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"HIV não é o fim da vida. A minha começou ali", diz ativista soropositivo

Agência Aids
Imagem: Agência Aids

Da Agência Aids

19/10/2017 04h00

Essa é a história de algo que já estava escrito no destino. Ao menos é assim que Welton Gabriel Lima dos Santos diz. "É isso que significa Maktub: já estava escrito", explica enquanto mostra a palavra tatuada no braço esquerdo. Talvez essa seja a razão da serenidade que ele carrega no olhar e no sorriso largo. 

No dia 28 de junho de 2014, a vida dele virou do avesso. “Foi pá! Para tudo!”. Ele tinha 24 anos quando recebeu o diagnóstico. Procurou o hospital depois de tentativas frustradas de curar uma gripe. "Levei um exame de sangue pra casa tranquilamente, quando abri, deu HIV reagente".

Welton não estava apenas infectado com o vírus, como tinha desenvolvido a aids. "Pensei morri, já era, é o fim. A primeira visão que veio na minha cabeça é aquela imagem do Cazuza doente. Chorei por uns 5 minutos". E essa foi a primeira de três vezes, nesses três anos, que ele chorou por causa do HIV.

Começou a procurar matérias, pesquisas, artigos e tudo o que pôde para entender o que os profissionais de saúde, amigos e sociedade não sabiam, não podiam ou não queriam explicar. Até que no emaranhado de informações desencontradas de internet, Welton conheceu Diego Calixto, um ativista soropositivo. “Vi que ele era um jovem, bonito, saudável e pensei... peraí, como ele pode ter aids?”.

Diego simplesmente lhe disse “esquece tudo o que aprendeu até hoje”. 

Talvez tenha até se esforçado para enganar a mãe por alguns segundos. Tentativa frustrada. “Fui eu quem te colocou no mundo, menino, eu sei que não está tudo bem”, disse ela com a sabedoria de quem percebeu logo cedo que tinha algo errado por ali, e já emendou dizendo que estaria do lado dele. Sempre. Essa foi a segunda vez que Welton chorou.

Três meses depois Welton retornou ao médico e encontrou um rapaz que tinha acabado de ser diagnosticado HIV positivo. “Vi o desespero no olhar dele”. É no olhar que identifica que ele aprendeu o que dizer para todos os que acabaram de receber essa notícia: "Você está vendo o vírus em mim? Não. Então como vou deixar ele ser maior do que eu, se nem eu mesmo posso ver ele? Nós temos que controlar ele, e não deixar ele nos controlar".

Após seu tratamento, Welton não tem mais a doença, convive apenas com o vírus HIV. E encontrou a motivação para trabalhar como educador no Projeto Viva Melhor Sabendo Jovem. Lá, jovens são capacitados para realizar testes de HIV de fluído oral.

No projeto, diagnosticaram 32 casos. Para Welton, 32 chances de salvar vidas. Se tem algo que não fez durantes os três anos de HIV foi se vitimizar. “Pra que procurar ser vítima se você pode procurar ajudar outras pessoas?”

Quando decidiu assumir publicamente sua sorologia, muitos amigos se afastaram. Alguns se reaproximaram depois. "Assim que entrei em uma produtora de teatro, descobri o HIV. Fui demitido por isso, mas foi o primeiro e único preconceito que sofri." Foi na hora de contar para o próximo rapaz com que ainda viria a se relacionar que o coração angustiou. "Na hora pensei, meu Deus, ajudo tanta gente, mas agora a bomba é comigo". Welton conta que o rapaz perguntou por que estava tão quieto. 

Essa foi a terceira vez que chorou. E o rapaz respondeu, “por que você está chorando? É só a gente se cuidar.” E a partir daí Welton tomou a decisão. Contar para qualquer pessoa com quem começa a se relacionar. Não importa se é por uma noite, não importa se pretendem passar o resto de suas vidas juntos. 

Youtuber Gabriel Comicholi conta reação dos amigos quando soube que tinha HIV

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É por isso que Welton continua trabalhando no Barong, uma ONG focada na prevenção que leva informação para as ruas. Lá, ele faz testes e, quando positivo, ensina palavras novas àqueles que não conhecem esse universo em que acabaram de entrar. 

“Eu sou feliz. Só lembro que tenho HIV quando preciso falar que tenho HIV.” Não é à toa que optou por psicologia para chegar onde quer na vida profissional. 

Welton mostra que, às vezes, quando a vida vira do avesso é que ela fica do lado certo. Hoje, ele tem compromisso com os remédios. Meia-noite em ponto. Mas não só isso. Tem compromisso diário com as vidas que impacta. “Por que não ajudar o próximo com a informação que eu tive? Por que não fazer por outros, o que Diego fez por mim? O HIV não é o fim da vida. Minha vida iniciou ali. Maktub."