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Rio fechou 48% de vagas na rede pública para consultas sobre câncer

Entrada do Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), no Rio - Fábio Teixeira/UOL
Entrada do Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), no Rio Imagem: Fábio Teixeira/UOL

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

15/08/2018 19h31

Um levantamento feito pela Defensoria Pública da União aponta que o estado do Rio de Janeiro fechou 48% das vagas disponíveis para a primeira consulta oncológica em âmbito federal –-esta é a principal porta de entrada para tratamento de câncer na rede pública. Os números se referem ao período de janeiro de 2016 a agosto de 2018.

Ainda de acordo com o estudo feito pelo órgão, as unidades federais de saúde concentram um déficit de 5.800 funcionários e mais de mil pessoas aguardam na fila à espera de consultas, cirurgias e tratamentos.

Os dados confirmam a agonia do aposentado Francisco de Souza, de 90 anos. Segundo sua família, o idoso foi diagnosticado com câncer de próstata em 2015 e até hoje não conseguiu tratamento.

"Ele sente dor ao urinar e convive com o aumento de volume da próstata. Isso há mais de dois anos. Chegaram a perder a biópsia que ele fez. Teve de entrar na fila do exame de novo. Uma tortura para buscar tratamento. Acabo o levando sempre na clínica da família para ser medicado e tentar reduzir a dor", conta a filha do aposentado Neide de Souza.

Ricardo - Divulgação - Divulgação
O aposentado Ricardo Batista de Souza, 68, morreu esperando atendimento oncológico
Imagem: Divulgação
No último sábado, outro caso exemplificou a demora e o descaso no estado. O ajudante de caminhão aposentado Ricardo Batista de Souza, 68, morreu esperando atendimento.

Há dois meses, ele foi à Clínica da Família de Irajá, na zona norte, onde foi informado que deveria marcar uma consulta oncológica devido à suspeita de um câncer de pulmão. No entanto, morreu antes mesmo de ser atendido.

"É tudo tão difícil que nem conseguimos confirmar o diagnóstico. Nem isso conseguiram fazer pela gente", afirmou Eunice de Oliveira, prima de Ricardo. 

Descumprimento da lei

A pesquisa, feita com dados do SER (Sistema Estadual de Regulação) do último dia 10 de agosto, mostra que os serviços que tratam tumores urológicos, como o caso do aposentado Ricardo Batista, tem 410 pacientes na fila para iniciar o tratamento.

O primeiro da lista foi inserido no sistema em 1º de junho, há 76 dias, descumprindo a Lei dos 60 dias, que determina o intervalo máximo de tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento. A determinação também é violada em outras três especialidades: mastologia (mama), cirurgia torácica oncológica e câncer de tireoide.

De acordo ainda com o estudo, em muitos casos, a taxa de sobrevida do paciente é inferior a 30%.

Para o defensor federal Daniel Macedo, o Rio vive a pior crise na saúde desde 1988.

"A consequência mais perversa desta discrepância é a retirada do tempo de cura do paciente, afrontando toda uma estruturação de princípios, direitos e deveres constitucionais", afirmou. 

O relatório mostra que, à medida que diminui a possibilidade de atendimento, cresce a "judicialização" das demandas de saúde.

Segundo os dados apresentados, o número de mandados judiciais para obter consultas e transferência cresceu 43,1% entre 2016 e 2017.

Foi analisada a oferta de atendimento em seis hospitais e dois institutos: Hospital Federal de Bonsucesso, Hospital Federal do Andaraí, Hospital Federal Cardoso Fontes, Hospital Federal de Ipanema, Hospital Federal da Lagoa, Hospital Federal dos Servidores do Estado, Instituto Nacional do Câncer (Inca) e Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).