Ex-número 2 das Farc anuncia retorno à luta armada na Colômbia
Bogotá, 29 Ago 2019 (AFP) - Iván Márquez, ex-número dois da guerrilha dissolvida das Farc, cujo paradeiro era desconhecido há mais de um ano, reapareceu em um vídeo anunciando que voltou às armas juntamente com outros chefes rebeldes que se distanciaram do acordo de paz na Colômbia.
Na gravação postada nesta quinta-feira (29) em um canal do YouTube, Márquez, vestido de verde militar e acompanhado por Jesús Santrich, um foragido da Justiça, enfatizou: "Anunciamos ao mundo que a segunda Marquetalia (berço histórico da rebelião armada) começou sob proteção do direito universal que ajuda todos os povos do mundo a se levantarem contra a opressão".
Em resposta, o presidente da Colômbia, Iván Duque, anunciou nesta quinta-feira uma ofensiva contra o grupo.
"Nós colombianos devemos ter clareza de que não estamos diante de uma nova guerrilha, mas das ameaças criminosas de uma gangue de narcoterroristas que conta com abrigo e apoio da ditadura de Nicolás Maduro", declarou o mandatário na Casa de Nariño, sede do governo.
O líder da oposição venezuelana Juan Guaidó denunciou nesta quinta o uso do território da Venezuela pelos guerrilheiros para fazer ameaças.
"Rejeitamos o uso do território venezuelano sob a proteção de Maduro para divulgar suas mensagens", disse Guaidó no Twitter. "Todos os venezuelanos devem rejeitar este tipo de ameaças em respeito à nossa soberania".
Nas selvas do sudeste da Colômbia, o ex-negociador da paz explicou que seu anúncio é a "continuação da luta de guerrilha em resposta à traição do Estado aos acordos de paz de Havana".
Este acordo levou ao desarmamento de cerca de 7.000 homens e mulheres em 2017.
Márquez, Santrich e Hernán Darío Velásquez, conhecido como El Paisa - que também aparece no vídeo com um rifle e uniforme de camuflagem - afastaram-se do pacto de paz que visava a acabar com mais de meio século de conflito armado e que deu origem ao agora partido das Farc.
Os três reapareceram na selva cercados por homens e mulheres com rifles e com uma faixa na parte inferior, na qual é possível ler "Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia Farc-EP".
"A armadilha, a traição e a deslealdade, a modificação unilateral do texto do acordo, a violação dos compromissos por parte do Estado, as assembleias judiciais e a insegurança jurídica nos forçaram a voltar para a montanha. Nunca fomos vencidos, ou derrotados ideologicamente. É por isso que a luta continua", explica Márquez no vídeo de 32 minutos.
O presidente Duque ofereceu 3 bilhões de peso (882 mil dólares) por cada um dos 20 homens e mulheres que aparecem no vídeo.
"Não vamos cair na armadilha de quem hoje quer se esconder por trás de roupagens ideológicas falsas para sustentar seus crimes", afirmou.
- Aproximação com o ELN -Segundo o ex-número dois das Farc, o novo grupo armado procurará coordenar "esforços com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) e com aqueles camaradas que não dobraram suas bandeiras".
Há mais de um ano, Márquez decidiu se afastar do pacto de paz, alegando as mesmas violações do Estado que agora invoca para pegar em armas novamente, em um país onde o narcotráfico continua a alimentar várias fontes de violência.
Santrich, por sua vez, é um fugitivo processado por tráfico de drogas. Também é acusado pelos Estados Unidos de conspirar para enviar cocaína depois de assinar a paz no final de 2016.
El Paisa - um temido chefe militar nos tempos da antiga guerrilha - também tem um mandado de captura, emitido após os compromissos assinados com o governo do ex-presidente e Nobel da Paz Juan Manuel Santos (2010-2018).
Os rebeldes são reclamados pelo tribunal especial que julga os piores crimes cometidos durante meio século de conflito armado.
Contra Santrich, existe até um mandado de prisão internacional.
Embora a maior parte das Farc tenha se desmobilizado, cerca de 2.300 combatentes distribuídos em vários grupos compõem o chamado dissenso e estão envolvidos, principalmente, com o tráfico de drogas e a mineração ilegal, de acordo com informações militares.
Já o Exército de Libertação Nacional (ELN, em armas desde os anos 1960) é considerado o último grupo guerrilheiro ativo na Colômbia, também com cerca de 2.300 membros e com uma forte influência na fronteira com a Venezuela.
- Golpe baixo -O partido Força Revolucionária Alternativa Comum (Farc) e ex-negociadores de paz lamentaram o retorno às armas de Márquez e de seus companheiros, mas insistiram em defender o acordo que permitia o desarmamento de milhares de outros combatentes.
Da mesma forma, o alto comissário para a paz do governo colombiano, Miguel Ceballos, considerou o anúncio preocupante, mas não surpreendente.
"Não há surpresa para o governo nacional. Infelizmente essas pessoas já haviam deixado claro, com seu comportamento, que dariam as costas ao acordo de paz", disse Ceballos em entrevista à Blu Radio.
Também conhecido como Timochenko e presidente do partido, Rodrigo Londoño considerou um "golpe baixo" e uma "notícia infeliz" o anúncio de seus antigos camaradas, embora tenha dito que, de agora em diante, acaba a "ambiguidade" que existia em relação aos chefes rebeldes que não reconheciam o pacto.
O ex-presidente Santos também reagiu. No Twitter, escreveu que "90% das Farc seguem em processo de paz. É preciso continuar cumprindo. Os desertores devem ser reprimidos com toda força. A batalha pela paz não para!".
Entre os oponentes ao acordo de paz, o ex-presidente e senador Álvaro Uribe (2002-2010) levantou sua voz:
"O país deve estar ciente de que não houve processo de paz, mas o perdão para algumas pessoas responsáveis por crimes hediondos a um alto custo institucional", escreveu ele no Twitter.
A justiça especial na Colômbia, por sua vez, anunciou ter iniciado o processo que pode levar os ex-guerrilheiros que anunciaram seu retorno às armas à expulsão do processo de paz.
"A Jurisdição Especial para a Paz (JEP) é responsável por tomar decisões sobre esses eventos", disse Patricia Linares, presidente do sistema responsável por julgar os piores crimes cometidos durante a conflagração.
Linares disse que foram iniciadas sessões para definir as sanções contra os ex-guerrilheiros envolvidos no novo levante armado.
O acordo de paz de 2016 prevê "a perda de todos os benefícios legais, políticos e econômicos" para os rebeldes que se rearmarem.
O acordo de paz que deu origem ao JEP prevê a concessão de sentenças alternativas para a prisão daqueles que confessam seus crimes, reparam as vítimas e se comprometem a nunca mais se envolver em violência, seja de guerrilha ou militar.
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