Fernanda Magnotta

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Opinião

EUA hoje: entre o desastre de Biden e a normalização do absurdo com Trump

Passaram-se 3 dias desde o primeiro debate desse ano entre Joe Biden e Donald Trump, mas o mundo político ainda repercute os efeitos desse encontro histórico. Depois de um desempenho sofrível do democrata, dezenas de jornais e revistas, mundo afora, publicaram editoriais, artigos e capas de periódicos pedindo que partido substituísse Biden no pleito de 2024. Até mesmo figuras públicas que são conhecidas por manter laços próximos ao atual presidente dos Estados Unidos escreveram longos textos fazendo apelos para que ele deixasse a disputa. Todos questionam as condições de saúde física e mental de Biden para permanecer no poder por mais quatro anos.

Para além das circunstâncias do democrata e todas as ressalvas corretas e válidas que se possa ter em relação ao seu governo, chama a atenção o que não repercutiu com a mesma comoção: os meios pelos quais Donald Trump tornou-se o vencedor do debate. O ex-presidente não apenas perpetuou sua tendência de distorcer a verdade, mas elevou-a a novos patamares. Foram mais de 30 afirmações falsas em 1h30, muitas das quais refutadas previamente por diversos veículos respeitáveis. Foram afirmações que incluíram desde leis de aborto até as políticas de segurança nacional e resultados eleitorais. Tão alarmante quanto isso foi a injeção de novas inverdades sobre a economia do país, que, de fato, se deterioraram sob seu próprio governo.

Esse padrão de desinformação é emblemático do estilo de Trump, mas o principal problema reside na reação - ou falta dela - do público e dos meios de comunicação. A normalização de mentiras na política tornou-se tão comum que quase não nos chocamos mais. Que fique claro: não se trata de uma questão partidária ou de defender Biden, cujo desempenho no debate foi péssimo e cujas ações no poder permitem críticas variadas, como já analisamos por aqui várias vezes, inclusive. O que estamos problematizando, nesse momento, é como nos tornamos todos mais elásticos para acomodar "versões da verdade" e relativizar princípios de responsabilidade pública.

A postura de Trump no debate também trouxe à tona, outra vez, a relutância do ex-presidente em se comprometer quando questionado sobre eventos como a tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021. Sua recusa em reconhecer resultados eleitorais adversos é mais do que uma mera teimosia; é um sintoma de um problema maior que ameaça a integridade do sistema político; é a sombra do flerte permanente com um perfil autoritário que incomoda.

O trumpismo transcende as ideologias de direita ou conservadoras. E que fique claro - elas não são um problema. O que incomoda é testemunharmos inertes uma candidatura, na maior potência do mundo, que lança mão de estratégias de conveniência para manipular fatos e dados e servir a interesses de poder. Esse comportamento não apenas fomenta a polarização e o enfraquecimento do diálogo interpartidário, mas também contribui para a erosão das instituições democráticas e para o aumento da violência e da instabilidade social.

Trump ganhou o debate, é verdade. O problema é que o fez por meios que podem levar a uma perda coletiva, dentro e fora dos Estados Unidos. Não deveríamos estar falando mais sobre isso?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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