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Padres casados, um conceito que incomoda a Igreja Católica

Apesar de o papa Francisco afirmar que a proibição de ordenar homens casados não faz parte da doutrina da Igreja, o assunto parece estar longe de ser debatido - Alberto Pizzoli/AFP
Apesar de o papa Francisco afirmar que a proibição de ordenar homens casados não faz parte da doutrina da Igreja, o assunto parece estar longe de ser debatido Imagem: Alberto Pizzoli/AFP

Vaticano

26/10/2018 15h51

A proposta do episcopado belga durante o sínodo dos bispos no Vaticano para permitir a ordenação de jovens casados como sacerdotes caiu no vácuo e, mais uma vez, a questão foi adiada.

A polêmica ideia foi lançada pelo bispo Jean Kockerols, auxiliar de Bruxelas, diante dos cerca de 300 bispos de todos os continentes reunidos no Vaticano.

"Estou convencido de que os jovens que escolheram se casar também podem ser chamados pela Igreja para servir, especialmente no ministério sacerdotal", explicou o religioso em uma conversa com a AFP.

"Recebi um amável aplauso da assembleia quando disse isso e muitos bispos vieram depois para falar comigo no descanso, na hora do café, para me dizer que tenho razão: 'você deve ir nessa direção'", contou.

A proposta de autorizar os homens casados a serem padres nunca foi debatida a fundo e está ausente do documento final, que será adotado no sábado pelos bispos, depois de três semanas de debates sobre a juventude e a falta de vocações.

"Estou decepcionado com a falta de reação (...) Um bispo chegou a comparar a questão com as estalactites, que demoram muito tempo para crescer", comentou o religioso.

A diminuição do número de sacerdotes em todo o mundo é um dos fenômenos que mais afeta a Igreja, excetuando-se África e Ásia, onde cresce.

Em várias ocasiões, o papa Francisco lembrou que a proibição de ordenar homens casados não faz parte da doutrina da Igreja.

A prática existiu por séculos e os textos bíblicos indicam que o apóstolo Pedro tinha uma sogra.

A obrigação de ser solteiro para entrar no clero da Igreja Católica latina remonta ao século XI. Os ritos católicos orientais e ortodoxos admitem a ordenação de homens casados como sacerdotes.

Teria chegado o momento de mudança na Igreja Católica?

Uma pesquisa independente, apresentada perto do Vaticano em pleno sínodo, calcula que 60.000 sacerdotes renunciaram à vocação nas últimas décadas, muitas vezes para se casar ou conviver. Em 2016, havia 414 mil sacerdotes no mundo.

De acordo com o vaticanista italiano Enzo Romeo, autor de um livro sobre o tema, a Igreja Católica registra mil abandonos por ano, e o número de ex-sacerdotes casados na Itália é de cerca de 8 mil, uma cifra considerável.

Decidem mudar de vida, perder a segurança do emprego e de moradia depois de 13 anos de sacerdócio, ou durante a crise dos 50 anos, assinala Romeo.

"A afetividade dos sacerdotes continua sendo um tabu, que é varrido para debaixo do tapete", comentou com a AFP.

O autor questiona o princípio de um antigo sacerdote, que considera o celibato um valor fundamental, pois, para ele, "é uma forma extrema de pobreza, que coloca quem o pratica em união com os mais solitários, os mais rejeitados", explicou.

Em março de 2017, o papa Francisco reconheceu publicamente que estava disposto a ordenar "viri  probati" homens casados de idade madura para satisfazer as necessidades pastorais das remotas regiões do Amazonas, excluindo, de fato, os jovens, como propõe o bispo belga.

O tema foi incluído na agenda do próximo sínodo de bispos dedicado à Amazônia, que será celebrado em outubro de 2019.

E a abertura do papa não passou despercebida. Um grupo de 300 ex-sacerdotes italianos casados enviou uma carta ao pontífice no início de outubro oferecendo retornar ao serviço da Igreja diante da escassez de clérigos.