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Programa Saúde da Família tem repasses federais congelados há 6,5 anos

UBS em Pilar, na Grande Maceió, atendida pelo Programa Saúde da Família - Divulgação
UBS em Pilar, na Grande Maceió, atendida pelo Programa Saúde da Família Imagem: Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

03/12/2018 04h00Atualizada em 04/12/2018 14h01

Criado em 1994 para ser a porta de entrada da população no atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a Estratégia de Saúde da Família, anteriormente conhecido como PSF (Programa Saúde da Família), enfrenta a saída dos médicos cubanos e o congelamento dos repasses federais há seis e meio.

Ainda assim, o programa continua avançando para áreas mais pobres e remotas do país, atendendo dois em cada três brasileiros.

Desde sua criação, o PSF segue uma curva de crescimento em número de equipes, especialmente a partir de 2013, quando houve a criação do programa Mais Médicos para enviar profissionais a locais que não conseguiam contratar pessoal qualificado.

Segundo o Ministério da Saúde, em setembro deste ano existiam 43.639 equipes habilitadas de saúde da família atendendo 134 milhões de pessoas. É o equivalente a 65% da população brasileira, ou o maior índice já registrado pelo programa.

Mas o pagamento dessas equipes é um desafio aos combalidos cofres dos municípios, que são os responsáveis pela execução da iniciativa.

Como pagar a conta?

Existem dois tipos de financiamento federal para custear o serviço: um para as equipes habilitadas --e médico contratado pelo próprio município-- e outro para os lugares que solicitaram profissionais do Mais Médicos.

Sem profissional do Mais Médicos, o município pode receber dois valores de acordo com seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Para os municípios mais pobres, o valor é de R$ 10.695 por equipe; para os de maior índice são R$ 7.130.

Para os municípios que participam do programa Mais Médicos, o valor é maior, porque o Ministério da Saúde paga diretamente ao médico uma bolsa no valor de 11.244. O município recebe R$ 4.000 para apoio.

Segundo a CNM (Confederação Nacional dos Municípios), em média, uma equipe de saúde da família custa aos cofres municipais R$ 45 mil mensais.

"Esses os valores repassados não são suficientes para custeio da equipe, e os municípios entram com a maior parcela", afirma Leopoldina Feitosa, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Piauí --estado com maior cobertura da população com o PSF: 99%.

"Além do médico, há o enfermeiro, dois técnicos, uma pessoa para limpar o posto, três para vigiar, motorista, uma pessoa para a farmácia e as contas de água, energia, internet e material", explica.

UBS em Pilar, na Grande Maceió, atendida pelo Programa da Saúde da Família - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Médicos impõem condições, diz secretário

A situação se torna ainda mais grave nos estados com maior área, como os da região Norte, onde muitas equipes atuam em áreas remotas e de difícil acesso.

Segundo Charles Tocantins, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Pará, o baixo repasse não permite que as prefeituras façam investimentos para melhoria nos postos.

Entretanto, é na falta de médicos que está o maior problema das cidades mais pobres. "O deslocamento dos profissionais para fixação é difícil. A nossa formação médica é muito dissociada da pobreza", afirma.

Segundo o presidente, se o município tem dificuldade de alocar um profissional do Mais Médicos, precisa negociar diretamente com os médicos brasileiros. Normalmente eles cobram salários altos e impõem condições.

"Quando a gente diz que o médico precisa ir para um local remoto, com deslocamento longo, ele muitas vezes não aceita a vaga. Os municípios tentam então contratar alguém, mas não conseguem pagar os salários pretendidos. Há locais que já estão sem médicos, e outros que ficarão agora", conta.

Mesmo as cidades metropolitanas precisam transferir verba para manter as equipes e postos em dia. É o caso de Pilar, na Grande Maceió, onde o PSF atende 100% da população. A prefeitura diz que há comprometimento de outras áreas para manter as equipes atuando.

"Temos utilizado aportes financeiros na ordem de 25% para conseguir cumprir com as atuais obrigações, o que significa submeter o restante das políticas públicas a dificuldades", explica o secretário municipal de Saúde, Marcelo Omena.

Solução pode ser remuneração diferenciada

Para o diretor de exercício profissional da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), Rodrigo Lima, o Mais Médicos errou ao não contribuir para provimento de profissionais nas cidades mais remotas. "Todos os países com grande extensão territorial têm esse mesmo problema. E como resolvem? Com remuneração diferenciada para quem vai trabalhar nesses locais", diz. 

"O Mais Médicos errou ao oferecer a um médico que está num município de 10 mil habitantes o mesmo valor pago a um médico que está em Brasília, onde eu trabalho. Não faz sentido", completa.

"Mesmo com a carência de estrutura, a gente já conseguiu expandir o atendimento para mais de 60% da população."

Mesmo com essas dificuldades, Lima afirma que vários estudos demonstram melhorias em índices de saúde nas cidades com maior cobertura do PSF. "Um desses estudos mostrou que o PSF é a segunda política mais importante para a redução de mortalidade infantil. Só perdeu para alfabetização da mãe, ganha até de água potável", afirma.

O que diz o ministério?

Em resposta ao UOL, o Ministério da Saúde confirmou que os valores pagos aos municípios são os informados pelo Conasems, mas afirma que estão congelados desde maio de 2012. Segundo a pasta, o dinheiro destinado ao todo para a atenção básica cresceu ao longo dos últimos anos. Em 2010, o ministério diz que investiu R$ 9,8 bilhões, enquanto em 2018 está previsto aporte de R$ 21,8 bilhões. 

"Cabe ressaltar que, diante da dificuldade relatada pelas prefeituras de arcar com salários que podiam chegar a R$ 30 mil mensalmente por médico, o Mais Médicos veio para garantir e ampliar o número de profissionais na atenção básica, tanto para compor equipes de saúde da família que estavam sem o médico como para atender em unidades básicas em que gestor tinha dificuldade de contratação", explicou.

O ministério ainda afirma que, desde 2006, há outras iniciativas que aumentaram o repasse financeiro para a atenção básica.

Sobre melhora dos índices, o ministério diz que estudos mostram que localidades com maior cobertura de atenção básica têm "melhores resultados, como menores taxas de mortalidade infantil; de mortalidade precoce (exceto causas externas); de mortalidade por doenças cardiovasculares; e diminuição das internações sensíveis à atenção ambulatorial". 

"Também relatam que quanto maior a cobertura, maior a expectativa de vida, a precisão nos diagnósticos, a adesão aos tratamentos indicados e a satisfação dos usuários do sistema. Reportam, ainda, mais chances de reduzir as desigualdades sociais e melhor reconhecimento dos problemas e necessidades de saúde", diz.

Tamanho das equipes do Programa de Saúde da Família

  • Em 1994: 328 equipes
  • Dezembro de 2002 (fim do governo FHC): 15.867 
  • Dezembro de 2010 (fim do governo Lula): 32.243
  • Junho de 2013 (Criação do Mais Médicos): 34.650
  • Setembro de 2018: 43.639
Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado no título e no texto, o congelamento de repasses federais no programa Estratégia de Saúde da Família, anteriormente conhecido como PSF (Programa Saúde da Família), acontece há seis e meio, não 11 anos, como foi informado. A reportagem foi corrigida.