Especialistas pesquisam eficácia de vermífugo contra o percevejo
Foi uma visita a uma prima em Nova York há dois anos que inspirou a estudante da Faculdade de Medicina da Virginia Oriental, Thang D. Tran, a se voluntariar como isca humana na guerra contra os percevejos.
"Minha prima me contou que todo mundo em Nova York estava com medo dos percevejos", afirmou.
Então, quando Johnathan M. Sheele, especialista em medicina emergencial de sua faculdade, pediu voluntários para um teste que procurava uma nova forma de matar os insetos, Tran levantou o braço, que logo estava coberto de percevejos.
O estudo de Sheele, divulgado em uma convenção de medicina tropical em novembro, revelou uma possível superarma contra o Cimex lectularius: um vermífugo.
Basta tomar a pílula e ir para a cama – se é que vai conseguir dormir, sabendo como os percevejos esperam pacientemente nas paredes e no colchão e são atraídos pelo cheiro doce do dióxido de carbono e pelo calor de sua pele. Em seguida, resta apenas deixar que o mordam e, depois de alguns dias, todos morrem.
A técnica é conhecida como xenointoxicação, que soa muito complicado, mas que em patologia médica quer dizer "envenenar o hospedeiro". No estudo de Sheele, mais de 60% dos percevejos morreram depois que voluntários como Tran tomaram uma única pílula. Doses maiores ou mais regulares podem ser ainda mais letais.
Além disso, esse medicamento não é raro nem perigoso. Ele já está presente em milhares de casas americanas e é chamado de ivermectina, o ingrediente ativo nos biscoitos de cachorro com sabor de carne usados para acabar com a dirofilariose em cães.
(Para seres humanos, o medicamento só pode ser comprado com prescrição médica, geralmente para viajantes infectados com vermes em outros países, ou crianças pequenas que brincam em caixas de areia visitadas por cães.)
A ivermectina é muito segura. Milhões de doses são dadas a crianças africanas para matar os vermes que causam cegueira do rio. Muitas pessoas em Papua Nova Guiné recebem doses duplas para acabar com a sarna. Um estudo inicial com o medicamento revelou que até mesmo doses dez vezes maiores que as usuais são seguras.
A ivermectina ataca o tipo de "canal fechado de cloreto" nos nervos de insetos que não existe em mamíferos.
Resultado preliminar
Sheele não aconselha que americanos atormentados por percevejos comecem a comer os vermífugos do Totó. O pesquisador destacou que, com apenas quatro voluntários, seu estudo foi diminuto e preliminar. Nem o FDA, nem qualquer outra sociedade médica aprovaram o uso de ivermectina dessa forma e ninguém ainda sabe qual é a dose ideal para combater percevejos.
Mas especialistas em ivermectina dizem que a ideia não é maluca.
"Talvez seja um pouco estranha", afirmou Peter J. Hotez, reitor da Escola Nacional de Medicina Tropical na Faculdade de Medicina Baylor. "Mas não é completamente maluca."
A hesitação de Hotez se deve em grande parte ao fato de que os percevejos, ao contrário de piolhos e vermes, não transmitem doenças, de forma que a xenointoxicação parece um pouco exagerada.
Contudo, incontáveis americanos – incluindo muitos nova-iorquinos – têm tanto medo dos insetos que gastaram milhares de dólares na tentativa de acabar com a infestação, de forma que a ivermectina pode ser uma alternativa viável.
Brian D. Foy, virologista da Faculdade de Veterinária da Universidade do Estado de Colorado, mostrou que o medicamento também mata pernilongos e poderia ser utilizado no combate à malária. Contudo, o virologista acredita que seria mais fácil limpar a casa e trocar os colchões para acabar com os percevejos.
"Mas acho que não sei muito sobre percevejos", admitiu. "Não temos esse problema no Colorado."
(Os jornais locais parecem não concordar com ele a esse respeito.)
"Nem precisamos dizer que isso não iria resolver o problema dos percevejos em quartos de hotel", destacou, com razão.
Sheele especula que a ivermectina possa ser utilizada em combinação com as atuais medidas, como pesticidas, pós dessecantes, capas de colchão, e tratamentos por calor, vapor ou vácuo. Ainda que o medicamento não funcione sozinho, ele daria uma boa ajuda aos dedetizadores.
Frank O. Richards Jr., parasitologista do Centro Carter, em Atlanta, passou anos realizando programas de distribuição de ivermectina doada pela Merck para a Ásia e a África, com o objetivo de combater a cegueira do rio, e afirmou estar "empolgado para ver os resultados da ideia".
Os americanos podem até ficar melindrados com a ideia de tomar vermífugos, afirmou, mas o país tem "muitas pessoas ricas que não gostam de percevejos".
O parasitologista soube de uma mulher que descobriu que estava grávida depois de tomar ivermectina, "mas todos os filhos estavam bem".
Ainda assim, Richards afirmou que, embora um estudo de 2002 tenha descoberto que grandes doses do medicamento são seguras – o que significa que diversas doses pequenas também seriam –, "enquanto médico, tenho medo do uso indiscriminado".
"Se eu dissesse o contrário e alguma coisa acontecesse", continuou, "não teria a menor chance nos tribunais".
Uma vez que os percevejos se alimentam apenas esporadicamente, afirmou, "não acredito que apenas uma semana seria o suficiente para resolver o problema. Acho que seriam necessárias duas, três ou até quatro semanas de tratamento. E isso é preocupante. Não temos dados de toxicidade para tanto tempo".
Assim como Sheele, ele espera que sejam feitos mais testes com doses múltiplas.
A ivermectina não é barata. Nos Estados Unidos, uma dose para adultos custa cerca de 40 dólares e não existe versão genérica. O tratamento com o vermífugo para cães grandes pode custar mais de 100 dólares ao ano.
Contudo, segundo Sheele, o preço é muito menor do que o das visitas dos dedetizadores.
O pesquisador ficou interessado em percevejos porque os insetos infestaram boa parte dos leitos da sala de emergência de seu hospital em Norfolk, Virginia.
"Tive até um paciente que me entregou um saquinho cheio de percevejos", afirmou. "Enquanto médico, não há nada que eu possa fazer além de dar Benadryl e esteroides para controlar a coceira."
Ele conhecia a capacidade da ivermectina de matar parasitas da pele por conta de seu trabalho com medicina emergencial internacional, afirmou.
A faculdade forneceu o financiamento, mas teve medo de permitir que o pesquisador importasse oficialmente percevejos para o campus. Por isso, Sheele precisou emprestar o laboratório de um pesquisador de carrapatos na Universidade Old Dominion. (Tran se lembra que o lugar era úmido e tinha cheiro de ratos de laboratório.)
A Faculdade de Medicina da Virginia Oriental queria realizar experimentos com animais antes que o professor recrutasse estudantes de medicina, por isso, os ratos foram os primeiros a passarem pelo teste e 86% dos percevejos morreram.
Carrapatos
Agora, Sheele espera encontrar apoio para um estudo clínico completo e está trabalhando em um novo projeto: se a xenointoxicação funciona para percevejos, qual seria o resultado com os carrapatos?
A relação entre parasita e hospedeiro é menos previsível do que entre os percevejos e seus alimentos. Mas as consequências são maiores, já que carrapatos transmitem doenças sérias como a doença de Lyme e a babesiose.
"Isso seria interessante para pessoas que passam muito tempo em florestas – como os soldados", afirmou.
Enquanto isso, Tran e An Teng, outra estudante de medicina e participante do estudo, estão aproveitando a recente notoriedade.
"Meus amigos ficaram morrendo de nojo porque deixei que os insetos me picassem", afirmou Tran, cujas coceiras duraram um mês. "Mas trabalhar com um projeto tão relevante para a sociedade chamou minha atenção."
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