Andreza Matais

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Reportagem

Previ dispensa diretores de atestar experiência para vagas milionárias

Diretores-executivos da Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, ganham hoje remuneração anual superior a R$ 1 milhão sem precisar comprovar experiência ou qualificação para atuar em conselhos de empresas onde o fundo de pensão do Banco do Brasil investe.

Neste ano, a Previ mudou as regras e, pela primeira vez, "dispensou" os seis diretores de atestar "formação, experiência e demais competências necessárias" para compor os conselhos fiscal e de administração de empresas como Vale, Gerdau e Neoenergia, que recebem investimentos do fundo previdenciário.

Com 200 mil associados e R$ 272 bilhões em ativos, a Previ tem participação em 91 conselhos fiscais e de administração de empresas em que investe. É o maior fundo de pensão da América Latina.

Sem currículo para atuar em conselhos

A mudança ocorre após questionamentos de que diretores não têm currículo nem mesmo para atuar na própria Previ.

Por duas vezes, a Justiça mandou afastar do posto o presidente do fundo, João Luiz Fukunaga, por falta de qualificação.

A diretora de planejamento, Paula Regina Goto, também enfrentou questionamentos sobre suas competências para o cargo. Ela chegou a ser impedida de tomar posse pela Superintendência da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.

O UOL cruzou inúmeras informações que demonstram que nenhum dos seis diretores tem experiência nos segmentos das empresas para as quais foram indicados pela Previ como conselheiros de administração ou fiscal.

Os diretores da Previ nos conselhos

Ex-diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo e formado em História, Fukunaga está no conselho de administração da Vale, uma das maiores empresas de mineração do mundo.

Em média, a mineradora pagou R$ 1,3 milhão aos seus conselheiros em 2022, segundo formulário de referência da Vale encaminhado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

No currículo de Fukunaga, não há qualquer menção a experiência no segmento.

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Se ainda estivesse no sindicato como diretor de "organização e suporte administrativo", cargo que ocupava antes de ser indicado para Previ pelo Banco do Brasil, ele teria salário de cerca de R$ 30 mil.

Já no fundo de pensão, a remuneração mensal de Fukunaga pode chegar a R$ 182 mil, considerando o salário e o valor como conselheiro da Vale.

O petista tentou entrar como conselheiro da Vibra, mas não recebeu votos suficientes entre os acionistas da empresa de energia. A Vibra pagou, em média, R$ 1,9 milhão no ano de 2022 aos integrantes de seu conselho de administração.

Paula Regina Goto está nos conselhos de administração da metalúrgica Tupy —cuja remuneração média é de R$ 556 mil por ano— e fiscal das lojas Renner -que paga R$ 262 mil ao ano.

Com especialização em ciências sociais, Paula entrou na Previ apoiada pelo Sindicato dos Bancários do Pará e, como funcionária do BB, não passou da função de gerente.

Ex-diretor do Sindicato dos Bancários de BH e Região, o diretor de Seguridade da Previ, Wagner de Sousa Nascimento, está nos conselhos de administração do shopping Iguatemi (média de remuneração de R$ 1,4 milhão em 2023) e da Tupy (média de R$ 556 mil/ano).

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Ex-diretor do Sindicato dos Bancários de Petrópolis e atual diretor de Administração da Previ, Márcio de Souza está nos conselhos da Neoenergia (média de R$ 765 mil/ano) e fiscal da Vale (R$ 335 mil/ano).

Em todos os casos citados, as empresas pagam valores diferentes para cada integrante do conselho e não informam quanto cada um recebe, apenas a média entre o maior e o menor valores.

Procurada, a Previ disse que "não irá informar" os valores exatos ou dará qualquer outro esclarecimento referente a participação nos conselhos.

No último relatório de prestação de contas, de 2023, a Previ informa aos associados que seus representantes nos conselhos fiscal e de administração "contribuem para tomada de decisões estratégicas" e que "a seleção dos nomes é uma etapa essencial para assegurar colegiados robustos e diversificados nas empresas em que a Previ investe".

Diz ainda que "a escolha criteriosa visa indicar profissionais capazes de proteger o melhor interesse da companhia". Para concluir, o fundo afirma que "mais do que um processo seletivo, a escolha dos conselheiros representa compromisso com a perenidade das empresas investidas".

Regra valia para todos

Até a mudança —que atende apenas aos diretores-executivos—, a Previ exigia que todos os candidatos comprovassem "formação, experiência profissional e demais competências necessárias a uma atuação de excelência nos conselhos".

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Os diretores também estão dispensados de fazer assessment (método para avaliar a capacidade de um funcionário para ocupar determinada função).

As novas regras foram aprovadas pelo conselho deliberativo da Previ, que tem três vice-presidentes em sua composição, todos ligados à presidente do banco, Tarciana Medeiros.

Francisco Augusto Lassalvia, Marisa Reghini Ferreira Mattos e João Vagnes de Moura Silva também deram aos diretores-executivos o direito de ficar com as melhores vagas nos conselhos, consequentemente as que pagam os maiores valores. O que sobrar é disputado entre os associados da Previ, que são submetidos a um processo interno de seleção rigoroso.

Além de análise de currículo e demonstração de conhecimento técnico, quem não é diretor precisa comprovar reputação ilibada e diversas habilidades comportamentais para ser indicado pela Previ a um desses conselhos.

Ex-diretor fala em 'alinhamento ideológico'

Ex-diretor e ex-conselheiro da Previ por dez anos, Nélio Lima disse ao UOL que as regras do processo de seleção sempre foram iguais para todos, mas hoje a Previ "virou uma entidade ideológica" alinhada ao PT. O ex-diretor assina uma das representações contra o presidente da Previ questionando o currículo dele.

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"É algo questionável. Se você exige um processo seletivo para todo mundo que se habilitar para ser conselheiro, até os vice-presidentes do Banco do Brasil passam por isso, por que você libera os diretores da Previ do processo seletivo?", indagou.

"Antigamente tinha um processo em três etapas: experiência profissional, formação e ser formado em áreas afins. Isso valia para todo mundo", disse. "Se você pegar os indicados para os conselhos, vai ver que tem muita gente filiada aos sindicatos. Estamos voltando a 2003, quando teve esse movimento, de colocar as pessoas vinculadas aos sindicatos", afirmou.

Dos seis dirigentes da Previ, dois chegaram com o governo Lula —Fukunaga e Cláudio Gonçalves—indicados pelo BB. Dos demais, um está lá desde 2020 (Wagner de Sousa) e os outros desde 2022, quando entraram em alguns conselhos pelas regras anteriores.

Para ingresso na direção da Previ, três são indicados pelo BB e três, eleitos pelos associados.

Vagas LGBTQIAPN+

Neste ano, o comando da Previ também estabeleceu notas de corte diferentes para grupos sub-representados, entre eles, LGBTQIAPN+, para indicação aos conselhos.

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A política de seleção prevê que "lésbica, gay, bissexual, transexual/transgênero, queer, intersexo, assexual ou agênero, pansexual, não binária e demais possibilidades de identidades de gênero e orientações afetivo sexuais que divergem dos modelos cisgênero e heterossexual" façam uma autodeclaração.

A mesma regra também beneficia mulheres, negros, amarelos, indígenas e pessoas com deficiência.

Salários e bônus

Como presidente da Previ, João Fukunaga tem o mesmo salário dos vice-presidentes do Banco do Brasil. O valor para este ano é de R$ 70.205.

Os demais diretores-executivos recebem o equivalente aos diretores do BB, R$ 59.500.

Como revelou a coluna, o comando do BB tentou elevar o salário da presidente em 57% e dos vice-presidentes em 34,3%, mas a proposta foi rejeitada pelos acionistas, que só concederam reajuste de 4,6%.

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Quando retornarem ao BB, após os mandatos na Previ, todos os diretores-executivos receberão um ano do salário que ganham do fundo de pensão pelo chamado Paet (Programa de Alternativa para Executivos em Transição).

Como mostrou o UOL, o comando do BB alterou neste ano regras do programa para garantir bônus a todos os altos executivos que fizerem downgrade em suas funções na instituição.

A mudança foi feita sem a autorização da Sest (Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais), do Ministério da Gestão e Inovação. Procurada pelo UOL, a Sest não respondeu sobre a alteração ter sido feita sem seu aval.

O que diz a Previ

Sobre a mudança de regra, a Previ afirma, por meio da assessoria, que "os membros da diretoria executiva já passam por uma série de avaliações para ocupar os seus cargos e, também, pelos ritos de governança da Previ, do patrocinador Banco do Brasil e do órgão fiscalizador, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), cujos critérios são mais restritivos que o próprio processo de seleção de conselheiros".

Ao responder sobre o porquê de os diretores se submeterem ao processo de análise de currículo e perfil até este ano, a Previ justificou que as regras estão "sempre em atualização".

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A Previ afirmou ainda que seu presidente "deu os melhores resultados dos últimos dez anos", o que "comprova sua qualificação para a vaga".

Sobre as remunerações dos diretores-executivos pelos conselhos, a Previ disse que não iria comentar. "A remuneração é de responsabilidade das companhias, não da Previ", informou.

Todas as empresas citadas na reportagem foram procuradas e informaram que os valores eram os disponibilizados em seus formulários de referência. A exceção foi a Gerdau, que informou estar em período de silêncio.

O UOL também questionou se existem limites para receber remunerações dos conselhos, mas não houve resposta. No BB, por exemplo, os diretores recebem por até três conselhos.

A respeito da política para sub-representados, a Previ afirma que "busca por diversidade nos conselhos pois entende a importância de diferentes perspectivas para melhor contribuir nas decisões e inovações, resultando em uma cultura mais robusta e equitativa".

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