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Washington perde seu adversário de meio século

26/11/2016 23h48

Washington, 27 Nov 2016 (AFP) - Os Estados Unidos acordaram neste sábado sem o seu adversário de meio século, Fidel Castro, que durante cinco décadas foi um rival indomável da Casa Branca, apesar de ter vivido o suficiente para ser testemunha da histórica reaproximação entre os dois países.

Fidel Castro morreu em Havana na noite de sexta-feira (25), encerrando um capítulo que marcou de forma definitiva a história do continente americano no século XX.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, saudou o antigo adversário em uma nota oficial, na qual estendeu "uma mão de amizade" ao povo cubano.

"A história registrará e julgará o enorme impacto de sua personalidade singular no povo e no mundo em volta dele", afirmou Obama, em uma referência ao discurso de Fidel "A história me absolverá", com o qual se defendeu ante o tribunal que, em 1953, julgou-o pelo ataque ao Quartel Moncada.

Nos próximos dias, os cubanos "recordarão o passado e também olharão para o futuro. E, ao fazê-lo, os cubanos devem saber que eles têm nos Estados Unidos um país amigo e associado", afirmou o presidente americano.

Obama e o presidente cubano, Raúl Castro, restabeleceram em 2015 as relações entre os Estados Unidos e Cuba, rompidas em 1961.

O secretário de Estado americano, John Kerry, estendeu suas condolências aos cubanos pela morte do líder revolucionário e apontou que "desempenhou um papel enorme" e "influenciou a direção de assuntos regionais e até globais".

Kerry acrescentou que os Estados Unidos continuam comprometidos com o processo de aproximação para com Cuba, "com o desejo profundo não de ignorar a história, mas de escrever um novo melhor futuro para nossos dois povos".

Em seu comunicado, Kerry disse ainda que "os Estados Unidos reafirmam seu apoio a um aprofundamento das relações com o povo cubano agora e nos próximos anos".

Em tom diferente, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, reagiu à morte de Fidel afirmando, neste sábado (26), que ele foi "um ditador brutal que oprimiu seu povo por seis décadas".

"Embora as tragédias, as mortes e a dor provocadas por Fidel Castro não possam ser apagadas, nossa administração fará todo o possível para assegurar que os cubanos possam finalmente começar seu caminho rumo à prosperidade e à liberdade que tanto merece", declarou Trump em um comunicado.

"O legado de Fidel Castro é o dos pelotões de fuzilamento, roubo, sofrimento inimaginável, pobreza e a negação aos direitos humanos fundamentais", acrescentou o republicano.

Já o vice-presidente eleito, Mike Pence, usou a rede social Twitter para declarar que "o tirano Castro morreu. Nasce uma nova esperança".

"Estaremos firmes junto com o oprimido povo cubano por uma Cuba livre e democrática", insistiu.

O tormento de WashingtonCom sua oratória, Fidel atormentou e enfrentou vários presidentes americanos, começando pelo republicano Dwight Eisenhower (1953-61).

Fidel conduziu a resistência à invasão de Cuba por parte de exilados treinados pelos Estados Unidos, em 1961, e, no ano seguinte, esteve no epicentro de um dos momentos críticos do século XX, a chamada Crise dos Mísseis.

Órgãos de Inteligência americanos elaboraram diversos planos para executar o líder cubano, como confirmou uma comissão do Senado em 1975.

Afastado do poder desde 2006, Fidel expressou sua desconfiança sobre o processo de reaproximação diplomática com Washington. Essa cautela se limitou a artigos na imprensa, e ele nunca obstaculizou as delicadas negociações.

Figura central do século XXPara Michael Shifter, presidente do "think tank" Inter-American Dialogue, de Washington, Fidel "foi uma figura central do século XX, uma dessas figuras maiores do que a própria vida, e cujo legado será discutido por anos e anos".

Fidel "aprovou a reaproximação com os Estados Unidos de forma cautelosa. Não estava muito entusiasmado com a ideia. Por isso, agora podemos esperar menos resistência dentro do governo cubano a essa abertura".

Peter Schechter, do Atlantic Council, também de Washington, disse à AFP que "é possível que, com ele no governo, essa reaproximação não tivesse ocorrido".

No entanto, ao mesmo tempo, Fidel "claramente deixou seu irmão fazer isso. Tenho certeza de que se ele tivesse adotado uma oposição firme, o teria impedido, o processo não teria ido em frente", acrescentou.

Para os dois analistas, no entanto, a influência política de Fidel Castro se dissipou visivelmente nos últimos anos.

Nesse sentido, Schechter disse à AFP que Fidel se transformou em uma espécie de "dinossauro irrelevante", já que a América Latina se moveu em outra direção.

Para Shifter, o exemplo mais claro dessa tendência pode ser encontrado na guerrilha colombiana das Forças Armadas Revolucionárias das Colômbia (Farc): nascida há meio século, inspirada na revolução comandada por Fidel, assina agora um acordo de paz com o governo de Bogotá, após negociações realizadas com o apoio de Cuba.