No conservador Haiti, casal luta pela tolerância dos transgêneros
Porto Príncipe, 31 Mai 2018 (AFP) - Três dias antes de seu casamento, a haitiana Yaisah Val contou ao noivo que era trans e havia concluído a cirurgia de redesignação de gênero, um ato audacioso em um país dominado pelos tabus e pela homofobia.
Seu futuro esposo teve que procurar na Internet a palavra transgênero para entender que se trata de pessoas que sentem uma dissonância entre o gênero designado ao nascer e sua identidade de gênero.
Agora, incentivada pelo marido, Richecarde, Yaisah, de 45 anos, é uma das primeiras mulheres no Haiti a tornar pública sua transexualidade, desafiando o conservadorismo religioso e político da nação caribenha.
"O gênero está na sua cabeça, o sexo está entre as suas pernas", é o lema desta mulher que aos 29 anos completou uma transição de vários anos que resultou na redesignação de gênero.
Ela começou o processo depois de várias tentativas de suicídio, se sentindo impotente diante das críticas que lhe faziam: "não ande assim, não fale assim, não respire assim", lembra.
"É difícil se dar conta aos cinco ou seis anos que você é uma chaga, que o meu corpo, minha própria existência, provocam decepção e vergonha nos meus pais".
- 'Isso é corrigir Deus?' - Uma transição bem-sucedida deu a Yaisah a oportunidade de voltar a ser ela mesma, apesar do repúdio que provoca em alguns de seus parentes que dizem que "não se pode corrigir o bom Deus".
"Deus quer que eu seja miserável e me mate?", se questiona. "Se sou hipertensa e tomo remédio, isso é corrigir Deus? Não. Se tenho problema de vista e me submeto a uma cirurgia para ver melhor, estou corrigindo Deus? Não".
"Isso é ridículo", responde Yaisah, a quem muitas vezes se referem como uma "abominação".
Apesar dos desprezos e das dificuldades, seu marido Richecharde nunca renunciou a estar com quem compartilha a vida durante mais de dois anos.
Foi ele quem insistiu para que a esposa tornasse pública a sua identificação como um exemplo positivo para o resto do país.
"Não é apenas por Yaisah, ela pode ir aos Estados Unidos e se submeter ao tratamento", disse. Mas "quantos jovens haitianos de classes baixas são assim e se perdem porque não podem se identificar com quem são?", pergunta.
O casal trabalha para conscientizar seus compatriotas com o apoio da organização Kouraj, que durante anos apoiou o coletivo LGBTI no Haiti.
"Advertimos a eles sobre os riscos, mas dissemos que não tivessem medo", conta Charlot Jeudy, presidente da Kouraj, ao recordar seu primeiro encontro com os Val. "É uma questão de liberdade, de direitos".
- Buscar as palavras - Oficialmente o Haiti é um país laico, mas a tradição cristã regula fortemente a vida e as pessoas LGBTI diariamente veem seus direitos ameaçados.
Em 2016, um festival de cinema LGBTI realizado em Porto Príncipe teve que ser cancelado devido aos riscos de violência e aos chamados a cometer assassinatos.
E em agosto de 2017, em uma votação no Congresso para proibir o casamento homossexual, vários senadores usaram argumentos religiosos e denunciaram o "desvio do Ocidente".
Existe uma ideia generalizada de que a homossexualidade e a transexualidade são criações ocidentais. "Alguns dizem que estou em uma missão, que sou paga pelos Estados Unidos: é exagerado. Sou haitiana, cresci no Haiti e não sou a única", responde Yaisah.
Seu marido lamenta que alguns haitianos acreditem que "foram os estrangeiros que vieram com isso".
"Os estrangeiros não podem mudar a genética", sustenta. "Não há nada que torne uma pessoa trans, isso existe em todos os lugares do mundo".
Se sobrepondo às mensagens de ódio, o casal se negou a deixar o Haiti apesar da perspectiva de uma vida mais fácil fora, e optou por ficar para ajudar os haitianos contra a discriminação.
"Houve ameaças, mas também começamos a receber ligações de mães que explicam que seu filho é assim", afirma Yaisah Val. "Ou pessoas que ligam chorando, aliviadas de finalmente encontrar as palavras para explicar quem são".
E o fato de seus celulares estarem lotados com mensagens de jovens que buscam sua identidade não os incomoda, embora passem horas respondendo. "São pessoas que querem esperança, isso é tudo", sorri Yaisah Val, rodeada pelos braços de seu esposo.
Seu futuro esposo teve que procurar na Internet a palavra transgênero para entender que se trata de pessoas que sentem uma dissonância entre o gênero designado ao nascer e sua identidade de gênero.
Agora, incentivada pelo marido, Richecarde, Yaisah, de 45 anos, é uma das primeiras mulheres no Haiti a tornar pública sua transexualidade, desafiando o conservadorismo religioso e político da nação caribenha.
"O gênero está na sua cabeça, o sexo está entre as suas pernas", é o lema desta mulher que aos 29 anos completou uma transição de vários anos que resultou na redesignação de gênero.
Ela começou o processo depois de várias tentativas de suicídio, se sentindo impotente diante das críticas que lhe faziam: "não ande assim, não fale assim, não respire assim", lembra.
"É difícil se dar conta aos cinco ou seis anos que você é uma chaga, que o meu corpo, minha própria existência, provocam decepção e vergonha nos meus pais".
- 'Isso é corrigir Deus?' - Uma transição bem-sucedida deu a Yaisah a oportunidade de voltar a ser ela mesma, apesar do repúdio que provoca em alguns de seus parentes que dizem que "não se pode corrigir o bom Deus".
"Deus quer que eu seja miserável e me mate?", se questiona. "Se sou hipertensa e tomo remédio, isso é corrigir Deus? Não. Se tenho problema de vista e me submeto a uma cirurgia para ver melhor, estou corrigindo Deus? Não".
"Isso é ridículo", responde Yaisah, a quem muitas vezes se referem como uma "abominação".
Apesar dos desprezos e das dificuldades, seu marido Richecharde nunca renunciou a estar com quem compartilha a vida durante mais de dois anos.
Foi ele quem insistiu para que a esposa tornasse pública a sua identificação como um exemplo positivo para o resto do país.
"Não é apenas por Yaisah, ela pode ir aos Estados Unidos e se submeter ao tratamento", disse. Mas "quantos jovens haitianos de classes baixas são assim e se perdem porque não podem se identificar com quem são?", pergunta.
O casal trabalha para conscientizar seus compatriotas com o apoio da organização Kouraj, que durante anos apoiou o coletivo LGBTI no Haiti.
"Advertimos a eles sobre os riscos, mas dissemos que não tivessem medo", conta Charlot Jeudy, presidente da Kouraj, ao recordar seu primeiro encontro com os Val. "É uma questão de liberdade, de direitos".
- Buscar as palavras - Oficialmente o Haiti é um país laico, mas a tradição cristã regula fortemente a vida e as pessoas LGBTI diariamente veem seus direitos ameaçados.
Em 2016, um festival de cinema LGBTI realizado em Porto Príncipe teve que ser cancelado devido aos riscos de violência e aos chamados a cometer assassinatos.
E em agosto de 2017, em uma votação no Congresso para proibir o casamento homossexual, vários senadores usaram argumentos religiosos e denunciaram o "desvio do Ocidente".
Existe uma ideia generalizada de que a homossexualidade e a transexualidade são criações ocidentais. "Alguns dizem que estou em uma missão, que sou paga pelos Estados Unidos: é exagerado. Sou haitiana, cresci no Haiti e não sou a única", responde Yaisah.
Seu marido lamenta que alguns haitianos acreditem que "foram os estrangeiros que vieram com isso".
"Os estrangeiros não podem mudar a genética", sustenta. "Não há nada que torne uma pessoa trans, isso existe em todos os lugares do mundo".
Se sobrepondo às mensagens de ódio, o casal se negou a deixar o Haiti apesar da perspectiva de uma vida mais fácil fora, e optou por ficar para ajudar os haitianos contra a discriminação.
"Houve ameaças, mas também começamos a receber ligações de mães que explicam que seu filho é assim", afirma Yaisah Val. "Ou pessoas que ligam chorando, aliviadas de finalmente encontrar as palavras para explicar quem são".
E o fato de seus celulares estarem lotados com mensagens de jovens que buscam sua identidade não os incomoda, embora passem horas respondendo. "São pessoas que querem esperança, isso é tudo", sorri Yaisah Val, rodeada pelos braços de seu esposo.
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