Educação na Venezuela: um desafio diante de três milhões de crianças sem aulas

Crianças que deixaram de ir às aulas porque suas famílias mal têm o que comer ou que estudam em escolas que só abrem duas ou três vezes por semana; professores que desistem, cansados de salários precários: a rede de educação pública da Venezuela está à beira do colapso.

Três milhões de crianças e adolescentes estão fora das salas de aula, denuncia a Federação Venezuelana de Professores (FVM). Isso representa um terço da população em idade escolar.

A FVM identifica "a crise alimentar" provocada por anos de crise econômica como uma das "principais causas que impedem professores e alunos de frequentarem as instituições de ensino".

A maioria das escolas públicas funciona apenas dois ou três dias por semana, para que os professores possam buscar outros trabalhos para complementar seus magros salários: cerca de 10 dólares (R$ 57,85, na cotação atual) mensais, que, somados a bonificações, elevam a renda total para cerca de 100 dólares (R$ 578,59) por mês. A cesta básica está estimada em cinco vezes esse valor.

Alguns professores optaram por dar aulas particulares em suas casas. Outros simplesmente abandonaram a educação e buscaram outras ocupações.

Em um país que viu quase oito milhões de pessoas migrarem, segundo a ONU, a frequência das crianças e adolescentes às aulas é um desafio crucial.

- "Nem um a menos" -

Arleth Bolívar se sente sortuda por ter sua filha de 13 anos no colégio San José Obrero, na comunidade de Antímano, em Caracas, uma das 196 escolas que a organização educacional católica Fe y Alegría possui na Venezuela, dedicada a atender setores populares.

"Nunca pararam de dar aulas", conta essa mulher de 39 anos à AFP. "Diferente de outras escolas, onde não há nem professor."

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Como parte de iniciativas que surgem para tentar manter os alunos nas salas de aula, a Fe y Alegría lançou, no início do ano letivo 2024-2025, no mês passado, um plano de arrecadação de fundos para conceder bolsas a 10 mil dos 96 mil estudantes que frequentam suas escolas na Venezuela.

"Temos um slogan: nem um a menos", diz à AFP a diretora do programa de escolas da organização, Noelbis Aguilar. "Através da educação, você salva vidas."

A mensalidade nas escolas da Fe y Alegría, que recebe financiamento do Estado e doações de empresas privadas, gira em torno de 20 dólares, embora haja isenções. No ano passado, havia 1.500 bolsistas.

Tem sido uma saída para famílias como a de Arleth. O governo relatou no início do ano letivo 5,5 milhões de alunos matriculados nos ensinos infantil, fundamental e médio, o que contrasta com os 8 milhões que as próprias autoridades anunciavam em anos anteriores.

O déficit de educadores é de cerca de 40%, segundo um estudo da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB). O governo pede que voltem às salas de aula.

"Peço a todos os docentes, faço um chamado por amor à vocação, pelo amor que têm a este país, para que voltem a se reincorporar", declarou há um mês o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, após anunciar programas de acesso a moradia, saúde e alimentação, além de subsídios destinados a educadores.

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A AFP buscou acesso a escolas estatais, mas foi negado pelas autoridades.

Protestos de professores são comuns. "Nos trataram como mendigos", lamentou recentemente em uma manifestação Xiomara Mijares, uma professora com 25 anos de serviço.

- Próprias mãos -

Crianças jogam futebol na escola San José Obrero, em um campo recuperado pelas próprias famílias e pela comunidade após ser danificado pelo transbordamento de um riacho devido às chuvas.

"Um pai, que tem três filhos estudando aqui e é pedreiro, me disse: 'professor, eu posso começar a fazer o trabalho'", relata Rafael Peña, diretor desta escola que tem uma ala para a reintegração de jovens fora da escola.

"Passamos cinco finais de semana, mães, pais e alunos, com toda a limpeza e reconstrução", comemorou Peña. "Não podemos ficar apenas com os problemas, temos que buscar soluções."

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Nesse colégio, em acordo com os pais, parte da mensalidade vai para um fundo para dar "um incentivo mensal" aos funcionários.

Em outra escola da Fe y Alegría em Caracas, em Las Mayas, as crianças tiram os sapatos e fazem fila para medições de altura e peso.

"Isso nos permite levantar números, fazer diagnósticos (...) e gerar um estudo sobre como está a nutrição e o crescimento dos alunos", comenta Lisceth Rojas, diretora dessa instituição, que atende alunos de educação infantil e fundamental, além de crianças em situação de abandono em dois abrigos. O objetivo é buscar apoio para os mais vulneráveis.

erc/jt/lbc/ic/am

© Agence France-Presse

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