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Revista propõe conteúdo afirmativo para lésbicas

29/08/2018 07h11

Produzida integralmente por lésbicas e direcionada para esse público, a revista "Brejeiras" joga luz sobre o universo das mulheres que amam mulheres. A ideia de criar a revista surgiu no dia do aniversário de Cristiane Furtado, quando ela e mais quatro amigas decidiram lutar por um espaço para falar sobre sexualidade, saúde, estética e poesia a partir da ótica lésbica. A primeira edição, com a cantora Elen Oléria na capa, foi publicada em abril, com tiragem de 100 exemplares, mas se esgotou em minutos. Em seguida, houve uma segunda tiragem de 350 exemplares, que desapareceu em poucos dias e ainda é requisitada pelas leitoras.

Trimestral, a revista chegou à segunda edição há pouco mais de uma semana com a tiragem de 1.000 exemplares, que também já não está mais disponível e deverá ser ampliada.    Vácuo "A Brejeiras ocupa um espaço enorme, um vácuo que a gente sempre encontrou nos meios de comunicação de alguma forma porque, nós, lésbicas, nunca somos representadas ou somos sub-representadas, criminalizadas ou colocadas no campo do fetiche", afirmou a jornalista Camila Marins, uma das fundadoras da revista, após participar do lançamento ontem (28) da segunda edição em Brasília. Para a jornalista, a revista cumpre também um papel social. "A representação que a gente tem na mídia não é positiva, são pouquíssimos os exemplos de representação afirmativa na mídia", observou Camila. A segunda edição da "Brejeiras" traz na capa a arquiteta Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março, no Rio de Janeiro, em um crime que chocou o país e ainda sem solução. "Fundamental ter um veículo de comunicação desse tipo. Quando eu tinha 19 anos e estava apaixonada por uma mulher, senti medo. Se existisse uma revista dessa, talvez eu não tivesse sofrido tanto", contou Mônica. Ao lado de Marielle, Mônica Benício apoiou movimentos em defesa de direitos humanos e da inserção dos excluídos. "A Marielle foi assassinada por um sistema. Não me interessa se foi o tráfico ou a milícia. Esse é o sistema, cria o extermínio da juventude negra da periferia, opera o patriarcado, o machismo, a misoginia", afirmou Mônica no lançamento da revista em Brasília. Mais espaço O lançamento da segunda edição da revista ocorreu na véspera do Dia Nacional de Visibilidade Lésbica, celebrado hoje (29), que marca o enfrentamento dos desafios dessa população para transpor o apagamento e enfrentar uma realidade de preconceito e violência.  "Se a gente tivesse um espaço como esse, com a possibilidade de falar e ler sobre isso aos 15 anos, nossa vida seria muito diferente. Temos ouvido essa frase repetidamente", disse Cristiane, que tem 40 anos, e defende a visibilidade também como forma de deixar uma referência para gerações mais novas. "Na minha adolescência, não existia nada de referência que eu consiga me lembrar e que tenha me marcado profundamente." A "Brejeiras" se destaca por trabalhar temas sobre a existência lésbica em suas múltiplas dimensões. Além de entrevistas e reportagens especiais, a publicação apresenta colunas de poesia, memória e gastronomia. "Com receitas motivadas pelo afeto entre mulheres", registrou Camila Marins. Há espaço também para crônicas, participação de leitoras e horóscopo lésbico. "Desde 1983, não temos uma publicação voltada para o público lésbico, para o público sapatão. A última foi o ChanaComChana, que deu o grande marco paro movimento lésbico brasileiro. Mais do que bem-vinda, essa é uma iniciativa histórica", afirmou Evelyn Silva, que compõe a Associação Lésbica de Brasília - Coturno de Vênus. A "Brejeiras" só está disponível nas edições impressas vendidas pela IndieBlooks, uma livraria independente que reúne lojas físicas no Rio e em São Paulo. A publicação, no entanto, pode ser adquirida pela internet, na página da livraria.   Sapatão com orgulho   Fundadora e CEO da Concreto Rosa, empresa de manutenção residencial formada apenas por mulheres, Geisa Garibaldi, de 34 anos, observa avanços na visibilidade lésbica e identifica o machismo como o principal obstáculo a ser superado. "O que nos impulsiona é a coragem de continuar lutando. Dizer que sou lésbica e sapatão é marcar o meu lugar e mostrar que estou aqui, que existo", disse Geisa. "O machismo ainda é muito forte, mas a gente está ai para quebrar os paradigmas de que a gente não é capaz e de que precisa ter um homem do lado para validar as nossas relações." Eletricista, bombeira hidráulica, pedreira e empresária, Geisa credita parte de sua liberdade a mulheres lésbicas que vieram antes dela e conquistaram mais visibilidade. "A minha geração é resultado do que as outras ldesbravaram. Hoje, as adolescentes estão tendo muito mais oportunidade de poder escolher o caminho que vão seguir. Ainda é muito pequena essa parcela, mas acredito que está um pouco melhor. Temos muita estrada pela frente." Se os avanços das últimas décadas permitem que parte dessa população já usufrua de liberdade de demonstrar afeto e viver sua sexualidade, segundo as ativistas, a lesbofobia permanece como uma realidade na visão de quem luta todos os dias para por fim ao silenciamento das mulheres lésbicas na sociedade. Visibilidade Cristiane Furtado, uma das autoras da "Brejeias", trabalha ativamente para mostrar que a história da luta do movimento lésbico não é uma linha reta, por ter retrocessos, como o impedimento da criação do Dia da Visibilidade Lésbica na cidade Rio de Janeiro. A proposta do Dia da Visibilidade Lésbica no Rio era da vereadora Marielle Franco e foi derrotada por dois votos no plenário da Câmara Legislativa, no momento em que ela estava ali para defendê-la. Ao contrário de outras iniciativas de Marielle, o projeto não voltou a ser discutido após o assassinato dela. "Vamos continuar nas ruas nesse dia, ocupando os espaços. Estaremos na Cinelândia, fazendo um 'Ocupa Sapatão' por Marielle Franco na escadaria da Câmara de Vereadores", afirmou Cristiane. Para a jornalista, o desafio começa dentro do movimento LGBT: "O apagamento das mulheres é um apagamento sistemático, dentro e fora do movimento. Precisamos que os nossos modos de relacionamento, nossos afetos entre mulheres e esse amor entre mulheres de forma coletiva ganhem espaço nas lutas políticas".