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Acordo internacional que proíbe uso de armas químicas completa 20 anos

Larissa Galli*

29/04/2017 15h58

Neste sábado (29), a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sua Destruição completou 20 anos em vigor. Apesar disso, o uso dessas substâncias ainda é registrado em países como a Síria. Em 1997, o acordo foi promulgado e assinado por 65 países, entre eles, Brasil, Estados Unidos e Rússia. Hoje, duas décadas depois, são 192 países-membros. Myanmar e Israel, que fazem parte da Organização das Nações Unidas, não ratificaram o tratado. Angola, Coreia do Norte, Egito e Sudão do Sul, também signatários da ONU, seguem fora da convenção. Em 14 de setembro de 2013, a Síria pediu para aderir ao tratado. Um mês depois, a entrada do país foi efetivada. Antes disso, em 21 agosto de 2013, o governo sírio de Bashar al-Assad foi acusado por países do Ocidente de disparar foguetes com sarin, uma substância química que age no sistema nervoso (veja infográfico). O ataque foi sobre áreas controladas pela oposição do ditador Assad, no vilarejo de Ghouta, próximo à cidade de Damasco, capital do país, e matou centenas de pessoas. O presidente Assad negou a acusação do uso de armas químicas em Ghouta e concordou em destruir o arsenal químico da Síria. Menos de um mês depois, a Síria pediu para aderir ao Acordo Internacional. Apesar disso, a Organização para Proibição de Armas Químicas (Opaq), instituição que administra o tratado, continuou a reportar o uso de produtos químicos tóxicos em ataques no país. Avanço Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Antonio Jorge Ramalho, a Convenção representa um avanço regulatório importante, pois estabelece parâmetros objetivos e legítimos para se abolir a produção e o uso de armas químicas. "O fato de a indústria química apoiá-lo contribui para sua efetividade. Em certo sentido, é um avanço civilizatório", afirma. Segundo ele, nos dias de hoje, o acordo não perdeu prestígio; ao contrário, mostrou-se um ponto de convergência entre as grandes potências. A luta para acabar com as armas químicas é ainda mais velha. Em 17 de junho de 1925, o Protocolo de Genebra ensaiou uma tentativa de proibir o uso de armas químicas, como gases asfixiantes, tóxicos ou similares, em guerras. Contudo, o documento não proibia a fabricação, o armazenamento e a transferência dos gases químicos. A Síria, inclusive, é signatária deste Protocolo desde sua aprovação. Somente a Alemanha nazista não assinou o tratado, e Adolf Hitler utilizou-se de gases químicos venenosos tanto contra prisioneiros de guerra, quanto contra soldados na frente de batalha durante a Segunda Guerra Mundial. O professor Ramalho afirma que "desde a entrada em vigência da Convenção, registrou-se pelo menos uma quinzena de episódios relevantes de emprego de armas químicas, inclusive venenos e pesticidas usados fora de contexto". Segundo ele, na maioria dos casos, atribuiu-se a responsabilidade pelos ataques a terroristas islâmicos. De acordo com a Doutora em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Tânia Maria Manzur, ataques químicos vêm sendo planejados há bastante tempo. "Bombas contendo cianeto foram propostas na Guerra da Criméia, por exemplo; sugestões de contaminar reservatórios inimigos com metal fundido, bombas incendiárias de arsênio já lançadas no século XIX, entre outros", exemplifica. Tânia esclarece que depois da entrada em vigor da Convenção, atos perpetrados por Estados-membros não têm sido tão frequentes. No entanto, alguns episódios não podem ser esquecidos. "Pode ser mencionada a utilização, por forças de segurança russas, de um gás químico (fentanil) para matar terroristas chechenos que fizeram vários reféns em um teatro de Moscou, em 2002. Como decorrência dessa ação, não apenas os terroristas, mas também os reféns morreram", ressalta. Síria A Síria também encorpa essas estatísticas. Já signatária do acordo por mais de três anos, em 2017, o país é acusado novamente de utilizar substâncias tóxicas. Dessa vez, uma série de bombardeios aéreos conduzidos pelo governo de Bashar al-Assad resultou em um ataque químico sobre a população da cidade de Khan Sheikhun, próxima à província de Idlib, conhecida como a capital rebelde da Síria. Segundo Tânia, esse ataque gera uma série de questionamentos sobre a necessidade de controles mais rígidos dos armamentos dos países. Na Síria, governo e oposição trocam acusações sobre a autoria do ataque. Acredita-se, contudo, que Assad seja responsável, já que as vítimas estavam em área controlada pelos opositores. No entanto, Tânia ressalta a preocupação que se deve ter com grupos paramilitares ou terroristas. "Já em 1997 se suspeitava das intenções de vários governos quanto ao desenvolvimento e utilização de armas químicas. Contudo, o perigo do terrorismo e da utilização de tais armas por grupos paramilitares ou terroristas ainda não parecia evidente, como foi-se tornando a partir do atentado contra o World Trade Center em 11 de setembro de 2000", explica. Para o professor Ramalho, "o emprego de armas químicas chama atenção para o desastre humanitário em curso na Síria, mas nem de longe este é o principal meio de violação de direitos humanos naquele país, realizado por todas as partes do conflito", explica. Tânia defende que hoje é cada vez mais necessário que se eliminem esses tipos de arma. "Qualquer arma de guerra - seja ela convencional, nuclear, química - traz devastação e morte", pontua. "Mas a arma química, por sua natureza, afeta os seres vivos e lhes imputa uma morte de extrema agonia e sofrimento, ao passo que outras armas têm efeito mais imediato. Talvez, por isso, haja um clamor tão intenso na opinião pública mundial quando se verifica a utilização das armas químicas. Elas parecem mais desumanas", finaliza. O acadêmico Antonio Jorge Ramalho destaca que o último ataque com armas químicas na Síria configura um grande desafio para a comunidade internacional. "A depender dos interesses das grandes potências e do lado que cada uma apóia neste conflito, afirma-se uma coisa ou outra", avalia. O problema apontado por Ramalho é que o governo sírio não contribui para as investigações. "A comissão da ONU que examina as violações de direitos humanos na guerra civil em curso na Síria precisa trabalhar com fatos e depoimentos recolhidos nos países vizinhos, especialmente a Turquia e o Líbano, dada a impossibilidade de realizar perícias in loco", afirma. "A perpetuação desse conflito tem evidenciado a incapacidade da comunidade internacional de combater crimes de guerra e crimes contra a humanidade", conclui. *sob supervisão da jornalista Ana Elisa Santana