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Páscoa é época difícil para quem sofre de transtorno alimentar

Chris Bueno

Do UOL, em São Paulo

16/04/2014 07h00

Para quem sofre de transtornos alimentares como a bulimia, a anorexia e o comer compulsivo, períodos como a Páscoa são sinônimo de sofrimento. E os números são alarmantes: de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH), 70 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de algum tipo de transtorno desse tipo.

Apesar de as mulheres representarem a grande maioria, o problema não é exclusivamente feminino: cerca de 10% dos casos de bulimia ou anorexia ocorrem em homens. 

Longe de ser um comportamento “normal” ou inofensivo, o exagero ao comer, ou, pelo contrário, ao restringir a alimentação, pode causar uma série de consequências para a saúde, muitas delas graves. Muitos casos de anorexia resultam em morte.

“O índice de mortes provocado por esses transtornos é de 18% a 20%. De acordo com o Centro Nacional de Informações sobre Transtornos Alimentares do Canadá (Nedic), a incidência mundial de mortes relacionadas à anorexia em mulheres entre 15 e 24 anos é 12 vezes maior que qualquer outra causa nessa faixa etária”, alerta a endocrinologista Claudia Chang, coordenadora e professora da Pós-Graduação em Endocrinologia do Instituto Superior de Medicina (ISMD) de Belo Horizonte (MG).

Quando se come menos

São várias as doenças definidas como “transtorno alimentar”, mas as mais conhecidas são a anorexia, a bulimia e o comer compulsivo (também chamado de compulsão alimentar).

A anorexia nervosa é caracterizada por um grande medo de engordar, o que leva a pessoa a dietas muito restritas e à extrema perda de peso. Há um distúrbio da imagem que a própria pessoa tem de si mesma: ela se vê acima do peso, embora esteja extremamente magra. Existem relatos de casos de meninas que chegam a pesar apenas 20 quilos. Para não engordar, a pessoa mal se alimenta, exagera na atividade física, vomita, toma laxantes e diuréticos.

A anorexia se manifesta principalmente em mulheres jovens, embora sua incidência esteja aumentando também em homens. As complicações do problema são várias: desnutrição, desidratação, hipotensão (diminuição da pressão arterial), anemia, intolerância ao frio, motilidade gástrica diminuída, amenorreia (parada do ciclo menstrual), osteoporose, infertilidade e maior propensão a infecções por comprometimento do sistema imunológico. Além disso, às vezes, pessoas com anorexia chegam rapidamente à caquexia, um grau extremo da desnutrição, e nesses casos o índice de mortalidade pode chegar a 15%.

“Os quadros de anorexia nervosa são muito graves. A realimentação nos casos extremos deve ser feita com cautela em ambiente hospitalar e equipe treinada”, aponta o psiquiatra Nelson Caldas, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Já na bulimia a pessoa tem grande preocupação com a forma física, ao mesmo tempo que não consegue controlar uma compulsão alimentar. Enquanto uma ingestão normal por dia é algo em torno de 2.500 calorias, pacientes com bulimia podem ter “ataques” e chegar a consumir até 5.000. A culpa e o medo de engordar vêm logo em seguida. Então, essas pessoas usam mecanismos compensatórios, como indução ao vômito, uso de laxantes e diuréticos, jejum prolongado e prática exaustiva de atividade física.

“Vivemos numa sociedade em que temos, ao mesmo tempo, uma excessiva oferta de alimentos e uma pressão social para um corpo magro e ‘sarado’. Não queremos pagar o preço nem de uma coisa nem de outra”, explica Caldas.

A bulimia também causa graves prejuízos à saúde, como inflamação na garganta (inflamação do tecido que reveste o esôfago pelos efeitos do vômito), rosto inchado, cáries e lesões sobre o esmalte dos dentes, desidratação, desequilíbrio eletrolítico, problemas gastrintestinais, arritmias cardíacas, dores musculares e câimbras.



Quando se come demais

Enquanto algumas pessoas comem de menos com medo de engordar, outras não conseguem controlar o apetite. O transtorno do comer compulsivo é caracterizado por episódios de ingestão exagerada e compulsiva de alimentos, que ocorrem com frequência. Porém, diferentemente da bulimia nervosa, essas pessoas não tentam evitar ganho de peso com os métodos compensatórios.

Nos casos do comer compulsivo, a comida é usada para lidar com problemas psicológicos. Este transtorno afeta mais as mulheres entre 20 e 30 anos de idade, e também traz complicações para a saúde como obesidade, diabetes, infarto, pressão alta,  aumento do colesterol, complicações cardíacas, problemas osteomusculares e articulares.

“É preciso atentar que os transtornos alimentares são doenças psiquiátricas que levam a grandes prejuízos biológicos e psicossociais, e que têm uma grande taxa de mortalidade”, alerta a nutricionista Érika Cheon B. Romano, colaboradora do Genta - grupo especializado em nutrição e transtornos alimentares de São Paulo.

Causas e tratamento

Não há uma única causa para os transtornos alimentares, mas, sim, uma série de fatores que levam ao problema. Na esteira, entram fatores genéticos, biológicos, socioculturais, familiares e psicológicos.

E porque as causas são multifatoriais, o tratamento deve ser multidisciplinar. “A equipe que cuida de pacientes com transtornos alimentares envolve psiquiatras, nutricionistas e psicólogos especializados, podendo contar também com educadores físicos e terapeutas ocupacionais”, explica Romano. Muitas vezes pode haver a internação do paciente para facilitar sua recuperação.

A recuperação de pacientes com transtornos alimentares não é fácil e, para seu sucesso, o envolvimento da família é essencial. No caso de adolescentes, por exemplo, os pais devem servir de modelo para uma alimentação correta, devem compreender e apoiar emocionalmente os filhos quando ocorre alguma obsessão pela forma física ou compulsão por comida, assim como devem observar todos os excessos.

“Os pais devem estar atentos a todos os excessos, tanto da magreza quanto da obesidade, e também ter mais cuidado nas compras de supermercado e nos lanches e refeições fora de casa. E devem buscar ajuda ao primeiro sinal de alerta. Quanto mais cedo for identificado o transtorno, maior chance de recuperação e menos danos à saúde”, alerta Caldas.