Topo

Brasil demora para somar casos locais e divulga dados defasados de covid-19

Carolina Marins e Felipe Amorim

Do UOL, em São Paulo e em Brasília*

14/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Estados chegam a divulgar novos casos até 23 horas antes do Ministério da Saúde
  • Cabe às secretarias enviar dados para atualização do boletim nacional
  • Segundo Mandetta, discrepâncias não afetam tomada de decisões do governo federal

Discrepâncias entre os números informados pelo governo federal e pelos estados evidenciam a defasagem nos dados oficiais do coronavírus no Brasil. Por conta da demora na tramitação oficial das informações cadastradas pelos estados na plataforma federal, há mais casos no país do que o informado no boletim oficial.

A situação é mais sensível em São Paulo e no Rio de Janeiro, estados com maior número de pacientes. Com a diferença de apenas uma hora entre e a divulgação federal (às 16h) e a de alguns estados (às 17h), os números chegaram a ser divulgados até 23 horas antes de o Ministério da Saúde publicar o balanço.

Na noite de quinta, só o hospital Albert Einstein informou 98 pacientes com o vírus na noite de quinta. O número é o mesmo informado pelo Ministério da Saúde no dia seguinte, porém contabilizando todo o território nacional.

O desencontro nos números tem sido tão recorrente que, na quinta-feira (12), o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, anunciou dois casos em Pernambuco que não constavam dos 60 do boletim divulgado durante entrevista coletiva do governo federal.

Janela de atualização

"Nós simplesmente consolidamos às 16h o número informados pelos estados", explicou ao UOL o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre a defasagem entre os números.

"No começo fazíamos centralizado porque estávamos em altíssima vigilância, procurando o primeiro caso. Depois que começaram a haver os casos, passa a ser os estados."

Desde 29 de fevereiro, o ministério alterou o fluxo de consolidação dos casos e passou a treinar os estados para consolidar casos suspeitos e repassar ao governo federal. Como até então o ministério da Saúde reanalisava todas as notificações, os estados ganharam autonomia para analisar e divulgar casos confirmados por conta própria.

Assim, em cada estado, cabe à secretaria de saúde local coletar as notificações dos casos informados por hospitais, públicos e privados, e pelas secretarias municipais e reportar esse conjunto de informações para o boletim nacional, que é atualizado ao longo do dia, em diferentes horários.

A partir da compilação desses dados, suspeitos e confirmados, o Ministério da Saúde consolida o boletim nacional.

"Para nós é o consolidado às 16h. Se entrar à noite, ele só entra no outro dia", explicou.

Tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, as secretarias de saúde justificam que, ao meio-dia, são enviados à plataforma federal os dados recebidos dos hospitais e secretarias municipais. O desencontro temporário nos números se deve aos novos casos confirmados entre esse horário-limite e a divulgação feita ao público no final da tarde.

Segundo o secretário de Vigilância em Saúde, como a contabilização não é automática, "há um atraso entre o resultado e a atualização da tabela".

Atraso não impacta reação à pandemia, diz pasta

Questionado pelo UOL, Mandetta afirmou que a defasagem nos dados oficiais não afeta a tomada de decisões do governo federal. "Quem pode precisar desses números just in time [em tempo real] é a cidade, no SUS quem faz é a cidade", disse. Segundo ele, o papel da União é consolidar os dados e auscultar os estados em suas necessidades.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, também afirma que o atraso na atualização dos dados não causa nenhum prejuízo ao planejamento das políticas públicas ou ao fornecimento de informações à população.

Segundo Gabbardo, o Ministério da Saúde tem conseguido atualizar a plataforma em periodicidade menor que a adotada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que atualiza o balanço mundial de casos a cada 24 horas.

"A Organização Mundial da Saúde faz isso a cada 24 horas. Regularmente nós estamos fazendo isso com uma velocidade maior", disse Gabbardo.

"Não muda nada o fato de o caso ter sido notificado agora e entrar amanhã, não vai mudar absolutamente nada", afirma o secretário.

A diferença de tempo na atualização dos dados ocorre, segundo Gabbardo, porque o site do Ministério da Saúde é atualizado a partir das notificações enviadas pelos estados. É preciso que a pasta receba os dados compilados de cada estado para que as informações apareçam no site com o boletim nacional sobre o coronavírus.

Países adotam boletins diários

Apesar de a atualização diária criar um intervalo de defasagem de até 24 horas, este é o procedimento internacional utilizado pelos países mais atingidos pelo vírus, como China, Itália e Coreia do Sul.

Como o Brasil, cada um desses países disponibiliza um boletim diário com a atualização do número de casos confirmados, curados e mortes, especificando a região. A diferença entre eles se dá pelos dias de atualização (diariamente ou só durante a semana) e a hora da divulgação.

A China e a Itália, dois principais focos do vírus no mundo, lançam boletins diários, inclusive em fins de semana. Na China, o relatório é divulgado à tarde com informações até a meia-noite do dia anterior. Já o relatório italiano é divulgado todo dia às 18h com informações do dia anterior e defasagem semelhante à brasileira.

Nos Estados Unidos, a atualização chega a demorar até mais a depender do dia, visto que os boletins são divulgados apenas de segunda a sexta. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças do País (CDC, na sigla em inglês) explica que os números são compilados até as 16h do dia anterior.

A Coreia do Sul também passou a adotar atualização em dias de semana, mas começou um pouco mais tarde: só a partir da última quinta-feira (12).

De acordo com os respectivos ministérios da Saúde e órgãos responsáveis, os números são enviados às federações pelas províncias e estados, como no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, são 46 dos 50 estados, além do distrito da capital Washington.

*Com colaboração de Lucas Borges Teixeira, em São Paulo