Juiz garante direito de importar sementes de maconha para casal produzir remédio
Redação
São Paulo
18/09/2020 16h04
O magistrado estabeleceu que, em razão da exceção aberta em favor do direito à saúde da menor, qualquer desvio da finalidade ou violação das regras impostas, acarretará a ilicitude do comportamento e, consequentemente, sujeitará os responsáveis às sanções legais. Assim, o magistrado fixou que os pais poderão cultivar até 15 plantas de Cannabis, com o fim exclusivo de extração do óleo de cânhamo para o tratamento da filha.
Os responsáveis também foram autorizados a transportar e remeter plantas e flores para teste de quantificação e análise de canabinóides aos órgãos e entidades de pesquisa, ainda que em outra unidade da federação, para o pleno exercício pleno de seus direitos constitucionais.
O processo corre sob sigilo e as informações foram divulgadas pela Justiça Federal paulista.
Ao apresentarem o pedido à Justiça, os pais da menina juntaram relatórios médicos que indicam diferentes tratamentos que foram ministrados à menor, sem sucesso, incluindo o uso de canabidiol importado.
Os documentos descrevem enfermidades diagnosticadas na criança desde os quatro meses de vida, que são encefalopatia epilética, atraso global do desenvolvimento, epilepsia farmacorresistente e síndrome de Lennox-Gastaut. Mencionam ainda que, após a introdução do óleo de Cannabis Sativa ao tratamento da menor, hoje com cinco anos, houve melhora das crises, tendo inclusive a indicação médica para ser administrado de forma contínua e diária, associado a outros fármacos antiepilépticos.
Também consta no processo os certificados da participação da mãe da menina em cursos de cultivo da Cannabis terapêutica, para demonstrar que a mesma possui condições de produzir o remédio de modo seguro e eficiente, com o devido acompanhamento médico - o que impediria os efeitos negativos que a interrupção no tratamento pode ocasionar.
Ao analisar o caso, Renato Câmara Nigro destacou que as possibilidades oferecidas pela legislação brasileira para o uso terapêutico de canabinóides 'são insuficientes para garantir a efetiva utilização da substância, conforme indicação médica, e podem - como se dá no presente caso - atentar contra direitos fundamentais, como o direito à saúde, dignidade humana e, no final, direito à vida das pessoas'.
O magistrado ressaltou que, desde 1976, existe permissão em lei federal para a plantação de Cannabis com fins medicinais, embora não tenha havido a regulamentação da lei para permitir a adoção da prática.
De acordo com o magistrado, constava da Lei nº 6.368/1976, e está em vigor na atual lei antidrogas (Lei n. 11.343/06) que a União pode autorizar o plantio, a cultura e a colheita exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.
Outro ponto destacado pelo juiz é que o tratamento com base em canabinóides tem obtido cada vez mais aceitação no país, dadas as sucessivas resoluções da Anvisa sobre o tema.
Além disso, o magistrado lembrou que há um projeto de lei que propõe a descriminalização do cultivo da Cannabis Sativa e do óleo artesanal para uso pessoal terapêutico, bem como uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, em trâmite no STF, em que a Procuradoria Geral da República pede que seja fixado um prazo à União e à Anvisa para que, no âmbito de suas respectivas competências, editem regulamentação sobre o plantio da Cannabis com finalidade medicinal.
Em contrapartida, Renato Câmara pontua que ainda não consta da atual regulamentação sanitária a permissão para importação de sementes para cultivo das plantas para o uso terapêutico da Cannabis.
"No final das contas, as pessoas que possuem indicação médica para o uso da substância em referência tem que se submeter a um burocrático e moroso procedimento junto à Anvisa para a importação do óleo de Cannabis ou adquirir o produto em território nacional, mas em ambos os casos submetidos a um procedimento de alto custo".