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Não queremos ver esses tempos renascer, diz testemunha em julgamento de nazista

Sobrevivente do nazismo diz que não quer aqueles tempos de volta - Artsiom Malashenko/Getty Images/iStockphoto
Sobrevivente do nazismo diz que não quer aqueles tempos de volta Imagem: Artsiom Malashenko/Getty Images/iStockphoto

22/07/2020 08h39

Marek Dunin-Wasowicz, de 93 anos, disse durante o julgamento do ex-guarda da SS (Abreviação de Schutzstaffel, organização paramilitar do partido nazista) Bruno Deyque, que o mundo não quer ver o nazismo renascer. O idoso é uma testemunha crucial para a acusação.

Para Dunin-Wasowicz, que passou vários meses neste campo alemão quando tinha 17 anos, depois de ser preso como suposto membro da resistência polonesa, o julgamento de Hamburgo é muito mais do que um simples julgamento sobre se Dey é culpado ou inocente.

"De forma indireta ou direta, participou de um massacre. Ele é um criminoso", disse à AFP esse ex-jornalista e escritor, em uma entrevista em seu apartamento em Varsóvia.

Dunin-Wasowicz se declara "indiferente" às declarações de Bruno Dey. Não quer vingança ou desculpas.

Mas, "por uma questão de honra", decidiu ser testemunha no julgamento, talvez um dos últimos por crimes nazistas, em nome das mais de 60.000 vítimas que morreram neste campo e dos poucos sobreviventes vivos.

O ex-prisioneiro espera que seu testemunho seja ouvido na Alemanha, berço do nazismo, num momento em que a retórica de extrema-direita ganha espaço na Europa.

Depois de testemunhar no julgamento no ano passado, recorda ter ficado chocado quando uma fila de espera se formou em sua mesa no tribunal.

"Vieram pedir perdão em nome de seus avós e pais. Fiquei surpreso. Não esperava isso. No coração da Alemanha!", declarou à AFP.

Sabia o que acontecia

Marek Dunin-Wasowicz chegou a este campo na costa báltica da Polônia ocupada em maio de 1944. Escapou em fevereiro de 1945.

Ele não se lembra de Bruno Dey, mas os arquivos mostram que o guarda estava lá durante esse período.

No julgamento, Bruno Dey afirmou que não estava diretamente envolvido nos maus-tratos aos prisioneiros e que ficava de guarda em uma torre de vigia.

Segundo Marek Dunin-Wasowicz, os guardas da SS como Bruno Dey também escoltavam os prisioneiros para as câmaras de gás e vigiavam aqueles que trabalhavam fora do campo. De acordo com a Promotoria, Bruno Dey é culpado de fazer parte da máquina de matar nazista.

Uma decisão histórica de 2011 contra o ex-guarda John Demjanjuk estabeleceu um precedente para esse tipo de processo.

Desde então, a Alemanha levou outros ex-membros da SS à justiça por esse mesmo motivo e não por atrocidades cometidas diretamente.

Marek Dunin-Wasowicz rejeita as explicações de Bruno Dey de que ele não tinha escolha. Reconhece que não sabe o que teria feito em seu lugar, porque a alternativa mais óbvia ao serviço no campo teria sido a frente oriental.

"Ele sabia o que estava acontecendo. Não deveria ter feito", declarou o ex-prisioneiro, considerando "indesculpável" que a Alemanha tenha levado tanto tempo para julgar pessoas como Bruno Dey.

Forno crematório não dava conta

A princípio, Stutthof deveria receber os líderes dos serviços de inteligência poloneses e foi o primeiro campo nazista construído fora da Alemanha, a partir de setembro de 1939. Foi também o último campo libertado pelos Aliados no final da guerra, em maio de 1945.

Marek Dunin-Wasowicz lembra-se de ter sido surpreendido positivamente quando desceu do trem de carga que transportava cerca de 900 homens.

Perto do campo havia flores e cisnes em um lago. "Um paraíso", pensou ele antes de atravessar a entrada do campo, conhecida como "portão da morte".

Stutthof passava naquele momento de um campo de concentração para um campo de extermínio, peça do plano nazista os eliminar judeus europeus.

O jovem vestiu o uniforme e recebeu um número, 35.461, que o acompanhará até o fim de sua vida.

Pouco tempo depois, seguiu o conselho de um médico e machucou o dedo do pé para evitar trabalhos forçados e permanecer no hospital por um tempo considerável.

De sua cama e através de uma janela, podia ver a câmara de gás e o crematório do campo.

Ele se lembra de ter visto "silhuetas" avançando em direção à câmara de gás e despindo-se e, um pouco mais tarde, prisioneiros que "tiravam os corpos".

"O crematório não dava conta, então começaram a queimar corpos em fogueiras, fora do campo", lembra Marek Dunin-Wasowicz.

Em janeiro de 1945, ele se lembra de ter ouvido o primeiro disparo de artilharia. A linha de frente se aproximava do campo.

Os detidos foram forçados a caminhar pelos campos, com neve até os joelhos, escoltados pela SS.

"Se alguém não conseguisse acompanhar, se não tivesse forças e caísse, não se levantaria novamente porque a SS o matava a tiros", diz.

Hoje, sente "uma necessidade dolorosa e complicada" de se expressar para mostrar sua rejeição ao "fascismo, neofascismo e todos os outros males causados pela época de Hitler e pelos campos de concentração".

"Os prisioneiros dos campos de concentração não querem que mãos se levantam para um gesto de saudação. Não queremos gritos, porque nos lembramos dos gritos da Gestapo e da SS nos campos", insiste.

"Não queremos que os livros sejam queimados porque, na época, começamos a queimar livros e depois queimamos pessoas. Vou repetir isso até morrer", conclui.