Triatletas fazem "ironman" real para cuidar de filho com síndrome rara
No dia 6 de julho de 2016, os triatletas brasileiros Carol Monteiro, 35, e Richard Wygand, 37, entraram juntos no maior "ironman" de suas vidas. É desta forma que os dois definem o nascimento de Luke, único filho do casal e que veio ao mundo com uma síndrome genética rara a miopatia nemalínica, que compromete seu desenvolvimento motor.
A doença atinge um a cada 57 mil nascidos, e foi uma surpresa até para os médicos norte-americanos que acompanharam os nove meses de gestação. Mãe e bebê, que moram na Flórida (EUA), eram considerados saudáveis até então.
Hoje, os pais travam uma luta em conjunto com outros pais contra a doença e fazem corridas e desafios esportivos para ajudar crianças com a mesma síndrome.
Descoberta no hospital
As dificuldades para a família Wygand começaram na UTI Neonatal do Joe Dimaggio Children's, um hospital de Wellington, onde vivem há dez anos. O trabalho de parto durou 28 horas, quase três vezes a mais que o tempo médio levado para superar 3.800 metros de natação, 180,2 quilômetros de ciclismo e mais uma maratona de corrida (42,2 quilômetros), etapas que compõem a prova de resistência dos homens de ferro.
A gravidez foi tranquila, mas com 38 semanas eu estava inchada demais e tivemos que tomar a dura decisão de induzir o parto. O Luke não tinha força para sair, teve de ser puxado com um fórceps e só foi ressuscitado no meu peito."
O drama continuou nos dias seguintes, com a transferência do bebê para a UTI de outro hospital, mais preparado para atender necessidades básicas do pequeno. Luke respirava e se alimentava por aparelhos e só abriu os olhos duas semanas depois de seu nascimento.
O diagnóstico só veio oito semanas depois do nascimento. Uma biópsia indicou que as fibras musculares estavam em quantidade insuficiente devido a uma alteração na estrutura do gene, quadro típico de miopatia congênita.
Gene com modificação causa fraqueza
Especialista do assunto no Brasil, a neuropediatra Juliana Gurgel explica que a síndrome nemalínica é um dos subtipos mais comuns das miopatias congênitas e se manifesta de diversas formas, dependendo de qual gene sofreu a modificação.
"Alguns casos começam graves desde o nascimento, como ocorre com o Luke, que tem bastante dificuldade na respiração, para engolir. Outros desenvolvem os sintomas ao longo da infância. Uma paciente minha descobriu já adulta, durante uma complicação de ordem muscular no pós-parto", afirma Gurgel.
A síndrome do filho mudou radicalmente a rotina de Carol e Richard. Os dois, que administravam uma empresa para quem queria fazer triato e corrida, tiveram que se mudar para um apartamento dentro do hospital, onde ficaram por três meses. Carol conta que assim que receberam o diagnóstico, ela e o marido passaram a pesquisar sobre a doença.
O casal conseguiu convencer a equipe do hospital a levar Luke para casa, que hoje tem uma mini UTI em seu quarto para dar continuidade ao tratamento e ajudá-lo na respiração e alimentação. No mesmo cômodo ele recebe quase que diariamente sessões com fisioterapeuta e fonoaudiólogo.
"Ele fica cansadinho, mas é muito forte. Cada movimento novo é uma conquista. Ele é nosso jedi", derrete-se a mãe, ao falar de seu Luke "Skywalker" Wygand.
Maratonas para melhorar tratamento de crianças
A luta diária do filho pela sobrevivência tem influenciado positivamente todos a sua volta. Liliane Monteiro, a avó materna que mora em Blumenau (SC) e acompanhou de perto a dedicação dos pais de Luke nos primeiros dias após o nascimento, lançou recentemente o livro intitulado "Diário de um Baby", pela Oficina das Letras. A obra é escrita em primeira pessoa e tenta imaginar como o neto enxerga a vida.
Richard criou recentemente a Fundação Go Luke Wygand, com o propósito de ajudar famílias que convivem com miopatias congênitas e conscientizar a sociedade para o incentivo de mais pesquisas sobre estas síndromes.
"A fundação já mobilizou uma corrida de 5 quilômetros em Wellington, que contou com um time #goLukeWygand e arrecadou recursos por meio das inscrições. Para os próximos meses temos agendada uma volta de ciclismo e uma outra corrida, de 3 quilômetros", conta o pai, que fará em junho de 2018 uma travessia de stand-up paddle por 320 quilômetros entre Key West e West Palm Beach.
O dinheiro arrecadado permitiu que a fundação comprasse uma mini-piscina para uma família da Dakota do Norte, possibilitando a terapia na água.
Além da fundação, Richard lançou também o Mindful Dads, com foco na relação de pais com crianças com necessidades especiais.
Para a pesquisadora, o envolvimento da família é fundamental para o desenvolvimento do paciente.
"São os pais e os parentes mais próximos que vão guiar o tratamento e proporcionar uma melhor qualidade de vida. Tem que monitorar a respiração, estimular o movimento, ajudar com necessidades básicas, cuidados que só são possíveis com quem convive com a pessoa 24 horas por dia", explicou a médica, que integrou uma equipe de pesquisadores, responsáveis pela elaboração de um guia sobre miopatia congênita voltado para orientação das famílias.
A síndrome ainda não tem cura, de acordo com a especialista. Outro ponto destacado por ela é o fato de a doença atingir somente a atividade motora, não afetando o intelecto.
"Isso é importante ter em mente. O paciente pode ser estimulado na sua capacidade cognitiva. São crianças que podem ter uma vida produtiva, se estimulados".
Na água, Luke movimenta braços e pernas. Outro avanço é que ele consegue movimentar o pescoço sozinho. Sinais que motivam o casal a encarar "o maior ironman de suas vidas" dando valor às pequenas conquistas.
"Quando me pedem desculpas, ou se sentem mal pela nossa história, explicamos que o Luke é a maior benção de nossas vidas e que não mudaríamos nada. Ele nos ensina diariamente o que realmente importa", emociona-se Richard.
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