Presidente interina ameaça levar Morales à Justiça; chanceler anuncia expulsão de diplomatas venezuelanos
A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, declarou nesta sexta-feira (15) que o ex-presidente Evo Morales pode voltar ao país de seu exílio no México, mas, caso retorne, deverá "responder à Justiça" por irregularidades nas eleições de outubro e por "denúncias de corrupção".
"(Morales) Foi sozinho" e, se voltar, "sabe que tem que responder à Justiça", declarou Añez.
"Há um crime eleitoral, há muitas denúncias de corrupção em seu governo", disse Áñez, em sua primeira reunião com a imprensa estrangeira no Palácio Quemado de La Paz, três dias depois de se proclamar presidente interina.
Morales, que governou o país por quase 14 anos, disse quarta-feira no México que está disposto a voltar para "pacificar" a Bolívia. Afirmou ainda que, com sua renúncia, buscou deter a violência no país.
"Se meu povo pedir, estamos dispostos a retornar (...) Voltaremos cedo ou tarde (...) melhor que seja o mais rápido possível para pacificar a Bolívia", declarou o ex-presidente em sua primeira entrevista à imprensa no exílio.
Os protestos que ocorrem no país desde o dia seguinte às eleições já deixaram dez mortos e mais de 400 feridos, segundo dados oficiais.
Nas três primeiras semanas, as manifestações eram organizadas por opositores de Morales. Desde domingo, porém, após a renúncia, são os simpatizantes do ex-presidente que saem às ruas e enfrentam a polícia, reforçada pelos militares.
Expulsão de diplomatas venezuelanos
A chanceler boliviana Karen Longaric informou que o país expulsará todos os funcionários da embaixada da Venezuela em La Paz, devido à "violação de normas diplomáticas", por supostamente se intrometer nos assuntos internos do Estado.
"Todo o pessoal diplomático da embaixada da Venezuela na Bolívia, que representa o governo de (Nicolás) Maduro, receberá um prazo para deixar o país por envolvimento nos assuntos internos do Estado", disse a chefe da diplomacia boliviana.
Longaric anunciou também a saída do país da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), um grupo de cooperação internacional entre os países da América Latina e do Caribe, acrescentando que analisa a desvinculação da União de Nações Sul-Americanas (Unasur, pelas siglas em espanhol).
O governo de Jeanine Áñez reconheceu na quinta-feira o líder da oposição Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, em oposição à política de Morales, aliado de Maduro.
Cubanos detidos
Também nesta sexta, o governo de Cuba denunciou a detenção de quatro membros de sua brigada médica na Bolívia, sob a "presunção caluniosa" de que eles incentivaram e financiaram os protestos que estão ocorrendo naquele país, e acrescentou que irá repatriar 725 funcionários que estão no território boliviano desde o primeiro governo do ex-presidente Evo Morales, que renunciou no domingo passado após cerca de 14 anos no poder.
"Quatro membros da Brigada Médica em El Alto foram presos pela polícia", informou o Ministério das Relações Exteriores de Cuba, exigindo que "fossem libertados imediatamente e que as autoridades bolivianas garantissem a integridade física de cada um dos colaboradores cubanos naquele país".
A chancelaria explicou que os quatro cubanos, sendo dois médicos, foram presos na quarta-feira passada, quando retornavam para sua residência "com o dinheiro retirado de um banco para pagar serviços básicos e aluguel dos 107 membros da Brigada Médica" que Cuba mantém em El Alto, uma cidade vizinha de La Paz.
"A detenção ocorreu sob a presunção caluniosa de que o dinheiro era dedicado ao financiamento de protestos", acrescentou o Ministério das Relações Exteriores, rejeitando as "acusações falsas de que esses companheiros incentivam ou financiam protestos, que são baseadas em mentiras deliberadas sem qualquer fundamento".
Também confirmou que "nas circunstâncias descritas", o governo cubano "decidiu o retorno imediato à pátria dos colaboradores cubanos".
Segundo a polícia de El Alto, os quatro cidadãos cubanos estavam com uma mochila na qual transportaram 90.000 bolivianos (cerca de US$ 13.000) destinados, segundo as autoridades, a financiar movimentos de protesto contra o novo governo provisório do país sul-americano.
Em relação à repatriação de 725 "funcionários de cooperação", que estão na Bolívia para trabalhar nas áreas de cuidados médicos e assistência em educação, a chanceler boliviana Karen Longaric informou que foi uma decisão tomada em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores de Cuba por conta da detenção dos quatro cubanos em El Alto.
"Houve uma longa conversa com o chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez, em termos muito respeitosos, muito amistosos. Eles estão retirando a partir desta sexta-feira 725 cidadãos cubanos que cumprem funções de cooperação em diferentes áreas", afirmou Longaric.
Garantir a paz
A União Europeia (UE) pediu nesta sexta às "autoridades de transição" na Bolívia para "garantir paz e segurança" no país e realizar uma "eleição rápida" após a renúncia de Morales.
"O objetivo imediato das autoridades de transição deve ser garantir a paz e a segurança no país e levá-lo a eleições rápidas", disse a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
Em sua declaração, em nome dos 28 países da UE, Mogherini afirma que esse novo pleito deve permitir que o povo "se expresse livremente" e convida a todos os partidos a trabalhar "pela reconciliação".
Solução institucional
No domingo, Morales renunciou à presidência que ocupava desde 2006, depois de perder o apoio das forças armadas e da polícia, num movimento que denunciou como "golpe de estado", uma opinião compartilhada por seus aliados na Venezuela e Cuba.
A renúncia de Morales ocorreu após semanas de tensão pela polêmica reeleição em 20 de outubro em primeiro turno, um resultado questionado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que apontou várias irregularidades na apuração dos votos.
O vazio de poder deixado pela saída do esquerdista foi resolvido na terça-feira com a proclamação da senadora Jeanine Áñez como presidente interina. A legisladora de direita assumiu o cargo prometendo convocar as eleições "o mais rápido possível".
Sem citar Áñez, Mogherini enfatizou, como fez na Câmara Europeia na quarta passada, que apoia a solução institucional "provisória" para preparar novas eleições e evitar um vazio de poder que pode ter consequências terríveis ".
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