Topo

Ex-ministros apontam risco de colapso na ciência: 'Rumo ao obscurantismo'

Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia - Eduardo Anizelli/Folhapress
Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

02/03/2021 10h01

Onze ex-ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação divulgaram hoje um manifesto em que relatam preocupação com os "graves cortes orçamentários propostos para 2021 de programas estratégicos" e alertam para o "risco de colapso de instituições do Sistema Nacional de CT&I" —o que consideram um "retrocesso sem precedentes" na história das políticas nacionais.

No texto, eles citam que a proposta orçamentária para 2021 tem uma redução dos investimentos públicos de R$ 75 bilhões em 2014 para R$ 25,1 bilhões (a preços de 2020).

A principal perda, dizem, está justamente no ministério, com queda de 26% em relação a 2020.

"Os recursos discricionários, onde se materializam as políticas setoriais, despencam de R$ 8,7 bilhões em 2014 para R$ 2,7 bilhões em 2021 (a preços de 2020). O CNPq, com recursos que diminuem a cada ano, terá apenas R$ 22 milhões para fomento à pesquisa em todo o país em 2021, além de uma redução de 10% nos programas para bolsas. A perda na Capes é drástica, os recursos orçamentários despencaram de R$ 7,7 bilhões em 2015 para R$ 2,9 bi em 2021", pontuam.

As universidades e institutos federais também são lembrados no texto. Segundo eles, essas instituições acumulam uma queda progressiva em seus recursos nos últimos anos.

Momento inadequado

Os ex-ministros dos governos Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff afirmam que, enquanto países desenvolvidos reforçam suas políticas na área, o Brasil caminha a "passos largos na direção do obscurantismo —mediante a negação da ciência, recuo na formação de recursos humanos e declínio da inovação no setor produtivo".

Com enorme empenho, nas últimas décadas, qualificamos significativo corpo de pesquisadores, que tem atuado na fronteira do conhecimento e que projetou o Brasil como 14º maior produtor de ciência mundial, posição hoje ameaçada. Nem mesmo as piores previsões poderiam projetar tal cenário.
Trecho do manifesto de ex-ministros da Ciência e Tecnologia

Eles citam que um maior grau de investimento no setor se faz necessário diante de uma perspectiva de ascensão e ampliação da digitalização, com a disseminação da tecnologia 5G e da indústria 4.0.

"Sem ciência não há inovação. Sem inovação não há desenvolvimento. A impressionante resposta, rápida e efetiva, dos sistemas nacionais de pesquisa e inovação aos desafios da pandemia do covid-19 —não apenas no desenvolvimento e produção de vacinas, mas na oferta de novas tecnologias digitais— evidenciou a relevância de fortalecer a CT&I como um dos eixos da retomada do crescimento econômico, com sustentabilidade ambiental e equidade social, no mundo e no Brasil", dizem.

Os ex-ministros defendem ainda que o momento requer uma visão de longo prazo e avanço urgente dos investimentos públicos e empresariais na área. Garantem também que os retornos sociais e econômicos serão "reconhecidamente muito elevados".

"Por décadas e em diferentes governos, o Brasil buscou colocar a educação e ciência em prol da soberania nacional, hoje ameaçada por uma desastrosa política. Temos presenciado ações que terão como resultado, além da séria crise social, a redução da competitividade da economia nacional, a perda de emprego e renda, como levarão a gargalos que inviabilizarão a recuperação econômica e produção de um novo ciclo de crescimento", diz o manifesto.

Os ex-ministros citam também que há um desmonte das instituições públicas e redução da capacidade do Estado em enfrentar a crise atual.

"Lamentavelmente, com mais de 250 mil vidas perdidas para o covid-19, testemunhamos a displicência e insensibilidade com que o governo trata a questão. Apesar dele, presenciamos com alívio, a resposta do SUS, dos laboratórios nacionais, das empresas e, notadamente, o enorme esforço dos profissionais da saúde e da comunidade científica no compromisso incansável para com a vida, na busca de soluções para a grave crise sanitária, mas ainda há muito a ser feito e a sociedade não pode esperar."

Por fim, eles pedem ao Congresso Nacional e à sociedade uma mobilização em defesa da educação, da ciência, tecnologia e inovação.

"É urgente vencermos o obscurantismo, através da valorização da produção de conhecimento nacional. O conhecimento científico e a educação devem ser colocados no centro das questões nacionais e revalorizados como alavancas para o crescimento econômico, reindustrialização e redução da pobreza, buscando uma economia ambientalmente sustentável e solidária."

Quem assina o manifesto

  • José Goldemberg
  • José Israel Vargas
  • Luiz Carlos Bresser Pereira
  • Ronaldo Sardenberg
  • Roberto Amaral
  • Sergio Machado Rezende
  • Aloizio Mercadante
  • Marco Antonio Raupp
  • Clélio Campolina
  • Aldo Rebelo
  • Celso Pansera