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Bolsonaro tomou atitude pusilânime e covarde, diz diretor do Inpe

O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão - Rodolfo Moreira /Futura Press
O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão Imagem: Rodolfo Moreira /Futura Press

Giovana Girardi

São Paulo

20/07/2019 12h48Atualizada em 20/07/2019 20h54

Acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de estar agindo "a serviço de alguma ONG", o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que ficou escandalizado com as declarações que, para ele, parecem mais "conversa de botequim".

Galvão, que dirige o instituto desde setembro de 2016, se manifestou na manhã deste sábado sobre os comentários feitos na sexta por Bolsonaro em café da manhã com a imprensa estrangeira. Na ocasião, o presidente questionou os dados fornecidos pelo Inpe sobre as taxas de desmatamento da Amazônia e disse que eles são mentirosos.

"Se toda essa devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria sido extinta, seria um grande deserto", disse Bolsonaro.

"A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos", afirmou. "Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir se explicar aqui em Brasília, explicar esses dados aí que passaram na imprensa", disse. "No nosso sentimento, isso não condiz com a realidade. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG, que é muito comum."

As declarações do presidente ocorreram um dia depois de a imprensa destacar que dados do sistema Deter-B, do Inpe, que faz alertas em tempo real de focos de desmatamento para orientar a fiscalização, mostraram que a área perdida de floresta até meados deste mês já é a segunda maior da série histórica, medida desde 2015.

Na quinta, os alertas indicavam um desmatamento de 981 km quadrados neste mês de julho. Nesta sexta, às 19h, conforme observado pelo Estado, o número já havia saltado para 1.209 km quadrados e atingiu o valor mais alto de perda em um mês desde 2015. É também 102% maior do que o observado em julho do ano passado, que viu uma perda de 596,6 km quadrados.

Os alertas dispararam nos últimos meses. Em junho, a perda, de acordo com o Deter, foi de 932,1 km quadrados, contra 488,4 km quadrados em junho do ano passado. Em maio já tinha sido de 738, 4 km quadrados, contra 550 km quadrados em maio de 2018.

Galvão optou por não responder na própria sexta para primeiro "arrefecer o estado de ânimos", mas hoje deu sua posição. "A primeira coisa que eu posso dizer é que o sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País", afirmou.

"Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos", continuou o engenheiro, que iniciou a carreira no Inpe em 1970, fez doutorado em Física de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é livre-docente em Física Experimental na USP desde 1983.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. responde às críticas do presidente?

A primeira coisa que eu posso dizer é que o sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição.

Qual é o papel do Inpe hoje no Brasil?

O Inpe permitiu ao Brasil ser o terceiro país do mundo a receber imagens de satélite para monitoramento de desmatamento, do Landsat. Começamos isso em meados da década de 70. Íamos a reuniões internacionais que só tinham Brasil, Canadá e Estados Unidos. O Inpe tem credibilidade internacional inatacável. O presidente Bolsonaro não entende que não somos nós que fornecemos os nossos dados para a imprensa. Os nossos alertas de desmatamento são fornecidos ao Ibama. Isso começou ainda na gestão da ministra Marina Silva (2003-2008) por demanda do próprio Ministério do Meio Ambiente. Os dados são acessados pelo Ibama na nossa página na internet. Estão abertos para todo mundo, todo mundo pode verificar. São publicados em revistas científicas internacionais. Temos mais de mil citações pelos nossos dados, qualquer um pode testar. Então chamar de manipulação é uma ofensa inaceitável. Mais do que o ataque que ele me fez, eu me sinto muito chateado pelos colegas do Inpe, que sempre teve pesquisadores de renome internacional, como o professor Carlos Nobre, que em 2016 ganhou o prêmio internacional Volvo pela defesa da Amazônia. Este ano, em junho, o doutor Antonio Divino Moura, coordenador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Inpe, ganhou o equivalente ao prêmio Nobel de meteorologia da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Não teve uma carta de congratulações nem do presidente nem do ministro de Ciência e Tecnologia. O presidente não tem noção da respeitabilidade que os dados do Inpe e que os pesquisadores do Inpe têm. É uma ofensa o que ele fez.

E sobre os ataques ao senhor?

Fiquei realmente aborrecido, porque na minha opinião ele fez comigo o mesmo jogo que fez com Joaquim Levy (que pediu demissão do BNDES após também ser criticado em público por Bolsonaro). Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos. Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo.

Não é a primeira vez que os dados do Inpe são questionados. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já tinha dado declarações assim no começo do ano. Houve um encontro do governo com vocês para entender como o Inpe funciona?

Eles nunca fizeram uma crítica objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Ricardo Salles fazia essas críticas por falta de conhecimento. Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunicação com o ministro Ricardo Salles, com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional), para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa que havia. Mandei para o ministro Marcos Pontes, mas acho que ele estava viajando. Porque quero tirar dessa polêmica algo que ele sempre declarou, que a questão (dos dados) do desmatamento da Amazônia é uma questão científica e não política e ele sempre demonstrou confiança nos dados do Inpe.

E os alertas do Deter de fato mostram que vem ocorrendo uma alta na perda da floresta?

O Deter é um sistema de alerta. Nós levantamos esses dados para o Ibama agir. E uma vez por anos divulgamos os dados do Prodes, esses sim são os dados realmente consolidados do desmatamento do ano. Mas a margem de acerto do Deter é de 95%. Quando o Deter anuncia o crescimento do desmatamento, provavelmente o Prodes vai mostrar que foi isso mesmo que ocorreu. E o desmatamento vem crescendo nos últimos três anos. O sistema do Deter foi solicitado pela então ministra Marina Silva e com base nele ela e os demais ministros foram capazes de agir e o desmatamento teve um decréscimo substancial entre 2004 e 2012.

Mas este mês de julho já tem o valor mais alto desde 2015. Isso surpreende?

O resultado deste mês de julho sim nos surpreendeu, mas lembre-se que o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou.

O presidente insinuou que o sr. poderia estar a serviço de ONGs. O que o senhor responde sobre isso?

Como sou um cientista, não respondo. Um grande prêmio Nobel em Física uma vez falou que certas respostas não devem ser dadas porque são tão absurdas que não estão na natureza. Não vou responder a ele e ele que me chame pessoalmente e tenha coragem de me dizer cara a cara isso.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
A versão original deste texto estava com símbolos de interrogação nas informações sobre áreas de desmatamento, em vez da expressão "km quadrado", no sexto e sétimo parágrafos. Os números em si estavam certos. O texto foi corrigido.