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Médicos recebem carta sobre overdose de pacientes e reduzem opioides

OxyContin, medicamento para a dor, com base em opioides - REUTERS/George Frey
OxyContin, medicamento para a dor, com base em opioides Imagem: REUTERS/George Frey

Carla K. Johnson

Da Associated Press

10/08/2018 17h23

Em um experimento inédito, médicos receberam uma carta do escritório de um legista informando sobre a overdose fatal de um de seus pacientes. A resposta para isso: eles começaram a prescrever menos opioides.

Outros médicos, cujos pacientes também sofreram uma overdose, não receberam cartas. Sua prescrição de opiáceos não mudou.

Mais de 400 cartas do programa "Caro Doutor", enviadas no ano passado no condado de San Diego, na Califórnia, faziam parte de um estudo que, segundo os pesquisadores, colocam um rosto humano na crise dos opiáceos dos EUA para muitos médicos.

"É uma coisa poderosa para aprender", disse o pesquisador de políticas públicas da Universidade do Sul da Califórnia Jason Doctor, principal autor do artigo publicado na revista "Science".

Os pesquisadores usaram um banco de dados do estado para encontrar 861 médicos, dentistas e outros que prescreveram opioides e outros remédios de risco para 170 pessoas que morreram de overdose envolvendo medicamentos prescritos. Grande parte dos estados possuem bancos de dados semelhantes para rastrear a prescrição de drogas perigosas, em que os médicos podem verificar as prescrições anteriores dos pacientes.

A maioria das mortes envolveram analgésicos opioides, muitos tomados em combinação com medicamentos ansiolíticos. Em média, cada pessoa que morreu recebeu prescrições de drogas perigosas provenientes de cinco a seis pessoas diferentes no ano anterior à sua morte.

Metade dos médicos recebeu cartas que começaram com: "Esta é uma comunicação de cortesia para informar que seu paciente (nome, data de nascimento) morreu em (data). A overdose de prescrição de medicamentos foi a principal causa de morte ou contribuiu para a morte".

As cartas ofereciam orientação para uma prescrição mais segura. O tom foi de apoio: "Aprender sobre a morte do seu paciente pode ser difícil. Esperamos que você tome isso como uma oportunidade" para evitar futuras mortes.

Então os pesquisadores observaram o que aconteceu durante três meses.

Quem recebeu as cartas reduziu a média de prescrição diária de opioides --medida de forma padrão, equivalentes a miligramas de morfina-- em quase 10% em comparação aos médicos que não receberam cartas. A prescrição de opioides no grupo sem as cartas não mudou.

Os médicos que receberam as cartas colocaram menos novos pacientes em prescrição de opiáceos do que aqueles que não receberam cartas. Eles também realizaram menos prescrições de opiáceos em altas doses.

A estratégia é original, útil e pode ser duplicada em outros lugares, disse o especialista em medicina da dor David Clark, da Universidade de Stanford, que não esteve envolvido no estudo. Ele ficou surpreso que o efeito da carta não tenha sido maior.

"Pode ter sido fácil para os médicos acharem que a prescrição de outra pessoa que colocou o paciente em apuros", disse Clark, acrescentando que mudar o tratamento de um paciente leva tempo, exigindo "conversas muito difíceis".

A prescrição de opioides vem caindo nos EUA por vários anos em resposta à pressão de sistemas de saúde, seguradoras e reguladores.

No entanto, as mortes continuam aumentando. Quase 48 mil americanos morreram de overdose de opiáceos no ano passado, segundo números preliminares divulgados no mês passado, um aumento de 12% em relação ao ano anterior.

O fentanil ilegal, outro opioide, é o principal causador de mortes, superando os analgésicos e a heroína. O principal autor do estudo disse que reduzir o número de opiáceos prescritos irá, ao longo do tempo, fechar uma porta de entrada para drogas ilícitas, reduzindo o número de pessoas dependentes.

O estudo não analisou se as mortes foram causadas por prescrição inadequada ou se as mudanças na prescrição resultaram em mudanças para melhor ou pior nos pacientes.

Essa é uma falha em um estudo cuidadosamente realizado, disse o pesquisador de vício Stefan Kertesz, da Universidade de Alabama, em Birmingham, que levantou sinais preocupantes sobre políticas que levam os médicos a tirar pacientes de opiáceos de maneira muito rápida e sem um plano para tratar o vício.

Os pacientes podem cair em desespero ou contemplar o suicídio se forem involuntariamente retirados dos opióides sem apoio, disse ele.

"O que realmente acontece com os pacientes deve ser nossa preocupação, em vez de apenas diminuir um número", disse Kertesz.

A coautora do estudo, Roneet Lev, chefe de medicina de emergência do Hospital Scripps Mercy, em San Diego, descobriu seu próprio nome nos dados.

Lev prescreveu 15 analgésicos opiáceos a um paciente de emergência com uma órbita quebrada, sem saber que o paciente recebeu 300 analgésicos de outro médico um dia antes. Lev não recebeu a carta "Caro Doutor" porque a morte do paciente ficou fora do cronograma do estudo, de julho de 2015 a junho de 2016.

Ainda assim, ela sentiu o impacto e acredita que poderia ter feito melhor. "Foi uma oportunidade de olhar para todos os registros do paciente e dizer: 'Uau, estou muito preocupada com você'", afirmou.