Último país com ebola, Guiné encara ceticismo da população para zerar casos
Sirenes soavam enquanto o comboio de veículos do governo seguia por uma estreita estrada de terra quase envolta em ervas daninhas altas. O primeiro-ministro tinha chegado e estava lá para dar a esta comunidade rural uma séria repreensão.
“Eu exijo a cooperação da população”, disse o primeiro-ministro, Mohamed Said Fofana, quase gritando no palco de bambu improvisado. “O ebola foi eliminado em quase todos os lugares –exceto aqui”, disse Fofana para quase 300 pessoas reunidas ao seu redor. “Os olhos do mundo estão voltados para a aldeia de Tana.”
Este é o último local conhecido na Terra com ebola.
Após quase 22 meses e mais de 11.300 mortes em todo o mundo, a pior epidemia de ebola na história agora se resume a um punhado de casos em um aglomerado de aldeias na zona rural da Guiné, o país onde a epidemia teve início.
A Libéria, onde mais de 4.800 pessoas morreram pelo vírus, não apresenta nenhum caso há dois meses, desde que o último paciente de ebola recebeu alta. Serra Leoa, onde quase 4.000 morreram, foi declarada oficialmente livre do ebola no sábado (7), um marco definido como passados 42 dias sem nenhum novo caso.
E apesar do vírus já ter assolado a Guiné, agora se limita s sete novos casos relatados nas últimas semanas. Mas está provando ser frustrantemente difícil de ser eliminado.
Chegar a zero –como o esforço para finalmente encerrar a epidemia é conhecido– tem atormentado os governos e especialistas internacionais em saúde há meses. Trabalhadores de grupos de ajuda humanitária foram às aldeias onde o vírus ainda está se disseminando, uma vacina experimental promissora está sendo dada aos adultos que estiveram em contato com uma vítima e as autoridades do governo, antes relutantes em reconhecer a epidemia perigosa, estão ajudando a combatê-la.
Mas mesmo com centenas de milhões de dólares gastos no combate à epidemia, a abordagem para acabar com a doença permanece desigual, na melhor das hipóteses.
Os trabalhadores nas linhas de frente ainda cometem erros primários. Os guardas nos postos de controle do ebola deixam alguns passageiros de veículos passarem sem checar se estão com febre. Agentes de saúde tocam sem luvas em pessoas que podem ser portadoras do vírus. As comunidades isoladas que estão experimentando o ebola pela primeira vez relutam em adotar precauções meticulosas e não confiam nos funcionários de ajuda humanitária.
O risco de um novo agravamento da epidemia ainda é muito real. Cerca de 150 pessoas estiveram em contato próximo com as novas vítimas, de modo que correm risco de terem sido contaminadas. Além disso, mais de 200 pessoas que tiveram um breve contato com uma vítimas, talvez por terem divido um táxi, não puderam ser rastreadas.
“Francamente, todos nós estamos aguardando”, disse Christopher Dye, diretor de estratégia da Organização Mundial da Saúde que está chefiando a resposta epidemiológica ao ebola.
As autoridades em Serra Leoa estão particularmente preocupadas. A fronteira do país fica a menos de 30 km dos novos casos aqui na Guiné, e o fluxo de pessoas por essas fronteiras nacionais porosas foi um dos principais motivos para o vírus ter se espalhado tão facilmente por toda a região.
Fofana veio pessoalmente a Tana em uma missão de busca. “Uma mulher está desaparecida e não consigo entender o motivo”, gritou o primeiro-ministro, repreendendo os moradores da aldeia por não monitorarem os doentes.
A mulher, Aminata Camara, cuidava de uma amiga que morreu de ebola, a tornando uma provável próxima vítima. Então Camara desapareceu. Ninguém apresentou nenhuma pista desde que ela se escondeu, de modo que as autoridades prenderam o marido dela, uma abordagem radical que visa transmitir a seriedade do problema. Fofana disse que se ela não aparecer logo, ele demitiria o chefe da aldeia.
O fato de a Guiné não ter sido atingida tão duramente quanto Serra Leoa e Libéria também pode explicar por que o ebola tem sido tão difícil de ser eliminado aqui.
“Na Guiné, nós nunca sofremos um contágio apocalíptico como na Libéria e Serra Leoa. Nós nunca tivemos corpos nas ruas”, disse Ranu Dhillon, um especialista em saúde pública que orienta o gabinete do presidente da Guiné. “Nós nunca tivemos o mesmo tipo de momento crítico em termos de resposta nacional.”
Em uma tarde recente, Seydouba Soumah se sentou atordoado em um banco, enquanto seus filhos pequenos corriam ao seu redor. Eles estão sem mãe e ele já é viúvo pela segunda vez. Suas duas esposas morreram recentemente devido ao ebola e ele tem outros filhos que estão hospitalizados com a infecção. Ele permanecia com olhar distante e em silêncio enquanto funcionários de saúde mediam sua temperatura. Ele também corre alto risco de adoecer, assim como as crianças aos seus pés.
“O primeiro-ministro está certo em pedir que a comunidade se mobilize”, disse Makhissa Sako, uma mãe de cinco em uma aldeia bem no meio do atual surto. “Essa doença é dura. O ebola mata.”
A recente série de infecções nesta parte da Guiné começou em meados de setembro, depois que uma garota que esteve com parentes na capital, Conacri, voltou para casa para procurar os cuidados de um curandeiro tradicional e morreu. Ela passou por um posto de controle do ebola onde sua febre foi registrada, mas mesmo assim foi autorizada a prosseguir em sua viagem, disse a Médicos Sem Fronteiras, e evitou outros ao tomar estradas secundárias.
Uma equipe internacional de funcionários de saúde logo chegou à aldeia, buscando identificar todos os que estiveram em contato com a garota, mas encontraram resistência dos moradores, que temiam revelar detalhes pessoais a estranhos.
Trabalhadores que tentavam assegurar que as vítimas do ebola fossem enterradas em segurança nesta região foram espancados neste ano. Em setembro de 2014, oito pessoas –funcionários de saúde, autoridades locais e jornalistas– foram mortas, um reflexo das velhas tensões políticas que tornam ainda mais difícil o combate ao ebola na Guiné.
Os confrontos diminuíram à medida que a disseminação da doença foi contida. Mas a recente eleição presidencial e os temores de distúrbios complicam os esforços de ajuda humanitária e geram mais teorias de conspiração a respeito da doença. O slogan “o ebola é real”, que aparece em cartazes e outdoors por todo o país, reflete o desafio que persiste.
“Chegar a este ponto exigiu recursos imensos, mas chegar a zero e permanecer assim exige o trabalho mais meticuloso e difícil de todos”, dizia um recente boletim da Médicos Sem Fronteiras. “Não podemos perder o foco agora.”
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