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Ebola se instala no olho de médico semanas após tratamento contra o vírus

Ebola alterou a cor do olho do dr. Ian Crozier de azul para verde - Emory Eye Center via The New York Times
Ebola alterou a cor do olho do dr. Ian Crozier de azul para verde Imagem: Emory Eye Center via The New York Times

Denise Grady

08/05/2015 15h18

Quando recebeu alta do Hospital da Universidade Emory em outubro, após uma luta longa e brutal contra o ebola que quase custou sua vida, a equipe médica do dr. Ian Crozier achou que ele estava curado. Mas, menos de dois meses depois, ele estava de volta ao hospital com perda de visão, dor intensa e pressão crescente no olho esquerdo.

Os resultados dos exames foram assustadores: o interior do olho de Crozier estava repleto de ebola.

Seus médicos ficaram surpresos. Eles consideraram a possibilidade de o vírus ter invadido seu olho, mas realmente não esperavam encontrá-lo. Meses tinham se passado desde que Crozier havia adoecido enquanto trabalhava em uma ala de tratamento do ebola em Serra Leoa como voluntário para a Organização Mundial da Saúde. Quando ele deixou o Emory, seu sangue estava livre do ebola. 

Apesar de o vírus poder persistir no sêmen por meses, acreditava-se que outros fluidos do corpo estivessem limpos após a recuperação do paciente. Quase nada se sabia sobre a habilidade do ebola de se esconder dentro do olho. 

Apesar da infecção dentro do olho, as lágrimas de Crozier e a superfície de seu olho estavam livres do vírus, de modo que ele não oferecia risco para alguém que tivesse contato casual com ele. 

Mais de um ano após a epidemia no oeste da África ter sido reconhecida, os médicos ainda estão aprendendo sobre o curso da doença e seus efeitos duradouros nos sobreviventes. Informação sobre as consequências do ebola eram limitadas porque os surtos anteriores foram pequenos: não mais que poucas centenas de casos, frequentemente com taxas de óbito de 50% a 80%. Mas agora, com pelo menos 10 mil sobreviventes na Guiné, Libéria e Serra Leoa, padrões estão vindo à tona. 

Crozier, 44, chama a si mesmo pesarosamente de exemplo da "síndrome pós-ebola". Além do problema no olho, ele sofre com uma dor debilitante nos músculos e nas juntas, fadiga profunda e perda da audição. Problemas semelhantes estão sendo relatados no oeste da África, mas não está claro quão comuns, severos e persistentes eles são. Há relatos de sobreviventes que ficaram completamente cegos ou surdos, mas são anedóticos e não confirmados. 

Os médicos dizem que problemas nos olhos, por ameaçarem a visão, são a parte mais preocupante da síndrome e que mais urgentemente precisam de atenção. A condição de Crozier, uveíte –uma inflamação perigosa dentro do olho–, também foi diagnosticada em pessoas no oeste da África que sobreviveram ao ebola. 

No auge da epidemia, os trabalhadores de saúde estavam sobrecarregados demais com a doença para se preocuparem com os sobreviventes. Mas, com o passar da epidemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a colher informação para ajudar aqueles que não se recuperaram plenamente, disse o dr. Daniel Bausch, consultor sênior da OMS e um especialista em doenças infecciosas da Universidade de Tulane. Ele acrescentou que os relatos de problemas nos olhos eram uma preocupação em particular. 

"É algo importante que precisamos estudar e fornecer apoio", disse Bausch. 

Mas é difícil achar oftalmologistas no oeste da África, e apenas eles contam com perícia e equipamento para diagnosticar condições como a uveíte, que afeta as câmaras interiores do olho.

Quando o problema no olho de Crozier começou, ele e a equipe do Emory suspeitaram que o ebola tivesse enfraquecido seu sistema imunológico e o deixado vulnerável a outro vírus que invadiu seu olho, talvez um tratável com um medicamento antiviral. 

Assim, o dr. Steven Yeh, um oftalmologista, perfurou o olho de Crozier com uma agulha da espessura de um fio de cabelo, extraiu algumas poucas gotas do fluido de sua câmera interna e as enviou ao laboratório. Os resultados foram chocantes. 

Para Crozier, foi profundamente perturbador saber que ainda contava com algo que parecia estranho e malévolo. "Pareceu quase pessoal o fato de o vírus poder estar no meu olho sem meu conhecimento", ele disse. 

Uveíte foi relatada em alguns sobreviventes do ebola de surtos anteriores, e um vírus relacionado, o Marburg, foi encontrado no olho de um paciente. Mas esses casos pareciam incomuns.

Um artigo sobre a condição do olho de Crozier foi publicado na quinta-feira no "The New England Journal of Medicine". 

O interior do olho é em grande parte blindado do sistema imunológico para impedir inflamação que possa prejudicar a visão. 

As barreiras não são plenamente entendidas, mas elas incluem células hermeticamente agrupadas em vasos sanguíneos diminutos que mantêm de fora certas células e moléculas, juntamente com propriedades biológicas que inibem o sistema imunológico. 

Mas essa proteção, chamada de "privilégio imunológico", às vezes pode transformar o olho em um refúgio para vírus, onde podem se replicar desimpedidos. Os testículos também contam com privilégio imunológico, o motivo para o ebola poder persistir no sêmen por meses. 

A grande pergunta é se os médicos podem salvar a visão de Crozier. Eles temem por ambos os olhos, porque os males de um olho podem às vezes se espalhar para o outro. Mas não há droga antiviral de efeito comprovado contra o ebola e, mesmo se houvesse, não há precedente para tratamento de um olho cheio do vírus. 

Além disso, a inflamação severa sugere que as barreiras que normalmente protegem o olho do sistema imunológico foram rompidas. Assim, o que está afetando o olho de Crozier? O vírus, a inflamação ou ambos? Os médicos não sabem com certeza. 

O tratamento habitual para inflamação é esteroides. Mas eles podem agravar uma infecção.

"E se ele liberar o vírus?" disse Crozier. "Nós estamos em uma corda bamba." 

O maior choque ocorreu certa manhã cerca de dez dias depois do início dos sintomas, quando ele olhou no espelho e viu que seu olho tinha mudado de cor. Sua íris, normalmente azul, havia se tornado verde. Raramente, infecções virais severas podem causar essa mudança de cor e costuma ser permanente. 

"Foi como uma agressão", ele disse. "Foi muito pessoal." 

À medida que os dia passavam sem sinal de melhora, Crozier e a equipe do Emory começaram a pensar que ele tinha pouco a perder. O dr. Jay Varkey, um especialista em doenças infecciosas que tratou Crozier, obteve permissão especial da Food and Drug Administration (FDA, agência reguladora de fármacos e alimentos dos Estados Unidos) para usar uma droga antiviral experimental em forma de pílula. (Os médicos se recusaram a dizer seu nome, preferindo guardar essa informação para futura publicação em uma revista médica.) Eles nem mesmo sabiam se a droga poderia chegar ao olho de Crozier. 

Para tratamento da inflamação, Yeh também deu a Crozier uma injeção de esteroide acima de seu globo ocular, que liberaria lentamente a droga em seu olho. 

Inicialmente, o tratamento pareceu não ter nenhum efeito. Mas certa manhã, mais ou menos uma semana depois, Crozier percebeu que, se virasse a cabeça de um jeito ou de outro, ele podia encontrar "portais" e "túneis" nas obstruções em seu olho e que podia ver seu irmão Mark, que estava sentado à beira de sua cama. 

Gradualmente, ao longo dos meses seguintes, sua visão retornou. Surpreendentemente, seu olho voltou a ser azul. Um vídeo mostra ele dizendo de modo empolgado as letras em um exame de vista enquanto passava para tipos cada vez menores, com seu irmão e os médicos ao lado, rindo.

Teria sido a droga antiviral? Ele não sabe ao certo, mas acha que sim. 

"Eu acho que a cura foi o próprio sistema imunológico de Ian", disse Varkey, explicando que suspeita que os tratamentos reduziram os sintomas de Crozier e ajudaram a preservar sua visão o suficiente para que seu sistema imunológico agisse e removesse o vírus –assim como o tratamento de suporte durante a pior fase de sua doença inicial o manteve vivo até que suas defesas naturais pudessem assumir. 

Crozier acredita que a informação de seu caso pode ajudar a prevenir a cegueira em sobreviventes do ebola no oeste da África. Em 9 de abril, ele seguiu para a Libéria com Yeh e vários outros médicos do Emory para ver os pacientes que se recuperaram do ebola e para examinar seus olhos. 

"Quem sabe poderemos mudar a história natural da doença para os sobreviventes", disse Crozier. "Eu quero dar início a essa conversa." 

Tradutor: George El Khouri Andolfato