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Pavilhão no presídio Nelson Hungria, em Bangu, é ilha isolada no caos penitenciário do Brasil

Por Claire De Oliveira

Do Rio de Janeiro

19/05/2011 20h21

Merinália, 45, soluça entre lágrimas ao dizer que foi condenada a “50 anos de prisão por sequestro e assassinato”. Perto de completar 13 anos atrás das grades, a chegada de uma nova diretora ao presídio, com métodos inovadores, devolveu a ela a esperança e a dignidade.

“Aqui melhorou 80% em matéria de limpeza, respeito entre nós e diálogo com a direção”, disse a detenta à AFP.

Merinália está encarregada da organização do setor que divide com outras 41 companheiras no complexo penitenciário de segurança máxima em Bangu, no Rio de Janeiro.

No dormitório com 50 camas, o único luxo são alguns ventiladores e quatro televisores, já que as prisioneiras dividem quatro duchas. Mas o lugar, impecavelmente limpo, parece uma ilha no universo degradado do sistema carcerário do país.

No Brasil, como em toda a América Latina, o sistema penitenciário vive uma crise de superpopulação e falta de investimento, que fomenta a presença de organizações criminais em suas dependências. As gangues prosperam impondo suas leis nas prisões deterioradas e com administrações corruptas.

Bangu, que em 28 pavilhões abriga cerca de 14.000 prisioneiros, dos quais mais de mil são mulheres, foi muitas vezes cenário de matanças sangrentas. Mas a partir de 2005 começaram a chegar mudanças e a situação se acalmou, diferentemente dos Estados mais pobres do norte e do sul, onde as penitenciárias são “barris de pólvora”, segundo especialistas.

Para Ana Gabriela Rosa Maia, diretora do pavilhão Nelson Hungria, de Bangu, que abriga 430 prisioneiras, a ideia era simples: levar ao submundo da penitenciária uma chance de vida digna.

“Quando cheguei, me espantou a sujeira que atraia ratos”, recorda Rosa Maria, 34, grávida de seis meses.

“As detentas não queriam fazer nada e me diziam: ‘Esta não é a nossa casa. Então, organizei conferências sobre higiene e um concurso: aquelas que mantivessem a cela mais conservada teriam direito a uma sessão de cinema com pipoca e familiares”, diz.

Durante um mês, pintaram, limparam e decoraram as celas. Finalmente, as dez celas estavam em excelentes condições e todas puderam assistir ao filme.

“Antes, as relações eram na base da força e de insultos. Agora, é praticamente autodisciplinada. As mais rebeldes acabam aderindo [à iniciativa] para não terminarem isoladas”, explica a diretora.

O narcotráfico é a razão pela qual a maioria dessas mulheres está atrás das grades. Muitas escaparam de suas casas, sofriam todo o tipo de agressão e já viveram nas ruas. Mas em Bangu, podem estudar e participar de oficinas de artes, costura e culinária, para a sua reinserção na sociedade.

“Essas atividades são uma distração e também uma terapia. Encontramos a autoestima com a cidadania”, disse Merinália, mãe de dois filhos, um de 22 e outro de 26.

Elas também podem praticar cultos evangélicos, católicos, espíritas e a umbanda, e assistir filmes que não contém cenas de violência e sexo.

Na padaria do presídio, Marly dos Anjos molda a massa. Ela já cumpriu dois anos dos seis a que foi condenada. “Era costureira, mas aprendi a amar a profissão de padeira. É o que quero fazer quando sair”, confessou com um sorriso largo, a mulher que, ainda presa, já prepara a sua nova vida.