Topo

"Fui desrespeitada e ameaçada": mulheres denunciam violência em maternidade

Patrícia Mara da Silva, com as roupas do filho que morreu - Arquivo Pessoal
Patrícia Mara da Silva, com as roupas do filho que morreu Imagem: Arquivo Pessoal

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL

23/08/2017 04h00

"Cheguei ao hospital pronta para ter meu filho e viver o dia mais feliz da minha vida. Mas saí de lá com ele morto. Fui desrespeitada, ameaçada e ofendida de todas as formas possíveis.” Esse é o relato de Patrícia Mara da Silva, 37, tradutora, que denunciou o HCM (Hospital da Criança e Maternidade), de São José do Rio Preto SP), por suposta violência obstétrica.

Ela reuniu outras mulheres e levou a denúncia em maio até a Defensoria Pública, Ministério Público e Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Todas as instituições investigam o caso, que pode virar uma ação judicial.

Patrícia conta que, aos nove meses de gravidez, chegou ao HCM com contrações em agosto do ano passado. Ela queria ter parto normal e relata que o desrespeito começou logo após ser levada para o centro obstétrico.

“Cheguei com meu acompanhante e logo fomos separados e eu fiquei sozinha. Um homem que eu nunca vi me jogou na maca e começou a fazer exame de toque, que doeu muito. Foi violento”, relata.

Pedi remédio para a dor, mas como me neguei a fazer uma cesárea, ele disse que ninguém me atenderia nem me daria remédios.”

Ela acabou aceitando que a cesárea fosse feita. A criança foi retirada da barriga, mas, segundo os médicos, não conseguiu respirar sozinha e teve que ser reanimada, mas acabou morrendo.

“Eu fiz a cesárea porque fui ameaçada. E, com meu filho morto, me ameaçaram novamente para fazer a autópsia. Disseram que se eu não autorizasse ele ia ficar na geladeira e que eu não iria nem poder enterrá-lo”, conta.

Inconformada, Patrícia procurou a Delegacia da Mulher de Rio Preto, que abriu um inquérito para apurar as causas da morte de Daniel.

Segundo Dálice Ceron, responsável pela delegacia, a mãe da criança já foi ouvida formalmente e o próximo passo é a oitiva do médico que fez o parto. “Vamos ouvir o que ele tem a dizer, fazer as investigações, checar o prontuário e, se houver indícios de qualquer prática que pode ser considerada criminosa, vamos responsabilizar os responsáveis”, disse.

Hospital da Criança e Maternidade de São José do Rio Preto (SP) - Divulgação - Divulgação
Hospital da Criança e Maternidade de São José do Rio Preto (SP)
Imagem: Divulgação

O Hospital da Criança e Maternidade nega o caso de violência e informou que irá prestar todas as informações à delegacia. “A diretoria e profissionais estão plenamente convictos de que prestaram atendimento correto e humanizado a ela. E, em respeito à ética e ao sigilo médico que norteia a relação entre os profissionais do HCM e a paciente, não irá informar detalhes sobre o atendimento.”

O HCM disse ainda que “todos os seus profissionais empenham-se para oferecer o melhor atendimento a seus pacientes” e que, em pesquisa realizada pelo governo de São Paulo, a instituição foi premiada “como a melhor maternidade do Estado”, sendo a instituição “referência para gestação de alta complexidade, envolvendo pacientes com intercorrências como cardiopatias, doença hipertensiva da gestação, diabetes e outras complicações”.

Casos repetidos

Patrícia não teria sido a única vítima de violência obstétrica nesse hospital. Anadia Matos é outra mãe que afirma ter sido vítima do mesmo problema.

Anadia Matos diz ter sido vítima de violência no mesmo hopspital - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Anadia Matos diz ter sido vítima de violência no mesmo hospital
Imagem: Arquivo Pessoal
“Estou na minha segunda gestação. Na primeira, em setembro do ano passado, com sete semanas, tive um sangramento, fui até a emergência do HCM e fui atendida por uma médica que me machucou durante o exame de toque. Ela foi grosseira a ponto de eu ter ido embora sem continuar o atendimento. Ela não me explicou o procedimento e eu não sabia que poderia ter recusado [o exame]”, disse ela. 

Ela conta ainda que teve novo problema recentemente, em sua segunda gestação. Anadia diz que teve sangramento na sua 16ª semana de gestação. “A plantonista me tratou mal, me deitou na maca e começou a apertar minha barriga a um ponto que gritei de dor. Ela me ofendeu e ainda disse que ia ver se o coração ainda estava batendo. Nem eu falando que tinha vivido um aborto ela mudou a postura”, disse.

Sobre esse caso, o HCM informou que “para serem realizados exames complementares, é necessário antes que o médico faça o exame físico completo para decidir pela indicação ou não de exames complementares” e que “o HCM reitera que conta com profissionais médicos capacitados cujas atitudes colaboram para fazer do Hospital centro de referência em gestação, inclusive em procedimentos de alto risco”.

A Defensoria de São José do Rio Preto tem cinco denúncias contra o hospital, de acordo com a assistente social Sabrina Castellani. A defensoria aguarda respostas do hospital.

“[Foram] cinco formalizadas, mas houve muitas outras mulheres que nos procuraram. Muitas delas ficam tão traumatizadas que não querem nem recontar a história”, conta.

Sabrina diz que há mães que optam por não denunciar por medo de represálias.

“Muitas dessas mulheres continuam recebendo tratamento médico e acompanhamento no mesmo hospital e, por isso, acabam não denunciando. Elas acreditam que, quando o hospital tomar ciência, o tratamento pode ser diferente”, conta.

A reportagem localizou uma mãe que prefere não divulgar o nome por medo de ter problemas em outros atendimentos no hospital. Ela conta que sofreu exame de toque que doeu e que chegou a ser ofendida pelo plantonista, que afirmou que não iria atendê-la se ela não se dispusesse a fazer o parto normal. O caso aconteceu em abril e a criança acabou morrendo no parto. 

Procurado, o Hospital da Criança e Maternidade informou que não recebeu notificação alguma da Defensoria Pública do Estado de São Paulo sobre manifestações de gestantes atendidas pela instituição.