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No Japão, pandemia pode deixar 'refugiados da rede' na rua

15/04/2020 08h20

Yokohama, Japão, 15 Abr 2020 (AFP) - Milhares de trabalhadores precários podem acabar nas ruas do Japão, porque a pandemia de coronavírus causou o fechamento temporário de cibercafés onde muitos deles, chamados de "refugiados da rede", residem regularmente.

Esses locais, muito comuns nas cidades japonesas, oferecem acesso à Internet 24 horas por dia, mangás e bebidas não alcoólicas, além de pequenos espaços privados e chuveiros.

O estado de emergência declarado no início de abril em várias regiões do Japão, incluindo Tóquio e arredores e Osaka (oeste), forçou vários cibercafés a fechar temporariamente, deixando seus clientes mais leais desamparados.

"Pensei em dormir no banco de uma estação, ou no metrô", disse à AFP um trabalhador da construção civil de 58 anos, que está nessa situação e pediu para não ser identificado.

"Não tenho para onde ir, quase não conheço ninguém", explica esse trabalhador interino, que está sem atividade porque várias obras foram suspensas devido à epidemia.

Finalmente, ele encontrou refúgio em uma grande academia de judô em Yokohama (sudoeste de Tóquio), convertida em um abrigo de emergência, desde o último sábado, pelo governo regional.

O local recebe dezenas de pessoas a quem são fornecidos leitos de campanha, cercados por divisórias para preservar um pouco de privacidade.

- Pobreza urbana -Esses espaços cúbicos individuais, projetados pelo prestigiado arquiteto japonês Shigeru Ban, especialista em hábitats de emergência, também visam a manter uma distância social preventiva contra o coronavírus.

O objetivo é oferecer uma moradia segura para os desamparados pelo estado de emergência, explica Yuji Miyakoshi, uma autoridade municipal de Yokohama.

Eles são pessoas "bastante discretas", acrescenta.

Aparentemente, o Japão é uma sociedade muito próspera e os visitantes estrangeiros ficam impressionados com os poucos moradores de rua nas metrópoles do país.

O desemprego é muito baixo no arquipélago, mas isso mascara a grande precariedade de muitos empregos temporários e mal remunerados.

Originalmente, os cibercafés abertos 24h/24h acolhiam os trabalhadores que saíam de seus escritórios muito tarde, ou de uma noitada com amigos, antes do último trem para suas casas nas remotas regiões semiurbanas.

A precarização dos empregos e os preços baratos dos cibercafés - 2.000 ienes (17 euros - US$ 18,5) por noite - evoluíram progressivamente o perfil de sua clientela para a nova classe de pobres.

Alugar um apartamento em uma grande cidade do Japão supõe um procedimento administrativo complicado e é necessário deixar uma garantia muito alta, tornando esses cibercafés e os "hotéis cápsula" os locais ideais para essa categoria.

- Ajudas insuficientes -Tóquio teria cerca de 4.000 "refugiados da rede" e 2.000 sem-teto, estima Tsuyoshi Inaba, chefe de uma organização japonesa de ajuda a pessoas desfavorecidas, questionado pela AFP.

As autoridades da capital, que pediram o fechamento dos locais de diversão noturna devido a um aumento recente nos casos da COVID-19, estão tentando encontrar soluções alternativas de acomodação para trabalhadores sem endereço fixo.

Mas os ativistas contra a pobreza consideram que o número de acomodações fornecidas pelo governo é insuficiente e lamentam as condições restritivas de acolhimento.

Os candidatos devem demonstrar que vivem em Tóquio há pelo menos seis meses.

Muitas pessoas expulsas dos cibercafés não têm escolha a não ser dormir na rua, alerta Inaba.

"Isso pode causar sofrimento social e um aumento de suicídios", diz ele.

A ajuda inadequada também pode criar um "grande problema" e até contribuir para a disseminação do coronavírus, incentivando alguns a "irem para cidades provinciais quando já estão portando o vírus", alerta Inaba.

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