Eles tiveram depressão e medalharam: veja como atletas lidaram com a doença
Ao ver um atleta em um pódio, você pode pensar: "a vida dele é perfeita". Mas não é bem assim. A Rio 2016 teve vários exemplos de medalhistas que passaram por depressão em suas vidas. Uma das doenças mais frequentes em todo o mundo, a depressão afeta uma em cada dez pessoas, segundo estudo de 2014 da Organização Mundial de Saúde (OMS). E os esportistas são exemplo em dar lições sobre a doença para o resto dos "mortais".
Seja atleta ou funcionário público, o efeito da depressão sobre o ser humano é o mesmo e muitas vezes negligenciado pelo paciente. A exposição por parte de atletas faz a doença parecer mais "normal" para quem sofre e ainda incentiva a busca de ajuda. Para Yuri Busin, doutorando em psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, isto é vital.
"Não é porque ganha medalha que é perfeito. Eles mostram que todo mundo pode ser atingido por isso. E esse lado de mostrar que sentiu, foi buscar tratamento e conseguiu superar faz com que as pessoas consigam olhar e pensar 'não sou só eu' Yuri Busin
Não pense que só quem sai derrotado em uma Olimpíada, por exemplo, sofre: vencedores, como Michael Phelps, também passaram por depressão. Um estudo aponta que atletas não têm uma tendência maior a sofrer depressão, mas demoram mais a buscar tratamento por se acharem "invencíveis". Uma situação comum é até "depressão pós-Olimpíada", que afeta derrotados e vencedores.
"Isso pode acontecer por uma dificuldade de aceitação de algo, seja da frustração por não ter atuado como queria ou de um término de um clico e começo do outro. Esportista também pode ser mais cobrado e pressionado, vai se deparar com situações de frustração recorrente. Isso tudo é mais um gatilho para a depressão", explica Yuri Busin.
Veja casos de atletas que tiveram depressão e medalharam no Rio:
Michael Phelps - 5 medalhas de ouro e 1 prata na Rio 2016
Por que sofreu depressão?
Em 2009, após uma incrível Olimpíada em Pequim, a vida do norte-americano começou a ter polêmicas e problemas pessoais. Primeiro, uma foto do nadador fumando maconha causou um escândalo internacional. Três meses de suspensão de competições e o abandono de treinos não fizeram nenhum bem ao nadador, como relata a BBC.
O multicampeão paralisou o relacionamento com a água. Apesar de ainda assim ter grande sucesso em Londres, se aposentou logo depois dos Jogos para procurar alívio. Não adiantou: nem mesmo o dinheiro e o tempo livre que tinha serviram para livrar o ex-atleta de suas angústias. O fim do poço ocorreu em 2014, enquanto tentava voltar a nadar. "Eu estava no ponto mais baixo da minha vida. Sentia que tudo devia terminar", admitiu o nadador ao Today.
Como superou?
Em setembro de 2014, Phelps foi preso por dirigir alcoolizado e suspenso novamente das competições. O incidente o fez entrar uma clínica de reabilitação no Arizona especializada em problemas emocionais e vícios. As seis semanas que passou no local foram cruciais para o nadador se redescobrir, de acordo com ele mesmo. O nadador voltou a falar com seu pai, com quem cortou relações em 2004, e conseguiu voltar a dormir em paz.
Além de se reconciliar com a família, ainda pediu em casamento sua namorada. Tudo isso levou o nadador a voltar às piscinas. Poucos meses antes do Rio, ainda viu o nascimento do primeiro filho. As medalhas conquistadas após o ciclo olímpico em que se redescobriu e voltou a se cuidar foi a cereja do bolo em sua vida.
Diego Hypolito - uma medalha de prata na Rio 2016
Por que sofreu a depressão?
Diego Hypolito tem uma carreira conturbada, com frustrações olímpicas que terminaram em choro tanto em 2008 como 2012. Já mais velho, em 2013, foi demitido do Flamengo e obrigado a mudar de cidade: passou a treinar pelo Pinheiros, em São Paulo. A mudança fez mal ao atleta, que relatou ao UOL Esporte ter sentido o baque da diferença do estilo de vida carioca para o paulista.
Neste período de 15 meses, Diego teve depressão chegou a ser hospitalizado e perdeu 10 kg. Ansiedade e medos de atividades comuns eram corriqueiros na vida do ginasta, como entrar no elevador ou no carro. O atleta tomava antidepressivos e demorou para se reerguer.
Como superou?
Em entrevista ao Esporte Espetacular, da Rede Globo, o ginasta citou que fez uma avaliação interna do que acontecia consigo e foi buscar ajuda. Passou por terapia e chegou a ficar duas semanas internado em tratamento. Foi então que decidiu enfrentar os problemas de cabeça erguida para retomar a confiança e ser feliz.
Diego também percebeu que precisava de uma rotina mais saudável e se mudou para São Bernardo, em 2014, em busca de uma cidade menos "louca" e acelerada - além de estar a 40 minutos da praia. A mudança para São Bernardo foi um fator vital para Hypolito, mas uma equipe toda por trás ajudou o atleta: psicólogo, nutricionista, empresário, assessor, família...
Allison Schmitt - 1 medalha de ouro e 1 prata na Rio 2016
Por que sofreu depressão?
Após conquistar cinco pódios em Londres, a nadadora começou a sentir os primeiros sintomas da depressão, mas não conseguiu conversar com ninguém sobre o que acontecia. A situação só piorou a cada mês que passava: ansiedade, pânico e exaustão foram alguns dos sintomas sentidos. A nadadora tinha dificuldades em praticar o esporte e quase abandonou a carreira. Tudo piorou quando sua prima, com apenas 17 anos, cometeu suicídio em maio de 2015.
Como superou?
Desde o início de 2015, ainda antes do suicídio de sua prima, Schmitt começou a frequentar um psicólogo. Após a morte da parente, teve um choque emocional e começou a falar abertamente sobre a sua própria depressão e sobre a saúde mental de atletas. A nadadora percebeu que não poderia superar sua situação sozinha e recebeu apoio da família, treinador e amigos - inclusive o multicampeão Michael Phelps. Com o seu treinador, decidiu levar a vida dia após dia, de forma mais relaxada.
Rafaela Silva - uma medalha de ouro na Rio 2016
Por que sofreu a depressão?
Como relatou à Agência Brasil, a decepção com a Olimpíada de 2012 foi enorme para Rafaela. Mais do que a tristeza pelo favoritismo ter virado uma eliminação nas oitavas de final, a judoca sofreu críticas fortes e até racistas. Foi o gatilho para a atleta decidir parar de praticar o esporte e treinar. Muitas vezes, Rafaela comparecia ao centro de treinamento com cara de choro e apenas olhava os outros companheiros.
Como superou?
Rafaela começou um tratamento com a psicóloga Nell Salgado. Foi com o auxílio da terapeuta que a judoca conseguiu recuperar o foco e voltar a treinar. O primeiro grande resultado foi o título mundial em 2013. Ela conseguiu retomar a vida com menos pressão sobre si mesma e, bom, o fim da história deste ciclo olímpico todo mundo conhece.
English Gardner - uma medalha de ouro na Rio 2016
Por que sofreu a depressão?
Segundo a revista Sports Illustrated, a queda emocional da atleta começou em 2015 com um término amoroso, pouco após ela superar problemas em treinamentos e alcançar seus melhores tempos. O trauma romântico deu início a uma série de pensamentos negativos sobre a sua carreira e vida. Teve insônia, queda de apetite e perdeu um sexto de seu peso.
Como superou?
A mãe de Gardner percebeu em um Natal que a filha não estava bem. Além de mais magra, em uma noite, a atleta foi para o quarto dos pais chorando e dizendo que não conseguia respirar. A mãe tomou a decisão de acompanhar a filha até o outro lado dos Estados Unidos, onde a atleta treinava. O apoio da mãe, com seus quitutes alimentares, orações e o que mais era possível, foi crucial para Gardner, mas mesmo assim a ansiedade, insegurança e crises de choro seguiam.
A garota buscou apoio de todos os lados: mãe, pai, treinador, terapeuta, Deus... Em julho, na corrida classificatória para a Rio 2016, teve a sensação que não conseguia respirar corretamente, parou de sentir as mãos e os pés e começou a relembrar a frustração da seletiva de 2012. O ataque de pânico não foi suficiente para lhe tirar a vaga olímpica. Após a classificação, o choro correu solto, tudo pareceu valer a pena e, no Rio de Janeiro, Gardner voltou com uma medalha dourada para casa.
Poliana Okimoto - uma medalha de bronze na Rio 2016
Por que sofreu a depressão?
Após duas Olimpíadas em que chegou com chances de medalhas e ficou fora do pódio, a nadadora Poliana Okimoto sentiu o baque, como relatou à Folha. Em Londres, a tristeza foi maior por ter abandonado a competição com hipotermia. O fracasso e o excesso de cobrança sobre si mesma resultou em depressão que durou vários meses.
Como superou?
A estratégia para se recuperar foi tirar um pouco a pressão do dia a dia. Poliana afirmou à Band que passou a viver com mais tranquilidade e sem a obrigação de ser sempre vitoriosa, que se tornou em decepção em dois ciclos olímpicos consecutivos. Outro aspecto importante para a retomada da confiança foi o ouro no Mundial de 2013 da maratona aquática. A atleta diz que entrou na disputa da Rio 2016 "leve". Saiu dela com uma medalha no peito.
Anthony Erwin - duas medalhas de ouro na Rio 2016
Por que sofreu a depressão?
Com apenas 19 anos, Erwin conquistou sua primeira medalha olímpica de ouro, nos 50 m livre de Sydney, em 2000. Começo de uma carreira promissora? Não. Dois anos depois, desistiu do esporte e da faculdade, entrou em uma banda de rock e começou a viver a vida loucamente. No período, experimentou todos os tipos de drogas, variou de religião, dirigiu moto a velocidades acima de 200 km/h e sofreu depressão.
O caso chegou a uma tentativa de suicídio, quando tomou um vidro inteiro de tranquilizantes que costumava ingerir para a síndrome de Tourette, condição hereditária que é caracterizado por diversos tiques físicos e pelo menos um tique vocal. "Parte do que levou à angústia foi o bom desempenho, o tipo social de alegria que vem dos outros e você fica viciado nisso", disse Erwin à CBS.
Como superou?
A tentativa frustrada de suicídio foi um grande alerta para o nadador. Em entrevista ao Telegraph, ele cita que teve uma espécie de revelação com Deus em que renasceu de uma certa maneira. A vida dele começou a mudar após se distanciar do cigarro e das drogas, quando um amigo lhe ofereceu uma função em uma escola de natação para crianças de Nova York. Erwin ainda cita que fazer tatuagens foi uma forma de recuperar o controle sobre si mesmo.
Falido e vivendo na casa de amigos, perto da idade de 30 anos, o nadador começou a sair do fundo do poço em 2008, quando voltou para a faculdade. Em 2011, foi ainda mais longe: resolveu voltar a nadar. Logo de cara, conseguiu se classificar para Londres 2012 e terminou em quinto lugar nos 50 m livre. Com mais quatro anos de treino, fez o impossível no Rio de Janeiro: conseguiu dois ouros.
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