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Médicos e pais comemoram autorização do CFM para prescrição de canabidiol

Katiele Fischer com a filha Anny Fischer, que tem a síndrome CDKL5, e conseguiu na justiça o direito de importar o canabidiol - Sérgio Lima/Folhapress
Katiele Fischer com a filha Anny Fischer, que tem a síndrome CDKL5, e conseguiu na justiça o direito de importar o canabidiol Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

11/12/2014 18h37

O CFM (Conselho Federal de Medicina) autorizou os médicos brasileiros a prescreverem o canabidiol (CBD), uma das substâncias presentes na maconha, para crianças e adolescentes com casos graves de epilepsia. Apesar da resolução ainda ser muito restritiva -- já que não permite que pacientes adultos ou com outras doenças possam usar a substância --, médicos e pais ouvidos pelo UOL acreditam que a resolução é um bom motivo para se comemorar.

"É algo para comemorar, pois vai ser benéfico para muitas crianças que necessitam do canabidiol. Os médicos poderão prescrever o canabidiol sem medo! São pequenos passos que devem ser dados até que a liberação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aconteça [para outros casos]", acredita Patricia Guisso, 38, mãe de Giovanna de Souza Guisso, 12, portadora da síndrome de Dravet -- tipo raro de epilepsia de difícil controle --, que atualmente faz uso de um medicamento à base de CBD.

De acordo com a resolução, médicos de todo o país poderão autorizar crianças e adolescentes a fazer uso da substância em casos de epilepsias refratárias, ou seja, quando a doença não responde a pelo menos dois medicamentos tradicionais. "Todo paciente testa muito mais de dois remédios, pois leva um tempo para que o médico possa verificar se ele respondeu ou não ao tratamento. A vantagem é que agora poderemos prescrever essa substância para pacientes que já testaram mais de 10 drogas, usaram estimuladores e até foram submetidos a cirurgias, mas ainda assim continuam tendo crises de epilepsia", afirma Adélia Henriques Souza, neurologista e presidente da LBE (Liga Brasileira de Epilepsia).

O conselho, no entanto, não permitiu o uso do canabidiol para casos de esquizofrenia e mal de Parkinson. "Os pacientes com essas condições -- que são semelhantes às da esquizofrenia -- também iriam se beneficiar muito se pudessem usar o CDB e há evidências suficientes para que eles possam utilizar esse medicamento. De qualquer forma, a decisão do CFM foi um avanço muito grande, que vai beneficiar muita gente", afirma Antônio Waldo Zuardi, professor titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão da USP (Universidade de São Paulo).

Para Zuardi, a decisão do CFM se baseou no fato de que os casos mais graves de epilepsia acontecem em crianças. "Tem adultos que também usam a medicação, no entanto, é entre as crianças e adolescentes que estão os casos mais graves da doença", diz.

A decisão regulamenta ainda a dose que poderá ser prescrita pelo médico. O CFM estipulou de 2,5 mg/kg até 25 mg/kg (dosagem máxima) em duas vezes ao dia. De acordo com os médicos ouvidos pelo UOL, a indicação de dosagem é a mesma adotada em evidências de vários estudos.

As regulamentações em excesso incomodaram Norberto Fischer, que precisou entrar na Justiça para conseguir importar o canabidiol para a filha Anne Fischer, e considera que a decisão avançou menos do que deveria. "A resolução tem muitas restrições, como a quantidade de doses diária, por exemplo, que poderá afetar a Annie, pois ela usa a substância três vezes ao dia. Ainda que tudo isso seja um avanço, fiquei decepcionado, pois achei que o CFM seria mais corajoso", lamenta Fischer.

Para prescrever o uso do derivado da maconha, o médico deverá ser da especialidade de neurologia (que abrange psiquiatras e neurologistas) e precisará efetuar um cadastro em uma plataforma online do conselho. "Essa delimitação é positiva, pois agora os médicos que acompanham o caso poderão prescrever canabidiol. Já teve casos de pacientes terem de comprar a receita com médicos de outras especialidades, pois o neurologista não poderia fazer a prescrição", afirma a presidente da Liga Brasileira de Epilepsia.

Além disso, o paciente que utilizar o canabidiol deverá assinar um termo de consentimento livre em que reconhece que foi informado sobre as possíveis opções de tratamento, mas que optou pelo derivado da maconha.

Esse sistema é a maneira que o CFM terá para monitorar o uso e conseguir a avaliar a segurança e os efeitos colaterais da medicação. Segundo a resolução, os médicos deverão enviar um relatório com periodicidade de até seis semanas para o conselho.

Agora, a dificuldade, na opinião da presidente da LBE, será com relação à dosagem prevista na resolução. "O canabidiol é um composto e sua composição muda de acordo com o local em que ele é vendido. Não existe um composto uniforme com a mesma concentração, como ocorre com um medicamento, portanto vai ser um desafio fazer esse manuseio", diz Adélia Henriques Souza.

Próximo passo

Para facilitar o acesso de toda população ao uso terapêutico do canabidiol, o próximo passo é que a Anvisa mude a classificação da substância. Hoje, ela é considerada uma droga de uso proibido. A expectativa é que o canabidiol entre na categoria de substâncias sujeitas a controle especial. Caso isso aconteça, o canabidiol poderá ser importado e encomendado de qualquer parte do mundo. O comprador, no entanto, ainda precisará da receita médica.

A agência discute a possibilidade de reclassificar a substância. O tema, inclusive, foi discutido em uma reunião da diretoria colegiada, realizada no dia 29 de maio, porém, não houve uma decisão terminativa sobre a questão.

Atualmente, a importação do CBD com fins medicinais recebe autorização após análise de cada caso. Procurada pelo UOL, a Anvisa informou que a decisão do CFM não altera os mecanismos criados pela agência para dar acesso ao medicamento, inclusive porque a prescrição é um dos critérios para a importação excepcional do produto. "A ação do CFM vem ao encontro e endossa o profissional, que assumia a responsabilidade de prescrever a substância proscrita (Canadibiol e/ou THC) sem qualquer respaldo do conselho", afirmou em nota.

A agência também destacou a criação de mecanismos para que as pessoas possam ter acesso a esses medicamentos sem demandas judiciais. Até o momento, a Anvisa recebeu 309 pedidos de importação do canabidiol (CBD), por meio do pedido excepcional de importação para uso pessoal. O prazo médio das liberações é de uma semana.

"Temos que usar todos os medicamentos disponíveis para tratar os pacientes. Estudos recentes feitos por Orrin Devinsky comprovaram que o uso do canabidiol diminuiu em 50% as crises epiléticas de 30% dos pacientes. No mínimo, 10% deles se livraram das crises. Ele obteve autorização do FDA (órgão que regulamenta alimentos e medicamentos nos Estados Unidos) para realizar um outro estudo maior para verificar os benefícios da substância em quem sofre de epilepsia”, afirma Adélia Souza.

De acordo com especialistas, o resultado desses estudos pode contribuir, e muito, para que mais pacientes tenham acesso ao canabidiol, já que para um medicamento seja aprovado na Anvisa é preciso uma série de estudos.