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Produtos à base de plantas nem sempre são o que prometem

Muitos produtos tinham sido adulterados com ingredientes não listados no rótulo como arroz, soja e trigo, que são usados como preenchedores - Thinkstock
Muitos produtos tinham sido adulterados com ingredientes não listados no rótulo como arroz, soja e trigo, que são usados como preenchedores Imagem: Thinkstock

Anahad O'connor

The New York Times

17/11/2013 07h00

Os americanos gastam cerca de US$ 5 bilhões por ano em suplementos à base de plantas, sem efeitos comprovados e que prometem tudo, desde combater resfriados até reduzir as ondas de calor e aumentar a memória. No entanto, agora há um novo motivo pelo qual os consumidores de suplementos devem ter cuidado: os testes de DNA mostram que muitas pílulas rotuladas como ervas curativas são pouco mais do que arroz em pó e erva daninha.

Usando um teste de código de barras de DNA, uma espécie de impressão digital genética que também tem sido utilizada para ajudar a revelar fraudes de rotulagem na indústria pesqueira comercial, pesquisadores canadenses testaram 44 frascos de suplementos populares vendidos por 12 empresas. Eles descobriram que muitos não eram o que diziam ser, e que suplementos rotulados como ervas populares eram muitas vezes diluídos – ou inteiramente substituídos – por substâncias baratas como soja, trigo e arroz.

Defensores dos consumidores e cientistas afirmam que a pesquisa fornece mais provas de que a indústria de suplementos à base de plantas desenvolve uma série de práticas questionáveis. Representantes da indústria afirmam que os problemas não são generalizados.

Para o estudo, os pesquisadores selecionaram ervas medicinais populares e, em seguida, compraram aleatoriamente diferentes marcas desses produtos em lojas e magazines no Canadá e nos Estados Unidos. Para evitar chamar a atenção para qualquer empresa específica, nomes de produtos não foram divulgados.

Descobertas

Dentre as descobertas, havia garrafas de suplementos de equinácea, usados por milhões de norte-americanos para prevenir e tratar resfriados, erva amarga triturada e Parthenium hysterophorus, uma planta invasora encontrada na Índia e na Austrália, que tem sido associada a erupções cutâneas, náuseas e flatulência.

Dois potes rotulados como erva de São João – que, segundo pesquisas, trata casos leves de depressão – não continham a erva medicinal. Em vez disso, os suplementos de um pote foram confeccionados apenas com arroz e, em outro, havia somente sene (Senna alexandrina), um arbusto amarelo egípcio que funciona como um laxante poderoso. Suplementos de Gingko biloba, promovidos como capazes de melhorar a memória, apareceram misturados a preenchedores e nogueira preta, um perigo potencialmente mortal para as pessoas que sofrem de alergia a nozes.

Dos 44 suplementos à base de plantas testados, um terço mostrou que tinha pura e simplesmente substituído o produto designado no rótulo, ou seja, não havia nenhum vestígio da planta anunciado no pote – apenas outra planta em seu lugar.

Muitos tinham sido adulterados com ingredientes não listados no rótulo como arroz, soja e trigo, que são usados como preenchedores. Em alguns casos, o preenchedor era a única planta detectada no pote – um risco para a saúde de pessoas com alergias ou que procuram produtos sem glúten, disse o principal autor do estudo, Steven G. Newmaster, professor de biologia e diretor botânico do Instituto de Biodiversidade de Ontário, na Universidade de Guelph.

Resultados

Os resultados, publicados no periódico BMC Medicine, seguem uma série de pequenos estudos realizados nos últimos anos que têm sugerido que um percentual considerável de produtos à base de plantas não são o que dizem ser. Entretanto, como as últimas descobertas são corroboradas por um teste de DNA, elas oferecem as evidências talvez mais confiáveis até hoje de adulteração, contaminação e rotulagem incorreta na indústria de suplementos medicinais, uma área de rápido crescimento da medicina alternativa que inclui cerca de 29 mil produtos à base de plantas e substâncias vendidas em toda a América do Norte.

"Isso sugere que os problemas são generalizados e que o controle de qualidade de muitas empresas, quer por ignorância, incompetência ou desonestidade, é inaceitável", disse David Schardt, nutricionista sênior do Centro para a Ciência no Interesse Público, uma associação de apoio. "Diante desses resultados, é difícil recomendar quaisquer suplementos à base de plantas para os consumidores."

Representantes da indústria de suplementos disseram que apesar de ser legítima a preocupação com a rotulagem incorreta dos produtos, eles não acreditam que ela é tão frequente quanto sugere a nova pesquisa.

Stefan Gafner, diretor científico do Conselho Americano de Botânica, um grupo sem fins lucrativos que promove o uso de suplementos à base de plantas, disse que o estudo tinha como falha o fato de que a tecnologia de códigos de barras utilizada nem sempre identificava ervas que haviam sido purificadas e altamente processadas.

"No geral, eu concordo que o controle de qualidade é um problema na indústria de produtos à base de plantas", disse Gafner, acrescentando: "Porém, eu acho que o quadro que está sendo representado é exagerado. Eu acho que a situação não é tão ruim quanto esse estudo faz parecer."

A FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) usou a tecnologia do código de barras para advertir e, em alguns casos, processar quem comercializava frutos do mar "falsos". A técnica de DNA também tem sido usada em estudos sobre chás de ervas, que mostraram que uma porcentagem significativa contém ervas e ingredientes que não estão listados em seus rótulos.

Desafio

Contudo, policiar a indústria de suplementos é um desafio especial. A FDA exige que as empresas testem os produtos que vendem para se certificar de que eles são seguros. Todavia, o sistema opera essencialmente com base em um código de honra. Ao contrário dos medicamentos, os suplementos são geralmente considerados seguros até que se prove o contrário.

De acordo com uma lei de 1994, eles podem ser vendidos e comercializados com pouca supervisão regulatória, e geralmente são retirados das prateleiras apenas depois de queixas de lesões graves. A FDA realiza auditorias de um pequeno número de empresas, mas até mesmo representantes do setor dizem ser necessário intensificar a fiscalização.

"Os regulamentos são muito apropriados e rigorosos", disse Duffy MacKay, do Conselho para a Nutrição Responsável, um grupo comercial da indústria de suplementos. "Porém, precisamos de um regulador forte que aplique toda a força da lei. Os recursos do FDA são limitados e, portanto, a aplicação não tem sido historicamente tão rigorosa quanto poderia ser".

Uma porta-voz da FDA não respondeu a um pedido de comentário para esta reportagem.

Genes

A tecnologia do código de barras genético foi desenvolvida há uma década na Universidade de Guelph, em Ontario, Canadá. Em vez de sequenciar genomas inteiros, os cientistas perceberam que podiam examinar genes de uma região padronizada de cada genoma para identificar as espécies de plantas e animais. Essas sequências curtas podem ser rapidamente analisadas – de modo muito semelhante aos códigos de barras de produtos em um supermercado – e comparadas a outros em um banco de dados eletrônico.

Uma biblioteca eletrônica de referência na Universidade de Guelph, chamada de Projeto Internacional do Código de Barras da Vida, contém mais de 2,6 milhões de registros de códigos de barras de quase 200 mil espécies de plantas e animais.

A técnica de teste não é infalível. Ela é capaz de identificar as substâncias em um suplemento, mas não pode determinar a sua potência. E como a tecnologia se baseia na detecção de DNA, ela pode não ter como identificar os extratos químicos concentrados que não contêm o material genético, nem os produtos em que o material tenha sido transformado pelo calor e processamento.

Não obstante, Newmaster enfatizou que apenas suplementos em pó e comprimidos foram utilizados na nova pesquisa, não extratos. Além disso, o teste do DNA quase sempre detectou algum outro material vegetal nas amostras – só que nem sempre a planta ou erva estava indicada no rótulo.

Contaminação cruzada

Alguns dos problemas de adulteração podem ter sido causados involuntariamente. A contaminação cruzada pode ocorrer em campos onde as plantas diferentes são cultivadas lado a lado e colhidas ao mesmo tempo, ou em fábricas onde as ervas são embaladas. Segundo Gafner, do Conselho Americano de Botânica, o arroz, o amido e outros compostos foram em alguns casos acrescentados ao suplemento durante a produção para impedir que as ervas em pó se aglomerassem, assim como colocamos grãos de arroz em saleiros.

Contudo, isso não explica muitos dos resultados do teste de DNA. Por exemplo, o estudo constatou que um produto anunciado como cohosh preto – uma planta da América do Norte, remédio popular contra as ondas de calor e outros sintomas da menopausa – continha na verdade uma planta asiática parecida, Actaea asiatica, que pode ser tóxica para os seres humanos.

Esses resultados refletem um estudo semelhante acerca de suplementos de cohosh preto realizados no Centro Médico da Universidade de Stony Brook no ano passado. O Dr. David A. Baker, professor de obstetrícia, ginecologia e medicina reprodutiva, comprou 36 suplementos de cohosh preto na internet e em grandes lojas. Os testes de código de barras genético mostraram que um quarto dos produtos não continha cohosh preto, mas uma planta ornamental da China.

Para Baker, a regulamentação de suplementos é no momento uma "terra sem lei". Segundo o professor, a maioria dos consumidores não tem ideia da carência de garantias quanto a esse tipo de produto. "Se você tivesse um filho doente e três entre cada dez comprimidos de penicilina fossem falsos, todos estariam em pé de guerra", disse Baker. "No entanto, não se vê problema em comprar um suplemento sendo que três entre cada dez pílulas são falsas. Eu não entendo isso. Por que essa indústria não tem de se responsabilizar por isso?"