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'Tenho vontade de visitar Cabral e lhe dar um abraço', diz Pezão

Roberta Pennafort e Wilson Tosta

São Paulo

30/10/2018 14h07

A menos de três meses de deixar o cargo, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), confessa que gostaria de "dar um abraço" no ex-governador Sérgio Cabral, companheiro de partido e de grupo político que cumpre pena por condenações da Lava Jato.

Pezão Admite que seu antecessor teve "falhas" e não nega que ele tenha cometido crimes, mas se recusa a atribuir a crise do Rio ao saque dos cofres do Estado promovido pela suposta quadrilha que teria sido chefiada por seu padrinho político. Pezão reconhece que Cabral mostrava um padrão de vida "elevado", mas afirma que a crise do Rio teve outras causas.

"O que quebrou o Rio foi (a queda das cotações internacionais do) o petróleo, a Lava Jato, a queda da economia, tudo junto", disse o governador, em entrevista ao Estado concedida antes do primeiro turno das eleições.

Ele contou que também gostaria de visitar outro amigo preso pela Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), trancafiado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Mostrando-se aliviado por deixar o governo sem atrasos dos salários dos servidores e com obras em andamento, Pezão lembrou o agressivo câncer linfático que enfrentou. "Meu corpo virou uma geleia, não tinha um músculo", declarou. "Faço fisioterapia três vezes por semana para recuperar."

Foram quatro anos de turbulência. Que avaliação faz de seu governo?

Foi muito intenso e difícil. Peguei o barril (do petróleo) a US$ 115 em abril de 2014 e no final de 2015 estava a US$ 28. Ficou 14 meses assim, e depois um ano a US$ 32. As pessoas falam 'o Rio é dependente do petróleo'. Claro, o petróleo está aqui. Só com o petróleo perdemos R$ 9 bilhões por ano. A média de crescimento do Brasil em 16 anos foi de 1,9%, 2%, e pegamos -8% em quatro anos, menos R$ 40 bilhões na receita, incluindo royalties. A indústria naval, a automobilística, siderúrgica, construção civil, hotéis, metalurgia... Parou tudo.

Em 2014 não era possível prever que isso poderia acontecer?

Pega as previsões. Todo mundo dizia que o barril ia US$ 130. Ninguém falava desse cenário, nenhum economista. O Brasil tinha visto com a (então presidente) Dilma (Rousseff) crescimento de 2%, 3,%; com o Lula tinha sido 7,5%. A economia despencou, e aqui foi pior. A cadeia de petróleo é toda aqui. Em 2014, início de 2015, a gente tinha o dobro da taxa de empregos, a melhor renda per capita de região metropolitana do País.

O senhor entra para a história como o governador da falência do Rio, que atrasou salários. Como acredita que será lembrado?

Não estou preocupado com isso. Quem faz ajuste fiscal não pode se preocupar com popularidade. Minha doença foi forte. Saí da licença e fui direto para o Congresso criar uma lei que não existia. Se não fosse minha determinação, não tinha recuperação fiscal. Fiquei 29 dias enfiado em Brasília direto. Quando ia votar, Cabral foi preso. Deu 15 dias, Adriana (Ancelmo, mulher de Cabral) preso. Mais 15 dias, Tribunal de Contas todo preso. Um clima horroroso. Nós aderimos a essa lei e em um ano colhemos frutos. Atingimos meta de três anos em apenas um, com corte de despesa, aumento de receita, redução de incentivos e a volta do petróleo. Agora tem cinco ou seis Estados tentando aderir. Já conseguimos reduzir mais de 19 mil funcionários. Parecia impossível.

Os servidores passavam fome e culpavam o senhor todo dia no noticiário

O maior sofrimento meu, como filho de trabalhadores, de aposentados, foi não poder pagar um salário de R$ 1.000. É uma dor imensa. Eu sofria 24 horas por dia.

Também ficou sem salário?

Sim, por três meses. Fui o último a receber, fiquei com conta virada. O dinheiro que tinha depositado a vida inteira eu gastei na minha doença. O plano de saúde cobriu só uma parte.

Como está de saúde hoje? Acredita que a situação do Estado de certa forma contribuiu para seu adoecimento?

Tomo muito remédio. A minha dose de cortisona foi cavalar. Meu linfoma dá muito em jovem de 25 anos. Fiz um tratamento de jovem tendo 63 anos. A (ex-presidente) Dilma (Rousseff, que também teve câncer) ia me visitar e dizia que não aguentava 60 miligramas de cortisona. O Lula queria se atirar do prédio com 80 miligramas. Eu tomei 200 miligramas cada aplicação. Minha glicose ficou 500 um ano, depois 350 (o valor de referência dos pré-diabéticos é 100 miligramas de açúcar por decilitro de sangue). Meu corpo virou uma geleia, não tinha um músculo. Faço fisioterapia três vezes por semana para recuperar. Fiquei nove meses afastado e os médicos não queriam de jeito algum que eu voltasse, diziam que o estresse é a porta de entrada do câncer. Contrariei todas as orientações, minha mulher, meu filho...

Diante disso, chegou a pensar em renunciar?

Longe de mim. Era questão de honra voltar e botar tudo em dia.

Como avalia a postura dos candidatos à sua sucessão de crítica ao plano de recuperação fiscal?

Eles não conhecem, não estudaram o plano. Só posso interpretar assim. Uma pessoa que vai se sentar aqui e vai ter dois anos sem bloqueio e sem arresto, a dívida jogada para frente... Não vai passar o que eu passei. O próximo pode passar o mandato inteiro e poder se reeleger sem pagar dívida. Eu estou pagando dívida que era do (ex-governador Anthony) Garotinho (mandato de 1999 a 2002). Ele renegociou por 30 anos.

O senhor aposta no estudo do especialista em contas públicas Raul Velloso de capitalização do fundo de Previdência dos servidores como um pulo do gato para o ajuste fiscal?

É viável, e vou apresentar, com a anuência de quem for me suceder. São ideias criativas de capitalização de recursos da Previdência. Quero tentar aprovar depois das eleições. Não dá pra ter 66% do funcionalismo se aposentando com 50 anos de idade.

As Unidades de Polícia Pacificadora foram uma bandeira da sua eleição e estão tendo um fim melancólico. Como avalia o programa?

Vejo com tristeza. Eu particularmente acho a UPP uma boa política. A crise econômica prejudicou muito, só deu para pagar a folha da segurança pública, e muito mal. As pessoas pedem pra continuar. Eu sempre pedi ajuda federal. Não vejo como combater esse crime que temos hoje, três facções e milícia, o Primeiro Comando da Capital tentando entrar de vez em quando, só com Polícia Militar e Polícia Civil.

A intervenção federal na segurança fez 7 meses e os homicídios explodiram...

A intervenção reduziu os roubos de carga, a transeuntes. Homicídio é pela presença maior de policial na rua. O enfrentamento está acontecendo.

A polícia mata cada vez mais...

Está reagindo. Mataram muitos policiais. A gente não pode achar natural.

Seis meses depois, não se sabe quem matou a vereadora Marielle Franco (PSOL). Não é uma vergonha?

É muito difícil (desvendar o crime), foram profissionais que fizeram. Está sendo utilizado o que temos de melhor na polícia.

A Lava Jato contribuiu para a falência do Rio?

Atingiu muito. Estou com R$ 600 milhões para terminar as obras do metrô da Gávea, 56% pronto, porque tem ação do Ministério Público e do Tribunal de Contras do Estado que impede de pagar empresas que estão na Lava Jato.

E a prisão de parte da elite da política do Rio, Cabral, Jorge Picciani (então presidente da Assembleia Legislativa), todos do seu partido. Isso teve peso também, não?

Sempre dificulta, o ambiente político ficou carregado. É superdesagradável. Mas a gente está vendo que outros Estados estão começando a passar pelo que o Rio passou.

Qual o futuro do MDB no Rio?

Vai se sair bem (nas eleições), fazer um bom número de deputados. MDB é assim mesmo, enverga, mas não quebra. Existe crise em todos os partidos no Brasil.

Como recebeu a notícia da prisão do Cabral?

Fiquei chateado, triste.

As pessoas que conviviam com ele já disseram que os sinais exteriores de riqueza eram incompatíveis com a renda e o próprio já admitiu que "exagerou". O senhor não percebeu o que estava acontecendo?

Uma coisa que ele sempre dava impressão, e eu sempre conversava, é que ele tinha um padrão de vida elevado. Ele dizia que era tudo do escritório (de advocacia) da esposa, que tinha uma grande clientela dentro do Estado, os maiores.

Posição que conseguiu ajudada pelo cargo do marido...

Mas aí não sou que vou julgar. Não sou eu que vou falar: "para de fazer isso".

Não era claro o conflito de interesses dessas contratações do escritório (por concessionárias e prestadoras de serviço ao Estado)?

Não eram clientes em ações contra o Estado. Eu não vou entrar nesse detalhe, não estou aqui pra julgar e condenar as pessoas. O que não falta no Brasil é órgão fiscalizador e para julgar. Tem em excesso.

O senhor era secretário, vice-governador, o "tocador de obras" do governo Cabral, responsável pelo PAC, sendo que só no PAC das Favelas e na modernização do Maracanã ele foi condenado a 12 anos de prisão. A população tem dificuldade de acreditar que o senhor não sabia de nada.

Eu fazia o contato com a Dilma na Casa Civil, ficava dentro das comunidades, fazia audiências públicas, corria atrás de dinheiro. Eu não tinha esse relacionamento de ficar olhando se cobrou comissão. Tem diversos depoimentos da Odebrecht, da Carioca Engenharia, todas as pessoas falando abertamente de mim. Eu coordenei o PAC. Tem zero irregularidade. Com o Maracanã, o Arco Metropolitano, o metrô.

Em nenhuma obra teve pagamento de propina então?

Eu era secretário de obras. Temos um orçamento paradigma, que é o que o Tribunal de Contas da União aceita. Em todas essas obras estamos dentro do orçamento- aradigma. O TCU aceita com mais 5%, menos 5% do valor. Temos obras que estamos com menos 3%. Tem coisas estapafúrdias do TCE, que disse que numa obra de R$ 9 bilhões nós superfaturamos R$ 3 bilhões. Isso não existe. Temos toda a defesa pronta, com órgãos atestando. Tenho muita tranquilidade.

Não foi possível perceber que Cabral vivia de forma incompatível com a renda?

Eu vou me preocupar com isso? É a vida dele. Eu vou saber quanto o escritório da mulher dele está ganhando?

As condenações vão a 100 anos de cadeia. Acha mesmo que ele não fez nada irregular?

Em nenhum momento falei isso. A Justiça achou as falhas dele. Estou falando que as obras que a gente fez estão dentro de todos os parâmetros.

O senhor já refutou a delação que o coloca como um beneficiário do esquema atribuído a Cabral. Como se prepara para enfrentar isso na Justiça, sem foro privilegiado?

Já entrei na primeira lista da Lava Jato, e infelizmente as pessoas não deram destaque ao arquivamento. Investigaram minha vida toda, quebraram meu sigilo, meu e da minha esposa, e fui absolvido por seis a zero. Não tenho problema, minha vida está aberta.

A sociedade credita a falência do Estado não só à dependência do petróleo, mas também ao esquema de corrupção atribuído ao ex-governador Cabral. Como responde a isso?

Imagina! Nosso déficit é de R$ 20 bilhões! Não vou minimizar o que aconteceu. Mas os números mostram: o que quebrou o Rio foi o petróleo, a Lava Jato, a queda da economia, tudo junto. Agora vou entregar bem. Isso me gratifica, por ter lutado. Sem dívida, os fornecedores com 2018 em dia.

O que o senhor sente neste momento?

Um alívio grande. Com 36 anos de política, eu estava arrasado. Sofria, chorava, engordei... Uma tristeza. E a doença junto. Mas me deu uma força muito grande para fazer a lei. Ninguém acreditava que conseguiria, não é algo trivial. Dos 46 deputados federais do Rio, 26 votaram contra; dos três senadores, dois foram contra. E conseguimos passar a lei com 312 votos. Foram quatro anos em que a gente conseguiu entrar nas favelas, fazer apartamentos, saneamento, obras que eram um sonho do Rio há muito tempo. O saldo foi muito positivo.

Como será seu 2019?

Vou ficar um período em Piraí (cidade no interior na qual nasceu), depois volto para o Rio para procurar emprego. Não sei se encerrei na política. Se não tivermos reforma eleitoral, não volto. Cheguei muito longe para quem saiu de uma cidade com 15 mil eleitores. Foi muito angustiante, quero descansar um pouco e cuidar da minha saúde, que ainda tem muitos problemas. São 12 tumores na coluna e tenho que tomar conta desses bichinhos.

Qual a primeira coisa que vai fazer ao por os pés para fora do Palácio?

Botar uma sunga debaixo do terno e ficar na praia uns 30 dias. Eu e minha mulher. Vou dirigir meu carro e sumir.

Vai visitar Cabral na prisão?

Tenho vontade. Mas tenho limitações jurídicas, porque tem processo em que a gente está junta. Tenho vontade de vê-lo e lhe dar um abraço.

E o Lula?

Gostaria, se tiver autorização. Eu me dou muito bem com ele, apesar de ele não ter me apoiado.

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