz fertilização in vitro, e eu não faria isso de novo", disse Demidon, de 28 anos, especialista em controle de qualidade em Cayuga, Nova York. "Foi horrível. Quando você tem todo esse fluido em seu corpo, ele exerce pressão sobre tudo."
A SHO é uma complicação pouco conhecida nos tratamentos de fertilidade que dependem de altas doses de hormônios, que são os tratamentos-padrão nos Estados Unidos e no Reino Unido. A síndrome não é o único problema de saúde ligado à fertilização in vitro. As clínicas de fertilidade da Europa e do Japão voltaram-se para métodos mais seguros, que usam baixa dosagem, mas as clínicas dos Estados Unidos, na maioria, vêm resistindo, devido ao fato de as taxas de sucesso na fertilização in vitro de baixa dosagem não serem tão elevadas.
"As taxas de gravidez são menores, e mais ciclos de fertilização in vitro são necessários" com a fertilização in vitro de baixa dosagem, disse o Dr. Glenn L. Schattman, médico de fertilidade no Centro Médico Presbiteriano/Weill Cornell, em Nova York, e presidente da Sociedade para Tecnologia de Reprodução Assistida.
Mas alguns críticos estão pedindo que a indústria reconsidere.
"A estimulação leve é claramente muito mais saudável para as mulheres", disse Francine Coeytaux, fundadora do Instituto do Pacífico para a Saúde da Mulher, uma organização sem fins lucrativos sediada em Los Angeles. "A razão para a hiperestimulação ter acontecido é porque essas clínicas de fertilidade competem umas contra as outras, expondo suas taxas de sucesso."
Em altas doses de fertilização in vitro, uma mulher primeiramente recebe injeções de uma droga – geralmente Lupron – para suprimir seus ovários, o que causa sintomas temporários da menopausa. Em seguida, os ovários são estimulados por hormônios – como os hormônios folículo-estimulante e luteinizante – a fim de produzir mais óvulos. A duração da estimulação é mais longa e a dose hormonal é significativamente maior do que nos programas de baixa dosagem comuns no exterior.
Mais óvulos
As mulheres normalmente geram um óvulo por ciclo, mas altas doses de estímulo podem ajudá-las a produzir de 20 a 30 óvulos, ou até mais. Em contraste, mulheres que recebem médias ou baixas dosagens produzem de 8 a 10 óvulos, os ovários não são suprimidos no início e não há manipulação do ciclo da paciente.
De acordo com o Instituo Nacional da Saúde dos Estados Unidos, altas doses de estimulação levam à SHO em 10% das pacientes de fertilização in vitro. Os ovários ficam inchados e, como no caso de Demidon, pode vazar fluido no tórax e no abdômen. Os sintomas podem ser leves ou graves e, em casos raros, a SHO pode ser fatal.
Um inquérito recente sobre as mortes maternas no Reino Unido descobriu que a SHO após altas doses de fertilização in vitro é hoje uma das principais causas de mortalidade materna na Inglaterra e no País de Gales. Mas essa pode não ser a única complicação. Um estudo recente sugere que as altas doses contribuem para menor peso no nascimento, em comparação com os bebês de mulheres que receberam doses mínimas de hormônios. Os especialistas também vêm debatido há décadas se a fertilização in vitro contribui para um maior risco de câncer de mama e de ovário, mas os estudos chegaram a conclusões conflitantes.
Uso "off-label"
O Lupron, utilizado para suprimir os ovários, tem levantado preocupações também. O medicamento é aprovado para tratar o câncer de próstata; no entanto, a sua utilização na fertilização in vitro é off-label – o que significa que não é aprovada pelo Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) para essa finalidade. Milhares de mulheres relataram reações adversas, incluindo: perda de memória; distúrbios do fígado; perda óssea e muscular grave e dores nos ossos e articulações, disse Marcy Darnovsky, diretora-executiva adjunta do Centro de Genética e Sociedade, um grupo de interesse público em Berkeley, Califórnia.
"Muitas drogas são usadas off-label, mas esse uso é adequado?", disse Darnovsky. "Considerando o número de mulheres que tomaram esses medicamentos durante os últimos 25 anos, muitos e mais rigorosos estudos e análises poderiam ter sido feitos sobre eles."
Devido a essas preocupações, alguns especialistas em reprodução estão mudando para uma forma mais amena de fertilização in vitro. A técnica de baixa dosagem depende de menos drogas para estimular os ovários e pode resultar em menos complicações e um tempo de recuperação mais rápida.
Pasquale Patrizio, professor de obstetrícia e ginecologia na Universidade de Yale e diretor do Centro de Fertilidade de Yale, disse que tem utilizado fertilização in vitro de baixa dosagem e tem tido bons resultados.
"É uma mudança de mentalidade que tem ocorrido nos últimos anos, conforme temos visto que não há necessidade de estimular os ovários tão agressivamente como fazíamos antes", disse ele.
Opinião contrário
Mas outros especialistas dizem que pelo fato de a baixa dosagem gerar menos óvulos, as mulheres têm menores taxas de gravidez por ciclo. Assim, mais ciclos e mais dinheiro podem ser necessários para uma mulher engravidar.
"Gerando mais ciclos, existem maiores riscos pela exposição das mulheres a mais medicamentos, retirada de óvulos e mais anestesia", disse Schattman do Centro Médico Presbiteriano/Weill Cornell. "Não é tranquilo para a paciente, e você encontrará muitos médicos que não concordam com isso."
O custo exorbitante da fecundação in vitro padrão – entre 15.000 e 30.000 dólares por ciclo – pode impedir as mulheres de fazerem mais do que um ou dois ciclos. Muitas delas, assim como seus médicos, acreditam que a fecundação in vitro de alta dosagem aumenta as chances de concepção sem a necessidade de vários ciclos.
William E. Gibbons, diretor da divisão da medicina reprodutiva na Faculdade de Medicina Baylor e um dos pioneiros na fertilização in vitro nos Estados Unidos, disse não acreditar que os dados gerem uma mudança para a fecundação in vitro mais amena.
"Quanto mais óvulos, mais embriões e, portanto, maior a chance de gravidez – e a fecundação in vitro padrão produz mais óvulos", disse ele.
Baixa dosagem
Mas a fertilização in vitro de baixa dosagem pode ser muito mais barata, custando cerca de um terço da fertilização in vitro padrão, de acordo com Patrizio. As drogas são mais baratas (cerca de 500 dólares por ciclo), menos medicamentos são necessários, assim como um menor monitoramento, disse ele.
Como também reduz o risco de SHO, menos pacientes necessitam de hospitalização, adicionou Patrizio, reduzindo os custos ainda mais.
Geeta Nargund, presidente da Sociedade Internacional de Abordagens Leves na Reprodução Assistida, tem estado na vanguarda da utilização da fertilização in vitro de baixa dosagem na Inglaterra.
"É uma situação de ganho mútuo", disse ela. "Nós podemos oferecer a fertilização in vitro bem sucedida às mulheres e ao mesmo tempo proteger sua saúde e segurança, sendo melhor para seus filhos e a um custo mais baixo. A estimulação leve na fecundação in vitro é também significativamente melhor para a qualidade dos embriões e para a taxa de natalidade de crianças."
O desconforto físico e emocional para as mulheres é significativamente menor, disse ela. Na verdade, a maioria das mulheres não sente nada.
"Se pudermos ter a estimulação por fertilização in vitro a um custo mais baixo e sem SHO", disse Patrizio, "seria um grande passo para os Estados Unidos".
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