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MPF recomenda que Incra revogue resolução que reduz área de quilombo

20/06/2018 16h42

O Ministério Público Federal (MPF) de Goiás emitiu uma recomendação para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) revogue a resolução que permite a redução em cerca de 80% do território do Quilombo Mesquita, situado na Cidade Ocidental (GO). O documento foi expedido ontem (19) no final da tarde pela Procuradoria responsável pelo polo de Luziânia (GO) e divulgado hoje (20). No mês passado, o Incra publicou uma resolução que permite a redução do Quilombo Mesquita de 4,2 mil hectares para pouco mais de 970 hectares. A notícia gerou polêmica e motivou reação imediata da comunidade afetada. O quilombo foi formado na região há cerca de 270 anos e abriga atualmente 785 famílias. O Incra tem o prazo de 15 dias, a partir do recebimento do documento, para informar se acata ou  não a recomendação. Segundo o MPF, o não cumprimento da revogação, bem como a não apresentação de justificativas em caso de descumprimento da recomendação, "importará na adoção das medidas judiciais cabíveis".
Acervo de memória da Comunidade Quilombola de Mesquita, presente na região da Cidade Ocidental há mais de 270 anos - José Cruz/Agência Brasil

Desconsiderou estudos

O Ministério Público argumenta que a decisão do Conselho Diretor do Incra "desconsiderou completamente todos os estudos antropológico, histórico e sociológico" e os relatórios técnicos e jurídicos feitos pela própria autarquia durante o processo de regularização da terra quilombola de Mesquita. A decisão também deve ser revogada, para o MPF, por ter ignorado a vontade da maioria da comunidade. A recomendação do Ministério Público aponta ainda que a resolução do Incra foi aprovada com base em requerimento da Associação Renovadora do Quilombo Mesquita, que tem sua representatividade questionada pela comunidade. Segundo o MPF, a comunidade constatou fraudes no processo decisório que levou à formulação do pedido de redução do território e há evidências de que o pedido do então presidente da associação não encontra ressonância na maioria dos moradores do Quilombo. A decisão do Incra, segundo o MPF, também contraria as avaliações técnicas e pesquisas de campo que definiram o tamanho original do território em mais de 4 mil hectares. Na recomendação, a Procuradoria esclarece que, ao contrário do que alega a direção da associação, a comunidade sempre reivindicou a manutenção do tamanho original do território, e não sua redução para 971 hectares, como consta na resolução do Incra. A recomendação também cita parecer elaborado pelo próprio Ministério Público Federal, em 2012, que constatou, baseado em informações técnicas do relatório antropológico elaborado pelo Incra e a Fundação Cultural Palmares, que a área ocupada pelas 785 famílias não é suficiente para garantir a sustentabilidade física e social da comunidade.

Garantia constitucional

O Quilombo do Mesquita, comunidade bicentenária situada a 50 Km de Brasília - José Cruz/Agência Brasil
Na recomendação, o MPF considera o dispositivo da Constituição Federal que garante "uma finalidade pública da máxima relevância" às terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos e para assegurar o direito à moradia e manutenção das tradições de uma minoria étnica vulnerável. Entre outros princípios e fundamentos constitucionais, como o da dignidade humana e o direito ao território como condição para manutenção da identidade étnica e reprodução dos valores tradicionais, a procuradoria também cita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a responsabilidade do Estado "de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática para proteger seus direitos e garantir respeito à sua integridade", incluindo medidas para respeitar "sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições". O MPF ressalta que o Estado deve consultar a comunidade e não tomar medidas que contrariem a vontade dos povos tribais, incluindo quilombolas, conforme a mesma Convenção da OIT. O documento, assinado pela procuradora Nádia Simas Souza, ainda alerta que a restrição proposta ameaça a integridade do grupo e pode agravar a exclusão social, além de promover o "etnocídio". A  Agência Brasil entrou em contato com o Incra e não recebeu retorno até a publicação da reportagem.