Mortalidade materna no Rio aumentou nos últimos três anos, aponta relatório
O número de mortes de mulheres grávidas têm aumentado nos últimos três anos na capital fluminense. No ano passado, 62 mulheres morreram no parto em hospitais públicos e privados. Neste ano, já foram contabilizados 28 óbitos até 19 de maio, segundo estudo da Secretaria Municipal de Saúde da capital fluminense, apresentado hoje (29) em audiência pública sobre o tema na Câmara dos Vereadores, centro do Rio. As maiores incidências ocorrem nas zonas norte e oeste, regiões mais pobres. Entre 2015 e 2016, 42,9 % das mortes maternas ocorreram entre mulheres pardas, 24% entre pretas e 31% entre brancas. O risco de morte na gravidez, parto e puerpério é 3,2 vezes maior para mulheres pretas; 3,4 vezes maior para mulheres com ensino fundamental; e 2,2 com ensino médio. A pesquisa usou a mesma definição do IBGE para definir a cor da população. A Razão de Mortalidade Materna (RMM) de residentes no município chegou a 98,6 por 100 mil nascidos vivos somente entre janeiro e maio deste ano. No ano passado, a taxa era de 74,7 e em 2015, 71,8. A Organização das Nações Unidas preconiza 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos como número aceitável, dentro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Integrante do Grupo Mães do Hospital de Acari, Samanta Rodrigues, lembrou da morte de sua sobrinha, Juliana, 16 anos, que morreu em 2014, após o parto de Kayke, no hospital Ronaldo Gazolla. "Criei uma página nas redes sociais para que mais nenhum óbito ocorresse por negligência e encontrei várias mães com relatos anteriores. A mulher negra, pobre, oriunda de comunidade, é assassinada nas maternidades municipais do Rio de Janeiro até hoje", declarou. Uma das convidadas para a audiência, a ativista Luciane Lacerda, do Fórum de Mulheres Negras, lamentou que, apesar dos vastos dados que comprovam que a mulher negra e pobre é a maior vítima de violência e falta de acesso a direitos, pouco se faz de concreto para reverter esse quadro. "Essa política precisa ter foco, precisa ter olhar de reversão concreta desse tipo de questão. Vimos os dados. Não queremos ser apenas os dados, queremos ter prioridade e isso é preciso ser cobrado cotidianamente". A superintendente dos Hospitais Pediátricos e Maternidades da Secretaria Municipal de Saúde, Carla Lopes Porto Brasil, ressaltou que um dos grandes desafios das ações para reverter esse quadro é combater as iniquidades étnico-raciais que impedem que grande parcela da sociedade tenha acesso a direitos e saúde de qualidade. "Não há discurso que dê conta para cada pessoa que perdeu um ente da família, mas convido grupos de movimentos sociais para uma visita a essas unidades municipais e a participar dessa construção de maneira democrática", disse ela. "É muito doloroso ouvir cada caso, de cada mulher. Me coloco à disposição para construir esse espaço diferenciado". Causas de morte As principais causas de morte materna no município, nos últimos três anos, são complicações obstétricas indiretas, seguidas de infecção, hemorragia, aborto e hipertensão. A doutora em saúde da mulher e criança pela Fundação Oswaldo Cruz, Leila Adesse, integrante do Grupo de Estudos sobre Aborto, destacou que a falta de capacitação profissional e a estigmatização da mulher que aborta são os principais obstáculos para reduzir a morte materna pelas complicações do aborto. "O aborto traz desconforto para os profissionais nas maternidades, traz repulsa, macula seu trabalho, que é estar ali para olhar para o feto, para o bebê que vai nascer", comentou ela. "Muitas mulheres acabam não contando como ou porque decidiram interromper a gestação, se por culpa, por vergonha. O aborto é uma epidemia silenciosa. O silêncio que o circunda é um manto protetor da moral e dos bons costumes e encobre um paradoxo: a alta prevalência e o baixo registro. É preciso romper com o ciclo de silêncio", completou. A vereadora Marielle Franco, que mediou os debates, lembrou que mesmo os casos garantidos em lei muitas vezes não têm o atendimento adequado, como os de estupro e de fetos anencéfalos. Mulheres separadas, solteiras e viúvas O risco de morte na gravidez, parto e puerpério é 1,2 vezes maior para mulheres solteiras, separadas ou viúvas, do que para as casadas ou com união estável no Rio de Janeiro. A Razão da Mortalidade Materna (RMM) por 100 mil nascidos vivos, segundo situação conjugal da mulher, chegou a 77,2 em 2015 e 2016 no primeiro grupo, contra 66,0 no primeiro. De 2015 a 2016, 69,8% das mortes foram de mulheres separadas, solteiras ou viúvas. Ao fim da audiência, Marielle propôs a criação de grupo de trabalho para buscar formas de sensibilizar os grupos de profissionais de saúde e assim garantir parto humanizado de qualidade e tratamento adequado para mulheres que sofrem abortos. * Colaborou Tâmara Freire, repórter do Radiojornalismo
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